Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Etanol e Embrapa: como dilapidar o patrimônio nacional, por Rui Daher, em CartaCapital

O combustível e a empresa deveriam ser as joias da coroa, mas são tratados como bijuterias. De muitas coisas já sabia, outras intuí. Andanças agropecuárias capitais valem por uma boa universidade. No momento em que na 1ª classe da Federação de Corporações se diverte em escatologia festejada em fezes, este artigo, publicado originalmente em CartaCapital, recebeu várias manifestações pessoais de pesquisadores e funcionários da Embrapa, que pretendo divulgar na próxima coluna. Verão a diferença entre dilapidar e reduzir a zero.

Na safra 2016/17, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), a produção brasileira de cana-de-açúcar atingiu 660 milhões de toneladas, colhidas em área de 9 milhões de hectares. Daí saíram 28 bilhões de litros de etanol, redução de 9% sobre o período anterior, assentada na parte baixa de sua eterna gangorra com o açúcar, que cresceu 16% devido à melhor rentabilidade proporcionada.

Os dados do 1º levantamento (abril) para a safra 2017/2018 mostram situação parecida, queda em torno de 2%, em produção e área. A gangorra de preços assim se manterá e, ainda que maior produtor de etanol do mundo, fará, como desde 2015, triplicar para 900 milhões de litros a importação do produto (mesmo volume da exportação). Objetivo: manter a proporção fixada pelo governo de mistura com a gasolina.

Essa garapa somente pode ser entendida numa Federação de Corporações focada em inflexibilidade irracional ou interesses setoriais. No início deste milênio, glorificada como fonte renovável de energia, com o ex-presidente Lula se tornando o “caixeiro-viajante” do etanol de cana-de-açúcar, o Brasil lutando para provar que seu plantio não prejudicava a produção de alimentos, a cultura se tornou uma das joias da coroa. Há alguns anos passou a ser tratada como bijuteria de feira hippie, e somente agora parece ensaiar pequena recuperação.

Outra joia que parece ter o mesmo destino, se não garapa, é a Embrapa, o mais importante e prolífico centro de excelência do país, ainda mais que ligado ao setor produtivo de melhor desempenho na atual economia.

Criada em 1973, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária nos dois últimos anos acumulou prejuízo de cerca de R$ 1 bilhão. Um histórico mais longo não mostraria vida diferente. Em Brasília, outras regiões do país e no exterior soma 70 unidades operacionais e administrativas, número que pode ser equiparado ao de qualquer multinacional ligada ao setor.

A empresa vive de dote orçamentário. Em 2015, R$ 2,8 bilhões; no ano passado, mais 5,5%, R$ 3,04 bilhões. Com isso, não consegue bancar as despesas operacionais, onde os gastos com pessoal representam 62% do total.

Nossos analistas mais apressados logo indicarão “inchaço e aparelhamento públicos”. É moda à direita. Não perceberão como a formação e o alto nível científico do pessoal lotado na Embrapa justifica suas remunerações. Estivessem – como muitos estão – trabalhando nas multinacionais do setor, salários e benefícios seriam muito maiores.

É onde entra a deusa iniciativa privada. Ou, melhor, não entra. Não que a Embrapa estivesse melhor se privatizada. Lembro de artigo excelente do professor Delfim Netto justificando o desastre que seria tal conflito de interesses para a sociedade.

A Embrapa precisa, sim, da iniciativa privada, mas para comprar seus serviços, associar-se a seus projetos, receber royalties por suas pesquisas e desenvolvimentos.

Se os dotes orçamentários do governo são contados em bilhões, a venda de tecnologia e serviços à iniciativa privada conta-se em poucos milhões. Em 2016, a receita líquida com esses itens caiu 20% sobre 2015. De R$ 28,0 para R$ 22,4 milhões, embora gerando lucro bruto de 79%.

Dá para entender como e através de quem a Embrapa seria lucrativa? De onde, então, tanto desinteresse?

Em média a cada 15 dias, recebo o “Boletim de Pautas da Agência Embrapa de Notícias”. Está no número 134. A cada edição divulga, pelo menos, cinco trabalhos de inovação sendo executados nas diversas culturas agrícolas e criações pecuárias adaptadas às condições edafoclimáticas do Brasil. Façam as contas da massa de alternativas prontas para o mercado. Algumas constato pessoalmente nas Andanças Capitais.

Pouco mais de R$ 20 milhões a iniciativa privada “comprou” da Embrapa. Ô dó.

Deixarei para a próxima coluna a terceira joia, hoje discutida em filigranas imbecis, o BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. 

https://www.youtube.com/watch?v=k3A-Iq82D_o

Rui Daher

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