Em “O Pagamento” o Futuro como Profecia Auto-Realizada

Embora seja a pior adaptação no cinema de uma obra do escritor norte-americno de sci fi Phip K. Dick, o Pagamento (Paycheck, 2003) propõe a discussão de um interessante paradoxo temporal: a profecia auto-realizadora como tática de engenharia de opinião pública para que futuros alternativos sejam induzidos e manipulados. Mentiras ou boatos podem paradoxalmente se auto-realizarem como verdades. Isaac Assimov chamava isso de “Psicohistória”. Desde o filme “O Caçador de Andróides” (Blade Runner, 1982), Hollywood descobriu o escritor de ficção científica assumidamente gnóstico Philip K. Dick. A maioria das adaptações de seus contos ou livros completos obtiveram sucesso comercial ou crítico: “O Caçador de Andróides”, “O Vingador do Futuro”, “Screamers”, “Minority Report”, “Scanner Darkly” e o recente “Agentes do Destino”. Porém, o filme “O Pagamento” foi certamente a pior das adaptações. Logicamente, a culpa não foi de K. Dick mas dos produtores por convidarem John Woo, diretor que se notabilizou pela prioridade às cenas de ação em seus filmes (“A Outra Face” e “Missão Impossível 2”). Para quem está familiarizado com a obra e filmes baseados em Philip K. Dick facilmente reconhece em “O Pagamento” alguns dos seus temas mais caros: perda da memória e paradoxos temporais. Mas John Woo, ao adaptar a estória de ficção científica transformou-a, no final, em uma mera narrativa de ação. Por isso, vamos resgatar nessa postagem o tema que acreditamos seja o principal na obra “Paycheck” e que foi pouco desenvolvido pela direção de John Woo: o paradoxo do tempo recursivo. Primeiro vamos fazer uma breve sinopse: Michael Jennings (Ben Affleck) é um especialista em engenharia reversa: analisa o produto da empresa concorrente e desenha uma nova versão que excede as características originais. Ao finalizar esse trabalho, suas memórias correspondentes ao período de tempo em que trabalhou são apagadas com a ajuda técnica do seu amigo Shorty (Paul Giamatti) para proteger a propriedade intelectual de seus clientes. James Hethrick (Aaron Eckhart), CEO da empresa Allcom, oferece um misterioso trabalho que envolve um projeto ultra-secreto da área de ótica, com uma duração de no mínimo três anos. Em troca do apagamento das memórias desse período, Hethrick oferece participação nas ações da empresa. Ele completa o trabalho e descobre que desistiu dos milhões de dólares em ações em troca de um enigmático envelope contendo uma série 20 diferentes objetos, aparentemente sem nenhum nexo: chave, um maço de cigarros, óculos de sol, uma bala de revólver. Por que desistiu de uma fortuna em ações por um envelope contendo esses prosaicos objetos? Perplexo, Jennings se vê numa situação onde a Allcom tenta matá-lo, ao mesmo tempo em que agentes do FBI tentam capturá-lo por suspeita de um crime que não lembra ter cometido. Jennings descobrirá que aqueles objetos do envelope os levarão à descoberta da natureza do trabalho que ele prestou à Allcom: uma máquina de prever o futuro baseada em um mecanismo ótico cuja lente reproduz exatamente a curvatura tempo/espaço do Universo. Mas o tema da previsão do futuro não é assim tão simples em Philip K. Dick, pois se baseia em um irônico paradoxo: através de um mecanismo de profecia auto-realizadora o futuro previsto não acontece porque estava lá, mas por que a sua divulgação faz o futuro previsto acontecer de fato. Jennings: “Meu Deus, é o futuro. A máquina prevê a guerra, entramos em guerra para evitá-la. Prevê uma praga, juntamos todos os doentes e acabamos criando uma praga. Todo o futuro que ela prevê, fazemos acontecer. Perdemos todo o controle sobre nossas vidas. Ver o futuro nos destruirá. Se mostrar o futuro a alguém, ele não terá futuro”. É a ironia final: o futuro dobra-se sobre si mesmo, criando um efeito recursivo. O que é recursão? Conceito originado da linguística, matemática e ciência da computação, em linhas gerais recursão se refere ao processo de repetição de um objeto de um jeito similar ao que já fora mostrado. Um exemplo bem simples são as das imagens repetidas em espelhos que se refletem mutuamente. Trazendo para o nosso campo da comunicação poderíamos definir como “a natureza inercial da comunicação. Efeito exponencial que tende a agravar um desequilíbrio inicial, produzindo um looping” (BOUGNOUX, Daniel. Introdução às Ciências da Comunicação e da Informação”). Algo parecido com o efeito dominó ou bola de neve. Efeitos inerciais estão por todos os lados: a preferência em entrar em restaurantes mais lotados, turistas que se atropelam em lugares “turísticos” (de tanto terem sido fotografados), ou, então, as verdadeiras celebridades recursivas do tipo revista “Caras” – são famosos por serem muito fotografados ou são muito fotografados por serem famosos? O “turístico” e a “fama” são menos determinados por fatores reais e muito mais por um efeito inercial do comportamento e da comunicação. A Profecia Auto-realizadora Uma manifestação desse efeito recursivo pode ser encontrado na chamada “profecia auto-realizadora” (self-fulfilling prophecy), conceito criado pelo sociólogo Robert K. Merton em 1949: no seu início a profecia auto-realizadora é uma definição falsa de uma situação que evoca um novo comportamento que torna a definição falsa como “verdadeira”. Essa peculiar validação perpetua uma tendência de erro. O “profeta” citará o curso atual dos eventos como prova de que estava certo desde o início. É o paradoxo de uma mentira ou um boato se autorrealizar como verdade. >>>>>> Leia mais em: http://cinegnose.blogspot.com/2011/11/o-futuro-como-profecia-auto-realizadora.html#more

Luis Nassif

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