Dez dias que abalaram o Brasil

Algumas conclusões provisoriamente definitivas sobre a onda de manifestações de massa que varreu o Brasil

1. A oposição de direita ao governo de coalizão liderado pelo PT, mesmo aliada à grande imprensa, demonstrou não ter o mais mínimo poder de mobilização. As manifestações convocadas sob as bandeiras típicas do neo-udenismo, “contra a corrupção” e contra “os políticos”, não levaram às ruas mais que os poucos milhares de infelizes de nariz de palhaço de sempre. A última tentativa, a greve patronal de caminhoneiros, calcada no modelo da que pôs em marcha a máquina do golpe de 11 de setembro de 1973 no Chile, não levou em conta uma diferença fundamental entre o Chile de então e o Brasil de quarenta anos depois: no Chile, a imensa maioria dos caminhoneiros era composta por pequenos proprietários, que dirigiam os seus próprios veículos ou tinham no máximo dois ou três empregados; no Brasil, hoje, a imensa maioria dos que dirigem caminhões são empregados de grandes empresas de transportes, e nem uns nem outras estão interessados em bagunçar o coreto — o suspeitíssimo Movimento Unido Brasil Caminhoneiro não levou mais de poucas dezenas de despistados ao bloqueio de pistas em todo o país, movimento facilmente desbaratado por uma mera ordem judicial antes de causar maiores prejuízos.

2. O governo liderado pelo PT finalmente gerou uma oposição de massas à sua esquerda. O que estranha não é o surgimento “repentino” (só pra quem acreditava no conto de fadas da “governabilidade” a todo custo e não observava a fermentação) das manifestações de massa, é que elas tenham demorado tanto. Essa oposição, organizada sobre bases democráticas radicais que favorecem a sua expansão horizontal e a rápida ocupação de espaços sociais, não é “contra o PT”, como sonham os tolos da direita e temem os tolos da esquerda; ao contrário, o que as multidões que se manifestaram por todo o país querem na verdade é “mais PT”: é a revolta pela realização das promessas e esperanças que a vitória do Lula gerou em 2002, e que o bonapartismo e o fisiologismo do “PT real” frustraram no passado, frustram no presente e só poderão frustrar no futuro. A mobilização, conduzida por centenas, milhares de pequenos grupos mais ou menos permanentes espalhados por todo o país, que não precisam de um comando centralizado para falarem com uma só voz porque são a expressão de uma revolta comum que se vem incubando há anos, não vai refluir nem recuar. Vai, sim, na experiência dos combates diários e do diálogo direto, afinar e radicalizar as suas reivindicações e ficar nas ruas por muito tempo. Já agora, após poucas semanas de mobilização, já forçaram a burocracia sindical a tentar encampar as suas reivindicações iniciais para melhor diluí-las e recuperar a iniciativa e o poder de mobilização e barganha.

3. O “Dia Nacional de Mobilização”, na quinta-feira 11 de julho, será um teste decisivo da maturidade dos movimentos sociais de base que deram origem a toda a movimentação. Se souberem manter a própria autonomia e não sair a reboque das manobras burocrático-partidárias, poderão manter o calor da ebulição social que vai realizar as esperanças nascidas em 2002. Se não, verão as suas bandeiras serem transformadas em moeda de troca nos parlamentos e gabinetes — o que apenas adiará por mais um tempo a explosão.

4. Interessa a quase todos — da Globo e da Folha e da tucanalha ao grande setor fisiológico do PT — apresentar a onda de manifestações como uma “novidade” possibilitada pelos meios de isolamento e espionagem conhecidos como “redes sociais”, e diluir as suas reivindicações concretas e palpáveis em uma vaga sopa indistinta de aspirações de “mudança” na qual cabe de tudo, para poderem responder a essas “aspirações” com uma febre legislativa cujo único propósito é mudar mil detalhes para que a essência continue como está. Essa falsificação esquece-se do longo e paciente trabalho de sapa da velha toupeira que foi o que, mais uma vez, saiu à luz para impedir que as coisas continuem como antes, prenhe das lições de séculos de lutas e cada vez mais sábia.

Redação

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