“Fora, coxinha”

 


Luiza de Souza: das marmitas para o pai à faculdade de Gastronomia
Foto: Mauro Ventura / Agência O GLOBO

 

Quem primeiro me falou de Luiza de Souza foi Daniel Brunet, da coluna do Ancelmo: “Sua coxinha me faz ir toda terça ao Bar da Gema.” Custa R$ 4 e só é vendida nas Terças Clássicas, dia dos petiscos mais tradicionais.

 

O bar, que participou ontem do Rio Gastronomia, no Jóquei, já foi elogiado por Juarez Becoza (“um clássico recém-nascido na Tijuca”), da coluna Pé-Sujo, do Rio Show, e por Pedro Landim (“unanimidade em relação à alta qualidade da cozinha”), do site Boca no Mundo.

 

Outro jornalista, Alvaro Costa e Silva, o Marechal, escreveu na “Folha” que a coxinha é “tão especial” que é servida apenas um dia por semana e é personificada: “Atende por coxinha da Luiza.” Alvaro citava Luiza por causa da gíria paulista que invadiu o Rio junto com os protestos de rua.

O coxinha, sinônimo de “engomadinho”, indica desde quem está na manifestação por oba-oba até quem grita “é sem partido”, “o gigante acordou”, “sem violência”, “chega de corrupção”.

 

Foi parar em cartaz: “Fora, coxinha.” Nascida em Brás de Pina há 48 anos, de família pobre, ela aos 10 já fazia marmita para o pai. Aos 17, aprendeu com uma tia a preparar salgados. Depois fez sucesso vendendo quentinha na Câmara do Rio. Até abrir em 2009 o bar com três ex-colegas de faculdade, Carlos Brasil, Carla Sartori, que já saíram, e Leandro Amaral.

 

Revista O GLOBO: Como você vê o atendimento no Rio?


Precário. Falta mão de obra, e a que tem é destreinada. Todo mundo no ramo sofre com isso. Você vê erro nos pedidos, desatenção. Tem garçom desligado de tudo, vendo jogo na TV, olhando para o teto, de costas, conversando com colega, às vezes até rindo sozinho da conversa da mesa.

O cliente não quer ficar com a mão para o alto. O dono tem que estar vigilante o tempo todo. E o treinamento tem que ser constante, mas há resistência.

Você oferece cursos e ouve: “Ai, vai ser que horas? É rápido? Não gosto de estudar.” Isso ocorre em todas as funções do estabelecimento. Tem que gostar de atender, de se relacionar.

O problema é que tem gente que está ali só pelo dinheiro. Na segunda passada, fui a um bar no Humaitá. Mesmo vazio, os quatro garçons estavam distraídos. A primeira coisa que meu pai me ensinou quando comecei foi: “Não interessa quanto você ganha, cumpra seu contrato de trabalho. Tenha comprometimento.”

 

Que outros problemas você enfrenta?


Por causa da cor (o sócio, Leandro, também é negro), não acreditam que somos os donos. Outro dia uma senhora disse: “Gostaria de falar com o dono ou o gerente.” Eu respondi: “Pode falar.” Ela ficou espantada.

No mesmo dia, um cliente que já vem aqui há um ano e meio comentou: “Os donos nunca aparecem, né?” Leandro disse: “Eles não saem daqui. Um sou eu, outro é ela.”

Teve gente que chegou a dizer, quando me apresentei: “Não, minha filha, você não entendeu, eu quero falar é com o dono.”

 

Como foi abrir o Bar da Gema?


No início, fomos muito questionados por amigos e ex-colegas de faculdade: “Cursaram Gastronomia e vão abrir um botequim?” É como se qualquer um pudesse fazer isso.

No mínimo teria que ser um self-service. Mas eventos como Rio Gastronomia e Comida di Buteco ajudaram a reduzir o preconceito contra botecos. Um rapaz até disse que quer fazer a festa de casamento aqui.

 

O que você acha da expressão “baixa gastronomia”?


Não gosto. A comida de botequim às vezes dá mais prazer do que a chamada alta gastronomia. Nosso cardápio é popular e tradicional, mas criativo. Tem as comidas mais simples, com uma boa apresentação, como o Doce Subsolo (vencedor do Comida di Buteco em 2011): tutu de feijão preto, com uma camada de couve, carne seca na manteiga e creme de aipim com laranja.

 

Se você visse o cartaz “Fora, coxinha” na rua o que ia achar?


Ia ficar meio braba. É uma gíria injusta. É um salgado tradicional e saboroso que ficou por um tempo afastado de botequim, mas está voltando, assim como jiló e ovo colorido. Minha coxinha tem a massa muito molinha e bem temperada. Leva leite, e não água.

E existe o ponto certo do cozimento do peito do frango, para ficar bem macio. Essa coxinha está dando o que falar. O (cantor e compositor) Gabriel da Muda diz que é a melhor do Rio.

Redação

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