Carlos Lyra e “Pobre Menina Rica”

A estas horas meu parceirinho querido Carlos Lyra, depois de tomar seu banho caprichado e fazer sua minuciosa barba – um ritual que rouba ao nosso cancioneiro popular pelo menos um bom samba por dia – deve estar batendo perna ali na Rua 46, em Nona York, já não mais em suas bem-cortadas camisas-esporte, mas de sobretudo, cachecol e luvas, em demanda de algum editor com quem discutirá a venda de suas canções.


Pois é assim que é feita a divulgação da música popular brasileira no exterior: pelo próprio compositor, em ingratos bate-papos com editores em sua maioria grossíssimos, que só não lhe sugam a alma porque a dita é incorpórea; ou que só chegam a um ‘avaloir” razoável (e ai sempre se mostram tão bonzinhos e compreensivos…) se a música já for um sucesso inconteste.

 

Carlinhos parte deixando um bom presente de Natal para seu povo e sua cidade: o LP “Pobre menina rica”, com arranjos seus e do maestro Radamés Gnattali, e lançando pela primeira vez em disco duas cantoras novas, a fabulosa baiana Thelma Soares (artisticamente conhecida apenas como Thelma), que já goza de bastante prestígio nos meios da bossa nova e junto ao público de São Paulo, onde reside; e essa encantadora Dulce Nunes, mulher do pianista Bené Nunes, que é a grande revelação do ano. Dulcinha tem uma afinação perfeita, um lindo fraseado e sustentação, e se sua voz está às vezes um pouquinho presa, ponha-se isso à culpa de um natural nervosismo de estreante.

 

Quem já enfrentou um microfone pela primeira vez, sabendo que está sendo gravado, isto é: depois que aquela luz vermelha se acende, e se faz aquele silêncio maroto no estúdio, sabe perfeitamente o que quero dizer.

Thelma Soares

  

Carlos Lyra e Dulce Nunes

 

 

 

 

Também o maestro Moacir Santos aparece pela primeira vez como cantor, interpretando o “Samba da Carioca” com sua gostosa voz prenhe de gleba do nordeste, saborosa como uma manga cheia de sumo. Eu acho meio estranho Carlinhos ter dado o “Samba da Carioca” a um homem do norte para cantar, quando o ideal para o número, parece-me, teria sido Ciro Monteiro. Mas meu parceiro deve ter tido lá suas razões.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Esplêndido, como sempre, em sua faixa de “O pau-de-arara”, Catulo de Paula dá uma interpretação cheia de bossa à minha letra. Catulo, profissionalmente, é um dos mais completos artistas que temos, ademais de ser um compositor cujo reconhecimento pelo público ainda não veio na justa medida: mas isto é uma questão de tempo. E Carlinhos, mais fraco no samba “Sabe você?” está muito bem, e otimamente servido pela técnica, na valsa-serenata “Minha desventura”. Não entendo, de resto, porque meu amigo o excepcional técnico Lara Campos não empregou o mesmo recurso para a voz de Dulce Nunes, no sentido de trazê-la mais para um primeiro plano sonoro.

Mas as grandes “vedetes” do disco são as duas cantoras, ambas aparecendo pela primeira vez, Thelma dá do samba “Maria Moita” a melhor interpretação que já ouvi até agora. A baiana é fogo! E Dulcinha canta lindo em canções como “Primavera”, “Canção do amor que chegou” e, em dueto com Carlinhos, a valsa final.


Vocês poderão dizer que é parcialidade minha, como autor que sou da história e da letra de “Pobre menina rica”. Muito pelo contrário. Fui até contra a saída do disco tão cedo, “furando”, numa medida que parece ultrapassar o limite do conveniente, o espetáculo que pretendo montar, se tudo correr bem, para o IV Centenário do Rio de Janeiro. Mas uma vez que ele saiu, há que reconhecer a sua qualidade: qualidade que se deve, sobretudo, às lindas melodias de Carlos Lyra que neste momento, em Nova York, com Tom em Los Angeles e Baden Powell em Paris, luta pela divulgação de nossa música pela preservação do verdadeiro espírito de nossas canções.

 

Eia parceirinho! (Crônica de Vinicius de Moraes publicada no Diário Carioca, em 27 de março de 1964).


Como conta o poetinha: “nossa comedinha se passa num terreninho baldio carioca. Do lado do baldio tem um edifício e lá na cobertura mora a Pobre Menina Rica! E o terreninho é habitado por uma comunidade de mendigos. Na história de amor, a menina rica se apaixona por um mendigo. Você acha que as pessoas vão acreditar que uma menina rica se apaixone por um mendigo? Quem é que vai discutir com a cabeça de um poeta…


Para ouvir as musicas citadas e a trilha sonora do original do espetaculo clique AQUI.

Carlos Lyra completa hoje – 11 de maio de 2013 – 74 anos.

Luis Nassif

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