O trem-bala, segundo o especialista espanhol

Do Brasilianas.org

Trem bala é viável, diz especialista

Por Bruno de Pierro e Lilian Milena

Se não existisse linha de alta velocidade no mundo, a primeira a ser construída deveria ser no Brasil, entre Rio de Janeiro e São Paulo. A afirmação é do especialista Andrés López Pita, da Universidade Politécnica da Catalunha. Considerado um dos responsáveis pela implantação do Trem de Alta Velocidade (TAV) na Espanha, Pita acredita que o Brasil tem todas as condições para executar a obra de alta velocidade e de deter, no futuro, tecnologia própria. 

Em entrevista ao Brasilianas.org, concedida por e-mail, o consultor técnico da EDPL – empresa que pretende investir no projeto do TAV Brasil – alertou, no entanto, que se deve efetuar um planejamento adequado do trajeto, dos serviços e também das localidades das estações. Segundo Pita, tanto o governo, quanto as empresas envolvidas, precisam considerar não só o potencial do transporte, mas também o desenvolvimento urbano que ocorrerá nos trechos intermediarios entre as duas principais cidades.

SobrSobre os possíveis riscos da obra, Pita recomenda que seja considerada a experiencia acumulada ao longo dos 40 anos desde a construção da primeira linha, no Japão. “A experiência tem mostrado seu enorme impacto no desenvolvimento econômico, tendo um papel de estruturar o território onde se localiza”, explica.

Contudo, cita o caso da Espanha, que, apesar de hoje possuir tecnologia própria, cometeu alguns erros no início, adotando uma tecnologia nova, definida pela União Européia, mas que não havia sido testada.

Confira a íntegra da entrevista:

Brasilianas.org – O Trem de Alta Velocidade está sendo discutido no Brasil há pelo menos 20 anos. Por que foi necessário tanto tempo para se definir o projeto aqui?

Andrés López Pita – Os estudos necessários para a construção e exploração de uma linha de alta velocidade atingem uma grande variedade de âmbitos. É preciso, portanto, tempo considerável para se alcançar o consenso suficiente. A partir dessa perspectiva, o caso brasileiro é análogo ao de outros países que dispõem de linhas de alta velocidade. Como referência, na Espanha, os primeiros estudos da linha Barcelona-Perpignan se iniciaram em 1985 e, hoje em dia, o projeto ainda se encontra na fase de construção. A previsão é de que a linha seja inaugurada em 2012.

BO – O senhor é consultor da EDLP, empresa que possui interesses no projeto brasileiro. Como se daria a atuação da EDLP no Brasil?

LP – Para que o projeto de uma linha progrida, é necessário um impulsor, um condutor desse projeto. Na Espanha, o projeto da nova linha Barcelona-Perpignan foi impulsionado por Ferrocarriles de La Generalitat de Catalunya (FGC) [Ferrovias da Generalitat da Catalunha], embora a responsabilidade da realização tenha sido do Estado espanhol. Sem a contribuição da FGC, dificilmente se teria levado a cabo a realização dessa linha. Neste contexto, Guilherme Quintella, controlador da EDLP, junto com ADTrem (Agência de Desenvolvimento de Trens rápidos entre Municípios) e a UIC (União Internacional de Ferrovias), está realizando um formidável trabalho de sensibilização e de difusão da construção da nova linha Rio de Janeiro-São Paulo, na sociedade brasileira. Fora isso, a EDPL está constituindo um fundo de investimento para explorar o TAV Brasil e suas atividades complementares e sinérgicas.

BO – O senhor desempenhou um papel importante para a instalação do TAV espanhol. Qual é o modelo adotado aí, e quais foram os principais problemas encontrados na implantação?

LP – Na minha opinião, transcorridos mais de 40 anos desde a chegada da alta velocidade ferroviária conhece-se muito bem as vantagens desse novo modo de transporte. Como consequência, sempre existirão grupos que se opõem a essa idéia. Na verdade, a introdução dessa tecnología deveria ocorrer em menor tempo, não fossem tais barreiras. A introdução dos serviços de alta velocidade, em todos os países, é precedida por vários obstáculos.

É razoável pensar que a incorporação de novas técnicas possa ser acompanhada, em geral, de uma certa prevenção do desconhecido. A chegada da alta velocidade na ferrovia não foi uma exceção a esta norma, em parte justificada pelos importantes recursos económicos que supõem a construção de novas infraestruturas ferroviárias. Em relação à primeira linha, entre Tokio e Osaka, as principais relutâncias à realização se derivam, esencialmente, de três fatores: 1) a ausencia de experiencia, no Japão, para exportar trens de alta velocidade em serviço comercial; 2) o elevado investimento necesséria para a construção, dada as dificuldades orográficas, o que obrigava a que 46% do trajeto passasse por viaduto ou túnel; 3) as dificuldades encontradas para garantir o financiamento, que foi obtido depois de se recorrer a um empréstimo do Banco Mundial.

Com relação à linha entre Paris e Lyon, a oposição a sua construção foi feita, entre outros, pelos seguintes organismos: DATAR (Delegation à l’amenagement du territoire et à l’action regionale); Câmaras de Comércio de Paris, Bourgogne e Dijon. Em particular, a Câmara de Comércio de Dijon defendia a construção do aerotrem. Cabe assinalar, também, que alguns dos próprios ministros do governo francês se opuseram ao trem-bala.

Por último, o caso espanhol. Algumas instancias políticas observaram, em 1987, que a ferrovia de alta velocidade de Madri a Barcelona, a 300km/h não era viável econômicamente e nem técnicamente.

BO – A engenharia utilizada nos trens é a mesma em todos os países? Houve algum fator inovador na Espanha?

LP – A Espanha não dispunha de tecnologia alguma para a alta velocidade, tivemos que recorrer aos países que já possuíam tecnologia, tanto de via e instalações, quanto de material. No primeiro âmbito, adotamos a tecnologia alemã e, depois, para as vantagens associadas ao segundo âmbito, a tecnologia francesa. Hoje, a Espanha possui tecnologia própria, para todas as etapas do proceso.

BO – No caso da linha que une Nagoya e Osaka, no Japão, houve praticamente a extinção da ponte aérea entre as duas cidades. Isto pode ocorrer entre Rio e São Paulo?

LP – Tenho dito que, se não existisse linha de alta velocidade no mundo, a primeira deveria ser construída entre Rio de Janeiro e São Paulo. Isso se deve tanto ao enorme potencial de demanda existente nesse corredor, como à distância que separa as duas metrópoles. Em distâncias em torno de 500Km, a ferrovia de alta velocidade desenvolve todo seu potencial. Se entre Paris e Lyon, ou entre Madrid e Sevilla, a quota de mercado do transporte ferroviário em relação ao avião é de 85 a 90%, por que não deveria suceder o mesmo no caso da linha brasileira? É preciso, para isso, efetuar um correto planejamento da linha, dos serviços e, desde logo, da localidade dos terminais ferroviários.

BO – Um dos objetivos do governo brasileiro é acelerar o desenvolvimento econômico das regiões entre Rio e São Paulo, importantes do ponto de vista estratégico e tecnológico. 

LP – A experiência alcançada com os mais de 12.000km de linha de alta velocidade que estão operando no mundo tem mostrado seu enorme impacto no desenvolvimento econômico, tendo um papel de estruturar o território onde se localiza. A este respeito, é de grande interesse analisar os resultados dos estudos realizados durante o comissionamento da alta velocidade Madrid-Valência, Espanha, feito poucos dias atrás. Vemos que não há porque duvidar que algo similar não acontecerá no Brasil.

Os estudos realizados em relação ao impacto sócio-econômico da linha Madri-Albacete-Valência mostram que, entre 2004 e 2016, somente em Madrid serão gerados 85 mil novos empregos e 5,200 milhões de euros de riqueza, enquanto se aumentará a produção em 13,200 milhões de euros.

BO – Menos de 5% dos estudos geológicos foram feitos ao longo do trajeto do TAV Brasil. No entanto, o governo estima que o custo total da obra será de R$ 33 bilhões, aproximadamente. Sem a totalidade desses estudos, é possível estimar o valor correto de uma obra como essa?

LP – É fato que a realização do maior número possível de estudos de reconhecimento geológico e geotécnicos proporciona uma maior confiabilidade na estimação dos custos de investimento de uma nova linha de alta velocidade. Mas não é menos certo que a experiência disponível por parte daqueles que levam a cabo um projeto desses, e o conhecimento do terreno que será executado, desempanham um papel essencial. Assim ocorre em todos os campos da engenharia, e na ferroviária em particular. Consequentemente, não se pode concluir que seja imprenscindível dispor de 100% dos estudos para se ter uma boa aproximação do valor que deve ser investido.

BO – Mediante as análises do projeto brasileiro, o senhor observa algum risco?

LP – Hoje, há uma ampla experiencia sobre a forma de se efetuar as previões de tráfico de passageiros que, previsivelmente, utilizarão uma linha de alta velocidade. Lembre-se que já se passaram 40 anos desde que se inaugurou a linha Tokio-Osaka. São, portanto, numerosas oportunidades para calibrar os beneficios dos modelos de previsão utilizados. Portanto, se se efetuam corretamente os estudos de demanda, o risco do projeto não vingar é muito reduzido.

Luis Nassif

1 Comentário

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  1. Trens regionais deve preceder o TAV segundo especialista francês

    O presidente da Alstom no Brasil, Philippe Delleur, afirmou que fazer trens regionais de média velocidade em São Paulo seria o caminho “mais seguro e curto” para o Brasil chegar ao trem-bala.

    Para ele, o problema está nas obras civis. As empreiteiras nacionais, disse, indicam que o valor dado pelo governo está subdimensionado. O projeto total está estimado pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) em R$ 33,1 bilhões, sendo cerca de R$ 28 bilhões (valores de dezembro de 2008) em obras e desapropriações.

    Delleur afirmou que as empresas já estão com dificuldades para conseguir recursos próprios, “equity”, para ingressar como sócias. E, caso a obra fique mais cara que o previsto, serão necessários mais recursos próprios ou financiamento. O BNDES pode financiar até R$ 20 bilhões.

    “Nossas conversas com investidores indicam que é muito difícil achar um valor tão grande de “equity” privado. Os investidores financeiros não vão colocar dinheiro se não houver um grande esclarecimento sobre o projeto. E, se o orçamento não é R$ 33 [bilhões], é R$ 50 [bilhões], aumenta o tamanho do problema a ser resolvido.”

    O tempo a mais até a nova data do leilão também será usado para fazer novos estudos sobre as conexões com outros sistemas de transportes, principalmente em São Paulo. Como é essencial que a linha de alta velocidade seja integrada, Delleur defende os trens regionais.
     

    Teste da demanda
    Pelos estudos, cerca de 70% da demanda do trem-bala virá de ligações entre as cidades paulistas. Por isso, diz, o ideal seria testar um sistema ferroviário nessas ligações, conhecer a demanda real e, só depois, passar para os trens de maior velocidade.

    “Grande parte da demanda não fica entre SP-RJ, mas em volta de São Paulo. O projeto deveria trazer resposta a essa demanda existente e, para isso, o regional pode ser rapidamente feito, em três a quatro anos, captar a demanda, estabilizar e usar esses recursos para continuar o projeto de alta velocidade.”

    O governo federal tem projetos para vinte e uma linhas regionais no Brasil.
    Os trens regionais têm velocidades máximas de 250 km/h, enquanto os de alta operam a até 350 km/h.

     Fonte:Folha de S.Paulo

    Concordo perfeitamente com a opinião do senhor. Delleur, quando especifica-se a prioridade de trens com velocidade de até 250 km/h que podem ser usados como trens regionais com alimentação em 3 kVcc e futuramente como trens TAV em linhas segregadas exclusivas com alimentação em 25 kVca em uma mesma composição, podendo ser de um ou preferencialmente os de dois andares (double decker) dos tipos com tecnologia pendular  Acela ou Superpendolino que possuem uma capacidade de trafegar em curvas de raios menores, pois possuem um sistema de compensação de estabilidade de até (8º) 8 graus, adaptando-se melhor as condições brasileiras com reaproveitamento de energia elétrica na frenagem  usando as mesmas composições para ambas especificações e padronizados em bitola de 1,6  m,  exatamente como é em SP, MG e RJ entre outras cidades principais brasileiras.

    Embora não existam no Brasil, estes modelos de trens são de tecnologia consagrada, e podem ser construídos no Brasil, pela maioria das  montadoras aqui existentes.

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