Um passeio pelas Ditaduras brasileiras

Historias das Ditaduras

Nassif,

“Provocado” pelos colegas do blog Assis e Jussara, resolvi escrever:

Se existe algo que eu agradeço à Ditadura é o fato dela ressuscitar minha identidade indigena e usar meus 18 anos de “integração à civilização”, como a minha maior arma de luta contra esta mesma Ditadura.

Os turbulentos anos 68,69, em Brasilia, me indicaram, com muita clareza, o caminho de luta que deveria seguir.

Chegar aos 64 anos, apesar de tudo, devo à minha resistente raiz indigena Potiguara, herança paterna.

Mas nem é preciso ser indio para chegar a terrível conclusão, neste séc. XXI, de que está inserido, infelizmente, no consciente da maioria de quem não é, ‘ que ” indio bom é indio morto”. Basta conhecer um pouco da historia de colonização (ontem e hoje) no Brasil, para ser ter consciencia deste fatidico sentenciamento.

Genese do genocidio indigena:

Foi a igreja catolica quem primeiro semeou nesta terra a destruiçao dos indios , sem falar da catequização.

Quando o santo padre Manuel da Nóbrega, em 1549, estufou o peito sob a cruz da batina e declarou vitorioso para os quatro cantos do mundo : ” Esta terra é nossa empresa”, estava selada definitivamente nosso destino, secular, seculorem.

A cronologia desta empreitada mortifera contra os indios, até os dias de hoje, encheria milhares de paginas empregnadas de sangue.

Vamos seguir somente a tragetoria desta “empresa” após a dizimação dos indios da costa e a investida para o Centro e pra Amazonia, ultimos refugios indigenas.

Para conseguir seus intentos empresariais a igreja sempre precisou de armadas, de exércitos obedientes e governos de linha dura, de assassinos frios de homens, mulheres e crianças. No Brasil fomos duplamente contemplados com estes regimes.

Comecemos então com o primeiro em 1937, que abriu caminho para a segunda em 1964, a quem coube o tiro de misericórdia, que até hoje ressoa por aí.

Os fatos:

Os ideólogos da Ditadura Vargas na necessidade de se criar um “Cristo” como símbolo do nascimento de um “Brasil Novo”, portador dos “bons valores nacionais” que fosse forte, bravo, senhor da natureza (riquezas naturais), que se identificasse como defensor nato do territorio brasileiro (da invasão estrangeira) foram buscar nas raízes indigenas estes sonhados elementos, ingredientes perfeitos na formação da desejada “identidade nacional” para contrapor ao modelo dominante europeu. Chamavam isto de “nacionalismo”.

Era, pelo menos, a constatação de que existia indios no Brasil. Capazes, diga-se, de se integrarem a um projeto de unificação nacional, e que servisse de mão de obra para o espirito supremo da empresa cristã. O Capital.

Vargas partiu ao encontro dos indios do inexplorado centro-oeste. Tornando-se o primeiro presidente a colocar os pés numa aldeia. Embasbacado com a beleza de uma aldeia intacta no seu habitat natural, consagrou-os como os“primeiros brasileiros”.

Reforçava, na verdade, a imagem do “bom selvagem”, à qual o Estado deveria dar “proteção”.

O Coronel Themistocles de Souza Brasil, membro da comitiva o encontro: “estes indios nada produz, nem o suficiente para o próprio conforto , é nomade, não obedece as leis nem deles tem conhecimento, nao tem noçoes de Pátria… tem o cerébro pouco evoluido…, não estando em condições satisfatorias para assimilar de modo completo a educação e as outras exigencias da nossa civilização”. Como toda Ditadura que se preze, seus ideológos são os que ditam a cartilha de ação e a propaganda.

O SPI-Serviço de Proteção ao Indio criado sob o princípio de que: “o indio, dado seu estado mental é como uma grande criança que precisa ser educada”, é o exemplo perfeito de propaganda e farsa.

Estava dada o mote para a tutela governamental (julgamento da incapacidade indigena) e consequentemente a opressão para impor politicas economicas na exploração das riquezas em territorios indigenas sem nenhuma consulta aos indios.

No primeiro contato de “pacificação” empreendida pelo Governo, os então bravos guerreiros Xavantes, numa demonstração clara de resistencia às novas investidas do Governo em direção ao Oeste, exterminam a flechadas e golpes de bordunas os 5 membros de uma equipe, inclusive o líder Pimentel Barbosa, nas margens do Rio das Mortes, territorio Xavante.

Ação inesperada e assustadora mas que não impediu o andamento da famosa Expedição Roncador Xingu, que deixou no seu rastro sanguinário a construção de dezenas de vilas, cidades, e milhares de Km de estradas sobre territorios indigenas nos estados de Mato Grosso e Goiás.

Vargas escancarava, assim, a porta dos territorios indigenas para entrada de colonos, fazendeiros, e consequentemente a escravidão, epidemias, exterminios em guerras desiguais, cujo saldo foram milhares de mortes indigenas, numa repetição macabra da corrida do ouro no Sec. 18, levada pelos Bandeirantes na mesma direção, cuja lei era a bala.

Desta vez, o exterminio indigena era bancada pelo Estado, oficialmente, tutor dos indios, responsavel pela sua “proteção”.

Os indios desta região foram finalmente crucificados (como todo “Cristo”) seus algozes receberam medalhas pelo bom serviço prestado à Pátria, sobressaindo os irmãos Villas -Boas e o Marechal Rondom. Prá comemorarem o heroísmo criaram o “Dia do Indio”. Esqueceram, porém, de acrescentar a palavra Morto.

Prá comemorarem o indio morto criaram o Museu do Indio enfeitado com peças saqueadas das aldeias.

Aos que sobreviveram, restou a “pacificação” e à integração forçada à dita civilização colonizadora que para redimi-los dos pecados de serem bravos, matadores…, teriam que padecer definitivamente sobre a terra, “secula seculorum”. Como manda a “sagrada” biblia.

As atrocidades cometidas pelos desbravadores estavam abençoadas pela caridade cristã, tinham salvo os indios selvagens, deram a “alma” cristã.

O conceito colonizador de que “somos todos iguais”, se fortalecia, principalmente entre os militares. As terras indigenas em Mato Grosso e Goiás estavam livres.

Faltava a Amazonia. Mas isto era tarefa para uma outra Ditadura.

A primeira medida dos militares da Ditadura de 64 foi decretar a inexistencia de indios. O slogan oficial era ” Indios e nao Indios, todos brasileiros”.

Para acalmar as inumeras denuncias de extermínio indigenas, que repercutiam principalmente no exterior, aprovaram “prá inglês ver” a Lei 6001, em 1967, que como toda peça de propaganda ditatorial jamais seria cumprida, exceto os parágrafo em que diz: ” com o próposito integrá-los à comunhão nacional” ” poderá a União intervir em área indigena para a exploração de riquezas do subsolo de relevante interesse para a segurança e o desenvolvimento nacional”.

O nazismo já tinha feito escola por aqui.

A negação indigena era o sinal verde para o exterminio sistematico de aldeias na Amazonia, agora sob a lei ” mais avançada de respeito aos direitos indigenas do mundo”, na fala do General de plantão na presidencia do órgão tutelar.

Funai era o nome do cartorio imobiliario das terras indigenas. Neste balcão primeiro expediam uma certidão negativa negando a existencia de indios em determinada área, depois vendiam esta área para empresas de capital estrangeiro. Os donos deste cartorio eram Coroneis e Generais. Ficaram ricos como todo dono de cartorio.

(trabalhei na sede deste órgão em Brasília no inicio da década de 70, sou testemunha)

De cristo na ditadura de Vargas o indio na ditadura de 64 era a pedra no caminho, tornou-se o empecilho maior para o “desenvolvimento” do Brasil e a concretizaçãode de um “milagre brasileiro“. Usariam todos os métodos para “integrar a amazonia“.

Bombas jogadas de avião sobre aldeias, armas quimicas (envenenamento), biologicas (roupas contamidas com vírus), execuções sumarias, esquartejamento, e outras barbaridades que se possam imaginar, foram usadas pelos Militares contra os indios.

Historia que precisaria de um TRIBUNAL ( com letra maiúscula, sim), tipo Nuremberg, para desvenda-la como um dos maiores crimes cometidos contra a humanidade.

Pensava em detalhar mais este período, mas nao consigo continuar, travei. Desculpem.

Sobrevivi.

Luis Nassif

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