As obras de arte encontradas no lixo da USP

Sugerido por Eterno Descontente

Nota 1: Preferi enviar duas notícias. Como se não bastasse a estupidez do primeiro caso, é preciso de complemento. Mas o mais importante é que o senso estético é possível para qualquer pessoa. Com exceção de algumas cabeças “pensantes” da mais internacional de (nossas ou deles?) universidades, a USP que, cinicamente, não perde a pose.

Do Estadão

Marceneiro acha obra de arte no lixo da USP

Há sete anos, Antônio Passos encontrou 15 quadros em uma lixeira do Departamento de Química. Agora, descobriu que eles valem até R$ 50 mil

Rodrigo Brancatelli

O sobrado do marceneiro Antônio Luiz Góis Passos, um homem tímido de gestos contidos e fala bem rápida, fica em uma viela tortuosa na periferia de Carapicuíba, Região Metropolitana de São Paulo, que não consta em qualquer GPS ou guia de ruas. Para chegar lá, é preciso pedir ajuda na Mercearia do Naldinho, onde o dono indica o caminho. É um lugar sem verde, duro, de pessoas com rotinas ainda mais duras, onde há poucas semanas uma menina de 9 anos cortou com uma navalha o rosto de uma colega da escola durante uma discussão.

Jonne Roriz/AE

Jonne Roriz/AE Degas na parede. O marceneiro Antônio sonha agora em vender o acervo e terminar o sobrado em Carapicuíba, na região oeste da Grande São Paulo

É nesse cenário que um pequeno tesouro se esconde na sala de seu Antônio, sem que ninguém ali fora saiba, um segredo guardado sem querer há cerca de sete anos e só agora desvendado. Por volta de 2004, o marceneiro, funcionário da Universidade de São Paulo (USP), encontrou no lixo do Departamento de Química 15 quadros jogados fora. Ninguém os queria, nem os professores nem a instituição. O que era entulho, no entanto, travava-se de arte. As peças, avaliadas agora por especialistas, valem juntas pelo menos R$ 50 mil.

“Eles jogaram no lixo, estava tudo abandonado, mas eu achei um pecado porque na primeira chuva tudo se perderia”, diz o marceneiro, com um sorriso acanhado no rosto. Na coleção particular de Antônio, exposta em três paredes descascadas de sua casa, há peças dos séculos 19 e 20, reproduções originais francesas numeradas de artistas como Edgar Degas, Maurice de Vlaminck, Maurice Utrillo, Paul Gauguin e Maurice Utrillo. Há também um desenho original do cartunista paulistano Belmonte sobre os bandeirantes, que sozinho pode valer até R$ 10 mil. “Nunca achei que daria dinheiro, peguei do lixo só porque achei bonito. Mas agora estou pensando em vender, né, talvez dê para acabar a obra aqui da minha casa.”

É como se a sala daquele sobrado resumisse em poucos metros quadrados o descaso com o patrimônio artístico e histórico, mesmo dentro da mais importante universidade do País. Antônio não tem sofá em sua casa, mas tem uma reprodução de O Ensaio de Ballet no Palco, de Degas, em sua parede.

Acaso. Seu Antônio é homem humilde, que começou a trabalhar aos 9 anos, fazendo carreto em feiras de Itapecerica da Serra, e largou a escola no ensino fundamental por “não ter dinheiro para os livros”. Seus olhos brilham quando ele fala de seu trabalho como marceneiro, sobre como ele fez sozinho os armários da cozinha. Também se orgulha imensamente de ter construído um sobrado em Carapicuíba, “para sair do aluguel”, uma obra ainda um tanto inacabada por falta de verba.

A incrível história do pequeno museu montado em Carapicuíba começou em uma tragada. “Fumo desde criança, infelizmente”, conta. “Um dia estava trabalhando no almoxarifado da Química e saí para fumar. O pessoal da Farmácia estava jogando fora um monte de coisas e vi esses quadros lá. Eu achei todos lindos, a coisa mais bonita que tinha visto, e perguntei se aquilo não era importante. Eles falaram que não, então eu peguei. Ia começar a chover e estragar tudo. Então embalei tudo bonitinho e trouxe para casa.”

Segundo o marceneiro, que trabalha há mais de 15 anos na USP, funcionários da instituição foram avisados várias vezes sobre as peças. “Uma vez, eu até levei as plaquinhas de metal que achei nos quadros, que falava sobre a autenticidade deles, mas ninguém quis saber de nada”, diz. “Falavam que era besteira, que era lixo. Só eu achei que não era lixo.”

Teste. Os quadros ficaram guardados na casa de Antônio por anos, até que sua mulher comentou com seu chefe, um editor de livros de arte, sobre as peças. “Minha mulher na verdade queria que eu levasse em Embu e me desfizesse de tudo”, conta. Assim começou a revolução na vida de Antônio – um especialista em artes plásticas foi até Carapicuíba e notou a importância dos desenhos e reproduções. Uma professora do Departamento de Química Fundamental da Universidade de São Paulo também foi chamada para ajudar na investigação e atestou a idade dos quadros com um exame chamado de “microscopia raman”, técnica que analisa os pigmentos das pinturas.

“A gente coloca o quadro no microscópio, joga um feixe de laser e analisa a radiação espalhada”, conta a professora Dalva Lúcia de Faria, a maior expertise nesse exame no País. “Em outras palavras, conseguimos checar de onde vem o pigmento, a origem do corante, a sua idade e outras características. É como se fosse uma impressão digital da pintura. No caso do quadro do Antônio, de fato analisamos que ele deve ter sido feito em um ateliê específico em Paris, por causa da técnica do silk screen.”

Até agora, Antônio não aprendeu o nome do exame usado para investigar a autenticidade das peças, mas ainda assim ele abre um sorrisão quando fala da recém-descoberta nobreza dos quadros. Seu sonho agora é vender o acervo para terminar a obra de sua casa. “Quem sabe eu consigo acabar o segundo andar. Se bem que esse aqui está tão bonito na parede, né”, diz ele, apontando para a reprodução de Degas, um símbolo da importância de se olhar as coisas com um pouquinho menos de pressa.

Nota 2: A primeira notícia fala do Instituto de Química; abaixo, o Instituto de Ciências Farmacêuticas. Foi há dois anos. A universidade forma arquitetos, artistas plásticos, bibliotecários e faz reformas e não tem no seu pessoal alguém que dê suporte técnico apropriado. Eis um dos males da USP, a “moral das secretárias”.

USP cobra 15 quadros achados em lixeira

Marceneiro que encontrou obras aceita devolvê-las, mas exige recompensa

SÃO PAULO – O marceneiro Antônio Luiz Góis Passos, de 46 anos, guarda até hoje a cópia de uma reportagem do Estado da qual foi protagonista há dois anos. Provavelmente vai guardar esta também, mas, agora, ele aparece aqui meio que a contragosto. Em 2011, ele encontrou 15 quadros no lixo da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), onde trabalha há 17 anos. Agora, a instituição quer as obras de volta. Mas, para devolvê-las, Passos exige recompensa.

Na época, o funcionário da USP perguntou se as obras eram realmente lixo. Guardou os quadros na universidade por uns meses. Perguntou de novo se eram lixo mesmo. Enfim, decidiu levar o material para a sala de casa em Carapicuíba, na Grande São Paulo.

Passos ficou com a parede enfeitada, até que no mês passado a USP abriu sindicância e pediu todos os quadros. As obras não têm grande valor financeiro e a maioria é reprodução, mas tem Ensaio de Ballet, de Edgar Degas (1834-1917), uma ilustração do cartunista paulistano Belmonte (1896-1947), além de obras dos franceses Maurice Utrillo e Maurice de Vlaminck.

Quando Passos resgatou os quadros do lixo, alguns em mau estado de conservação, ele nem achou que aquilo valesse dinheiro. Depois passou a achar, quis vender na feira de Embu das Artes, e desistiu. Gosta mesmo é de mostrar os quadros na parede, se gabando de ter a cópia 83 de cem de qualquer coisa, porque “significa que são apenas cem no mundo”.

Dos 15, só um dos quadros, o de Maurice Utrillo, foi analisado por uma especialista. A professora do Departamento de Química da USP Dalva Lúcia de Faria constatou, por meio de uma técnica que investiga a pigmentação, que o quadro é a reprodução da aquarela original, feito em Paris nos anos 1950.

“Mesmo sendo reprodução, as obras têm algum valor”, diz Dalva. “O problema é que os quadros são da época em que o curso de Farmácia era com o de Odontologia. Quando separaram, e com a reforma da biblioteca, muita coisa se perdeu e foi para o lixo mesmo.”

Cobrança. Dalva não entende por que a USP agora, dois anos depois, faz questão de ter os quadros de volta. “Quando o seu Antônio pegou do lixo, foi porque achou bonito. Ele é supersimples e teve o senso estético despertado de uma maneira que ninguém ali teve.”

A USP informou que “aguarda a devolução dos quadros” e não comentou se vai ou não acionar o funcionário judicialmente. Enquanto isso, Passos se sente mal com a situação. “Não acho muito justo, não. O pessoal joga as coisas fora e depois que repercute na imprensa…” Mesmo apegado às obras, ele topa devolver, mas não de graça. “Quero pelo menos uma gratificação por ter salvado uma coisa importante do lixo.”

Luis Nassif

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