Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Crônica da resistência pelas cultura e educação, por Rui Daher

Carai, véios e véias, já descobriram o que nos fez levar ao Poder o tosco Jair Bolsonaro e seus ignaros? É o que matuto quando converso com meus retroses.

Arte

Crônica da resistência pelas cultura e educação, por Rui Daher

O jornalista Mino Carta, de CartaCapital e outras excelências, costuma conversar com seus botões. Também tenho os meus, mas prefiro o diálogo com meus retroses, aqueles fios de seda, algodão ou infames sintéticos que prendem os botões às minhas camisas e paletós.

E o que, hoje em dia, eles me dizem, que não as desgraças do país onde há 73 anos nasci num pequeno apartamento do Largo de Santa Ifigênia ou Efigênia (até agora a Cúria Metropolitana não me esclareceu)?

Para as decepções, falam-me dos jovens de hoje em dia. Para as alegrias, de raízes da cultura brasileira, atualmente atacada, relativizada, vulgarizada e enfraquecida por uma política de extrema-direita, historicamente ignorante.

Estava este cronista na passagem do sábado de Aleluia para o domingo de Páscoa em hospital, aguardando para ser atendido por acidente caseiro, uma queda com fratura facial.

Na sala de espera, entrei no ciclo final da véspera da morte. A TV Globo mostrava o outrora respeitável Serginho Groisman, entusiasmado, apresentando Wesley Safadão e moças cantoras similares, expelindo músicas e letras de mau gosto e sub-reptício teor erótico.

Nascido na cidade de São Paulo, não pude deixar de lembrar os “poeiras cinematográficos”, das ruas Aurora, Timbiras, Gusmões, onde homens íam se masturbar com as pornochanchadas nacionais.

Agora, a ‘homaiada’, para o êxtase, usa a música sertanejo-brega e as novelas da TV Globo. Evoluímos em neon e uma jovem plateia adestrada no mau gosto.

Posso ser muita coisa, menos moralista, mas duas coisas que me enfurecem são mau gosto e burrice.

Terminado o programa Altas Horas, seguiu um delírio de jogos digitais, ininteligíveis para mim, apresentado pelo oportunista Tiago Leiffert.

Não merecia. Ando com pouca sorte. Depois do vendaval que na semana passada destelhou um galpão da fábrica e tomou nossa atenção durante a semana, aproveitava o sábado para ótima feijoada ouvindo Zeca Pagodinho. “Pra que chorar se o dia vai raiar …”? Saravá!

Tom, Vinícius, Lyra, Menescal & Bôscoli, Johnny Alf, Odete Lara, Silvinha Telles, Nana, João, Dorival, Claudette Soares, Elomar, Ariano, Zé Celso, Tim, Elis, Pica-Pau, JB FM, Jacob, Elizeth, Ângela, Cauby, Dick, Lúcio, Sérgio Ricardo, Jackson, Lua, Moa do Katendê, tantos outros, a quem exijo resgaste.

Não aguento mais a mediocridade que cresceu nos últimos anos. Sofro. Sou popular, caso contrário, poderia recolher-me à cultura clássica e erudita. Não sou assim. O cancioneiro brasileiro me faz imbatível. Como ao país. Somos os melhores do planeta. Sambas, sambas-canções, boleros, marchinhas, chorinhos, maxixes, martelos-galopados, baiões, cirandas. Se adaptados às raízes africanas, fazemos do acalanto jazz, do frevo blues e rock.

Carai, véios e véias, já descobriram o que nos fez levar ao Poder o tosco Jair Bolsonaro e seus ignaros? É o que matuto quando converso com meus retroses.

Palpite: a profunda ignorância de nossos jovens pós-redes digitais.

Há mais de dez anos, abandonaram as leituras inteligentes e, como manada, deixaram-se levar por construções alheias qualquer nota para formarem opinião. Mais do que isso, ricos, pobres, remediados ou não, aderiram ao putsch político e midiático da influência estrangeira. Não perceberam de para onde caminhavam. A má educação e o mau gosto.

Clássicos exemplos: em elevadores, não espere permissão para sair antes de que hordas de jovens já se joguem para dentro; em recintos públicos, hotéis restaurantes, mesmo em caminhadas pelas ruas, só espere bons dia, tarde e noite, sorrisos de simpatia, de pessoas idosas. Jovens passam, invariavelmente, olhos fixos no celular e fones nos ouvidos.

Façam bom proveito do que aí virá. Estou leve e na finitude. Fiz o necessário. Inté.

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

1 Comentário
  1. Caro Rui
    Sem dúvida os tempos mudaram, não consigo ouvir o Safadão, e as Safadinhas não me excitam com seus movimentos ultra mega sei lá o que. Não que não sejam bonitas, mas a cena como um todo e principalmente música de fundo não me agrada pois parece sempre a mesma. Parece também que está tudo fora do lugar. Com certeza aqueles movimentos em outro lugar me agradariam muito. As letras continuam falando de amores correspondidos ou não e das tristezas e alegrias das pessoas, mas acho que existem formas mais bonitas e mais fortes e profundas de se falar destas mesmas coisas. Quando criança eu gostava de escutar a mesma história, lendo e relendo ou escutando e escutando elas iam a cada dia ficando diferentes, ganhando novos significados. Mas hoje em dia de algum modo o encanto se perdeu nesta repetição. E os astros de hoje me parecem meteoritos, se queimam e se consomem na velocidade da mídia, e desaparecem sem sequer terem tido tempo de melhorar.

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