Comissão diz que Marinha ocultou documentos da ditadura

Por MiriamL

Do Uol

Comissão da Verdade acusa Marinha de ocultar da Presidência documentos de vítimas da ditadura

Fernanda Calgaro
Do UOL, em Brasília

21/05/2013 12h35 Atualizada 21/05/2013 17h49

Na apresentação dos resultados produzidos durante o primeiro ano de funcionamento da Comissão Nacional da Verdade, o grupo que coordena os trabalhos acusa a Marinha brasileira de ocultar da Presidência da República, do Ministério da Justiça e da Câmara dos Deputados, já no período democrático, documentos referentes a vítimas mortas durante a ditadura militar.

O cruzamento de um prontuário secreto da Marinha de dezembro de 1972 com um documento de 1993 enviado pela própria Marinha ao governo Itamar Franco revela discrepância de informações a respeito do paradeiro de pessoas.

Segundo a comissão, esse relatório sigiloso do Cenimar (órgão de espionagem da Marinha) traz uma relação extensa de nomes de pessoas que o regime sabia que estavam mortas até aquele mês de 1972.

No entanto, em 1993, o então presidente Itamar Franco solicitou dados à Marinha sobre desaparecidos e a comissão conseguiu cruzar ao menos 11 nomes, incluindo o de Rubem Paiva, que constam do prontuário, mas que a Marinha informou que tinham desaparecido ou fugido.

“É o primeiro documento oficial que diz que Rubem Paiva está morto, mas, em 1993, a Marinha informa que ele fugiu o seu paradeiro é desconhecido”, afirmou a historiadora Heloísa Starling, que faz parte do grupo de pesquisadores da comissão.

“Cruzamos os documentos e chegamos a 11 nomes nesta avaliação parcial. A Marinha brasileira ocultou deliberadamente documentos já no período democrático. O culto ao segredo na Cenimar [órgão de informação a Marinha] é levado até as últimas consequências. E foi um dos organismos mais ferozes no interior da estrutura repressora.”

Segundo a comissão, os prontuários da Marinha sobre essas 11 pessoas somam 12.072 páginas, mas não foram disponibilizados ou entregues ao presidente Itamar Franco.

Deputado informa que pedirá esclarecimentos à Marinha

Indagada se a questão já havia sido levada ao conhecimento do Palácio do Planalto para cobrar esclarecimentos da Marinha, a coordenadora da comissão, Rosa Cardozo, disse que não poderia antecipar desdobramentos das ações do grupo.

Presente na plateia, o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) pediu a palavra e informou que pretende enviar requerimentos às Forças Armadas para que prestem esclarecimentos ao Congresso. “Supõe-se que a mentira de 1993 não vai ser reiterada”, afirmou.

Maria Rita Kehl, integrante do colegiado, rebateu as críticas por parte das Forças Armadas de que a comissão mancharia a honra delas. “Foram as Forças Armadas que mancharam a sua honra com essas práticas e hoje podem recuperar a sua honra colaborando com a comissão.”

Comissão comprova que tortura começou antes da luta armada e atingiu também agentes de Estado

Na apresentação do balanço, também foram exibidos documentos da Marinha que reconhecem o uso de violência por agentes do Estado sobre seus próprios agentes a ponto de incapacitá-los para o trabalho.

Outro documento revelado pela comissão, classificado de ultrassecreto, mostra que a cúpula dos governos militares tinha ligações diretas com o CODI (Centro de Operações de Defesa Interna), órgão encarregado do planejamento, controle e repressão de atividades políticas durante a ditadura militar. Isso evidencia a responsabilidade do Estado e não apenas de indivíduos isolados. 

“Temos muitos depoimentos dizendo que chegavam aos ministros, mas não tínhamos nenhum documento rubricado pelo comando que mostrasse a linha de comando chegando aos ministros militares. Essa estrutura é interessante porque ela é em rede. O comando do CODI tem três linhas de comunicação direta com os ministros do Exército”, afirmou a historiadora.

No primeiro ano de trabalho, a comissão também identificou que a prática da tortura por parte do Estado começou antes mesmo do início da luta armada e de 1968, quando foi instituído o Ato Institucional 5, medida que endureceu ainda mais o regime. “A tortura está na origem da ditadura, antes do início da luta armada”, afirma a historiadora.

Luis Nassif

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