Da desconstrução do discurso e outros discursos

 

 

Talvez a contribuição fundamental de David Hume (filósofo empirista escocês nascido em 1711) para a história das idéias tenha sido alertar-nos da frequência com que a paixão governa os discursos humanos. Melhor que isso. Hume foi o autor moderno cuja reflexão alterou os termos em que a Teoria do Conhecimento fora apreciada desde os gregos. Para ele, a descrição do objeto pelo entendimento do homem, antes de ser produto da racionalidade ou da lógica, é resultado da paixão com que costumamos enquadrar a realidade analisada. Daí que o recurso à fala por meio de signos e símbolos deva ser visto sempre como algo parcial, de pouca ou nenhuma utilidade quando se está em busca da “essência das coisas”.

Ocupados ou não com verdades quintessenciais, é curioso observar o quão passional somos todos nós. Disso não escapam jornalistas intelectualmente honestos nem acadêmicos bem treinados, o que dirá o leitor médio de jornais e revistas, este presumivelmente mais atento às minúcias das tramas cotidianas. A coisa piora sobremaneira quando estão em jogo debates de temas econômicos ou políticos. Sim, pois como no futebol, temos virtualmente 190 milhões de economistas e cientistas políticos amadores a registrar algumas de suas inquietações diante do mundo. Mas a dor e a delícia da opinião pública é assim: racionalmente apaixonada.

A moda hoje é oferecer oposição ao discurso alheio acusando-o de tentar “desconstruir o discurso”. Desconstruir o discurso vira rapidamente – e ao sabor da conveniência do momento – “torcer os fatos, a verdade”. Ah, a verdade… sempre ela… Moda parecida é aquela que consiste em chamar (em tom depreciativo) autores importantes da filosofia contemporânea – entre os quais Gilles Deleuze e Jacques Derrida (eles próprios acusados de “ser a moda”) – de meros “desconstrutores do discurso”. Qualquer minúscula dissensão lasca-se um “isso é postura de filósofo pós-moderno!”  

Ainda ontem outro ramo promissor da filosofia geral, a filosofia da ciência, assinalava, com Karl Popper (1902-1994), seu descontentamento diante da estrutura formal das teorias científicas clássicas. Sua objeção baseava-se na maneira como estas últimas aspiravam atestar seu ponto de vista “verdadeiro”: através de observações sucessivas da realidade. Popper mostrou ser impossível afirmar verdades científicas absolutas a partir do exame seletivo de um número infinito de possibilidades. A indução é, pois, uma fantasia. Como observadores somos mais passionais que racionais, mais interessados que desinteressados, mais discursivamente suspeitos que prontamente retos e castos.   

 

Redação

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