Setor elétrico: revisão pode reduzir investimentos

Revisão tarifária do setor elétrico

Especialista prevê queda de investimentos de distribuidoras caso não se pondere demanda de Copa e Olimpíadas

Por Bruno de Pierro, do Brasilianas.org

O próximo ciclo da revisão tarifária do setor elétrico, embora busque consolidar a modicidade dos preços repassados ao consumidor final, deverá ponderar os novos investimentos referentes à Copa do Mundo, em 2014, e às Olimpíadas, em 2016. Com a previsão de redução do custo ponderado de capital de 10% para 7,15%, muitas distribuidoras poderão sofrer redução de caixa, não conseguindo atingir um custo mais barato fixado pela Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica. Isso provocará queda nos investimentos, frente à enorme demanda, inibindo a competitividade no setor. A avaliação é de Ricardo Savoia, da consultoria Andrade & Canellas, em entrevista ao Brasilianas.org

Segundo Savoia, a demanda de grandes obras e o avanço das mudanças climáticas tem imposto ao setor grande necessidade de investimento, principalmente em infraestrutura. Mas, com a revisão e a busca pela modicidade tarifária, o que pode ser bom para o consumidor residencial, pode não ser para o grande consumidor, ou seja, a indústria.

“Por exemplo, quando faz o investimento, a empresa [distribuidora] tem aquele custo ponderado de capital de 7% aproximadamente. Se o custo é de 10%, aqueles 3% ela não consegue repassar para a tarifa. Então, eu, como empreendedor, vou fazer aquele investimento? Eu faço até o limite que eu posso repassar para a tarifa; o que eu não puder repassar, eu vou procurar não fazer investimento”, explica Savoia.

Hoje, o país conta com  64 distribuidoras. A partir de 2012, o sistema isolado de energia elétrica, localizado na região Norte, começará a ser interligado à rede nacional. A expectativa é que haja redução dos encargos setoriais, principalmente da CCC (Conta de Consumo de Combustível). A previsão é que a conexão se consolide após 2014. Entretanto, o consultor lembra que a interligação dos sistemas é algo já previsto no planejamento do novo modelo do setor elétrico brasileiro. Para ele, as medidas devem caminhar no sentido de abolir alguns encargos setoriais, para que se amplie a competição no setor.

Acompanhe as principais partes da entrevista.



Brasilianas.org – Quais mudanças serão provocadas após o terceiro ciclo de revisão tarifária?

Ricardo Savoia – Está havendo uma mudança na base de remuneração dos ativos, custos operacionais e no custo ponderado de capital (CPC). O CPC, no segundo ciclo, foi aproximadamente de 10% e, para o terceiro ciclo, a expectativa é de 7,15%, embora existisse uma expectativa de mercado que ficaria ao redor de 8%. Isso faz com que se inibam os investimentos no setor, porque você não consegue repassar todos os seus custos para a tarifa e, por conseqüência, a distribuidora acaba diminuindo os investimentos da rede.

Isso ocorreu nos ciclos anteriores?

Quando era feito o segundo ciclo de revisão, em algumas contas a distribuidora ganhava, em algumas outras perdia. Mediam-se as perdas e os ganhos, ao longo do realizado da distribuidora, e, nesses quatro anos, aqueles ganhos ela não repassava para o consumidor. Ela, a distribuidora, tinha um período para ajustar isso. Com o terceiro ciclo, eles estudam fazer alguns ajustes. Mas não tem esse ganho de eficiência, esse ganho de revisão tarifária que existia de um ciclo para o outro.

ANEEL está ajustando isso para repassar mais rapidamente os ganhos efetivos para o consumidor final. Na ótica do consumidor final, isso é interessante. Mas como o terceiro ciclo está vindo muito forte para a distribuidora, pela redução do investimento, e na outra ponta você tem todo um fator de mudanças climáticas, que provoca mais falhas no sistema (o que faz os equipamentos ficarem obsoletos), obviamente essas distribuidoras, em seus contratos de concessão, devem investir o mínimo necessário.

Mas para atender até a própria extensão da demanda, com Copa do Mundo, Olimpíadas etc., exige-se da distribuidora um maior esforço e reforço da rede em determinadas regiões, principalmente as grandes capitais, que vão atender a um grande número de pessoas que será acumulado nessa época.

Isso está diretamente ligado à perda da competitividade no setor?

Não. O que acontece é que, de alguma forma, esse terceiro ciclo reduziu a geração de caixa da empresa. Por outro lado, ela terá que fazer mais investimentos, para o futuro, mas aquele custo ponderado de capital de 7,15%, para distribuidoras pequenas, às vezes não tem como chegar a um custo tão barato como foi colocado pela ANEEL para o terceiro ciclo de revisão.

Talvez essas distribuidoras não consigam ter um custo de financiamento ao patamar de 7,15%. Elas tem um custo mais alto; e esse custo mais alto que elas eventualmente tenham, não conseguem repassar isso para a tarifa e para o consumidor final. Você tem uma perda de ganho com o que você não repassa, e isso gera uma redução, por parte da empresa, nos seus investimentos futuros.

Mas a ANEEL deve garantir a modicidade no preço da tarifa.

Isso, mas [o problemas] não é tanto pela modicidade, mas sim pelo terceiro ciclo especificamente. Por exemplo, quando faz o investimento, a empresa tem aquele custo ponderado de capital de 7%. Se o custo é de 10%, aqueles 3% ela não consegue repassar para a tarifa. Então, eu, como empreendedor, vou fazer aquele investimento? Eu faço até o limite que eu posso repassar para a tarifa; o que eu não puder repassar, eu vou procurar não fazer investimento. O novo ciclo, portanto, vai à contramão da demanda, pois ele gera uma redução no fluxo de caixa das distribuidoras.

No novo modelo do setor elétrico os ciclos temporários representam uma ferramenta importante para garantir a modicidade das tarifas. Você está dizendo, então, que essa ferramenta tem sido um obstáculo para as empresas?

A ANEEL está avaliando isso, mas tudo indica que ela fará um ajuste forte. Por parte da ANEEL, e este é o papel dela, ela irá promover a modicidade tarifária, procurando deixar uma margem adequada. Mas essa margem não pode ser tão expressiva e que afete o consumidor final. De alguma forma ela está conseguindo fazer isso. Ela está considerando os investimentos incrementais, a base de remuneração, está fazendo um banco de preços – um software que controla todo um banco de preços de referência, para colocar todos os ativos das distribuidoras num critério e na mesma base de comparação.

Mas algumas distribuidoras podem ser impactadas com isso, podendo até serem compradas por grandes grupos. A distribuidora perde a possibilidade de investir mais, porque ela não vai conseguir repassar os custos dela para o consumidor final, inibindo investimentos. Basta ver que, na última semana, a Eletropaulo foi fortemente bombardeada na mídia, porque não está conseguindo atender aos padrões de qualidade necessários para o consumidor final.

No ano passado, só com os encargos, foram arrecadados R$ 70 bilhões. Não foi suficiente?

Não é que não está sendo suficiente. O que aconteceu com a relação dos encargos setoriais? Se decompuser a tarifa, temos o fio, que é uma parcela que se paga para a distribuidora, por utilizar o uso da rede; outra parcela são os encargos setoriais, como CCC (Conta de Consumo de Combustível), PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas, RGR (Reserva Global de Reversão); e depois tem a parcela de energia, que é toda a conta de energia que a distribuidora faz (ela compra e repassa na revenda). Esses são os componentes da tarifa, e quando você os analisa, desde 2005 – quando da implementação do Marco Regulatório Energético -, observa que os encargos foram crescentes. E isso atrapalha a competitividade da indústria para produzir no mercado nacional.

De um lado, cobra-se para que se reduzam custos e fios, por parte das distribuidoras. Talvez esse terceiro ciclo acabe trazendo um impacto tão forte – de 30% a 40% de impacto na geração de caixa -, que poderia ser recompensado, de alguma maneira, reduzindo-se os encargos setoriais.

Isso pode chegar a ser um fator da desindustrialização?

Principalmente do setor eletrointensivo, em que o custo da energia é preponderante para a tomada de decisão, se vai construir determinado projeto ou não. Eventualmente, pode-se construir em alguns países vizinhos, onde você tem uma tarifa de energia mais barata, mesmo com a questão de logística. Acaba-se viabilizando a transferência daquela base industrial para outro país.

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador