Modelos, por Gustavo Gollo

Quem são os heróis, quem os vilões? A confusão decorre apenas da mentira. Conhecêssemos os fatos relevantes e nos postaríamos, quase todos, do mesmo lado.

Modelos, por Gustavo Gollo

O cinema, a TV e os meios de comunicação em geral vêm há muitas décadas delineando nossos sonhos e desejos, pintando tudo aquilo que almejamos.

As imagens que desejamos foram construídas exatamente com esse propósito, para que desejássemos ser do modo pintado por eles e apresentadas a nós.

Propaganda massiva é necessária para que continuemos a desejar os padrões propostos por tais veículos, que embora ridículos, nos parecem não só maravilhosos como únicos dignos de desejabilidade.

A tentativa de aquisição da imagem propagandeada resulta no modo de vida atual, desempenhado pelo grosso da população mundial. Caso buscássemos outros padrões, caso nos encantássemos com outros modelos, não só adquiríamos outras caras – outras imagens –, mas nos comportaríamos e viveríamos de outros modos.

A globalização exige que tenhamos todos a mesma cara, que desejemos, todos, os mesmos objetivos; fomos moldados como somos para satisfazer tais metas.

As pessoas nas imagens abaixo evidenciam terem sido muito menos influenciados por tal propaganda que a maioria de nós.

 

 

 

 

 

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Caso busquemos outros modelos, tendo-nos encantado por outros padrões, mudaremos automaticamente nosso modo de vida.

O modelo atual nos levou, entre outras coisas, a desejar possuir veículos absurdos dimensionados para transportar ungulados. Vemo-nos, no entanto, bem sucedidos, poderosos, ou seja lá que atributos desejáveis aplicamos à imagem de pessoas ao volante de tais máquinas. Tanto o exagero quanto a arrogância de tal feito me parecem francamente adequados à atribuição do rótulo “ridículo” a ele.

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Somos humanos, razão pela qual compartilhamos padrões intrinsecamente humanos, ainda que nossa humanidade nos torne enormemente plásticos e moldáveis, de modo que a propaganda é capaz de distorcer intensamente nossos desejos e padrões, tornando-nos quase irreconhecíveis. O distanciamento de nossa humanidade tende a gerar monstruosidades, transformando-nos em bestas. A distorção de nosso olhar, no entanto, conseguida através da propaganda massiva, pode fazer com que desejemos avidamente transformarmo-nos em tais monstros.

Embora sejamos extremamente plásticos, existem limites humanos ao que a propaganda pode fazer conosco.

Opressores

Um desses limites se manifesta em toda a ficção. É muito mais fácil criar heróis que lutem contra a opressão, que dirigir as simpatias de qualquer assistência aos opressores, criaturas odiosas. A causa disso é muito simples: trate-se de uma característica humana identificar-se com heróis libertadores e abominar opressores, de modo que toda vez que um opressor se revela enquanto tal, transforma-se automaticamente em vilão, tornado-se execrado por todos os que o percebem tal como ele é.

Trata-se assim de característica intrinsecamente humana admirar e louvar heróis, e execrar opressores, e mesmo toda a propaganda do mundo não foi capaz de inverter essa máxima, ou estaríamos louvando a própria opressão. De modo a enaltecer os opressores – e isso é feito o tempo todo –, é necessário apresentá-los disfarçadamente, sem que se revelem os atributos que os tornam opressores, nem as ações que os definem enquanto tais. Assim, opressores podem ser mostrados, por exemplo, como heróis românticos, criaturas extremamente desejáveis aos olhos do sexo oposto, apenas ocultando-se-lhes suas ações opressivas, cuja revelação lhes aviltaria. Desse modo, podem nos revelar, por exemplo, príncipes encantados, desde que apresentados sob imagens filtradas, pintados como criaturas bondosas e alheias a qualquer opressão.

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Tornou-se crença ubíqua, ao menos no ocidente, que compartilhamos, todos, um desejo universal pela riqueza e pelo poder. Só acreditamos nisso, no entanto, em decorrência da propaganda massiva e massacrante que nos tem moldado. Por que deveríamos desejar possuir mais bens que os que podemos usufruir? Por que razão um milhonário continuaria empenhando seu tempo e sua vida em adquirir mais e mais dinheiro que ele nuca conseguirá gastar, mas cuja busca obcecada consumirá seu tempo e sua vida?

Ludibriados pela propaganda, temos sido levados a crer que devemos desejar uma quantidade ilimitada de dinheiro e poder, insanidade que consideramos hoje absolutamente natural. Tomamos como modelo exatamente tais criaturas, imbuindo-nos dos mesmos desejos, tentando nos tornar como eles. Tanto a loucura quanto o ridículo de tal situação me parecem evidentes, uma vez expostas, não necessitando justificá-las.

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Conduzidos pela propaganda, no entanto, acabamos acreditando que tais absurdos desumanos estupidamente indignos e aviltantes – mantidos apenas enquanto o incessante proselitismo nos compele a isso –, constituam os desejos mais naturais que qualquer pessoa possa ter.

As imagens ostentadas pelos poderosos e vendidas a todos como modelos a serem almejados, um dia parecerão ridículas como todos os análogos de outrora, bastando para isso o cessamento de sua propaganda.

A sociedade produtora de lixo nos faz acreditar, acima de qualquer dúvida, por exemplo, que roupas novas nos tornem mais belos, atraentes, ou que nos acrescentem atributos desejáveis, em geral, enquanto roupas velhas e gastas não possam fazer o mesmo. Uns podem mesmo ser levados a acreditar ser aviltante usar a mesma roupa mais de uma vez. Convicções desse tipo são impingidas em muitas mentes obrigando-as a esforçar-se por fazer sua imagem divergir da associada à pessoa comum, ostentando riqueza através do esbanjamento – se todos tivessem recursos suficientes para jogar fora suas roupas usadas apenas uma vez, não haveria mais “razão” para se fazer isso.

Poderíamos nos orgulhar de possuir objetos antigos e usados que atestam sermos pessoas cuidadosas. Pareceria sensato termos orgulho de possuir um carro antigo, tendo-o mantido em bom estado por longo tempo, assim como roupas e sapatos usados revelar-nos-iam zelosos e hábeis. Somos induzidos pela propaganda incessante, no entanto, a almejar a patética imagem de ostentação e esbanjamento que ilustra os poderosos contemporâneos, autênticos lixeiros*.

* (A palavra “lixeiro” deveria significar “aquele que produz lixo”. O dicionário contemporâneo, no entanto, poupa-nos do que seria a genuína associação do lixo aos que o geram, atribuindo, paradoxalmente, a palavra aos que se encarregam da limpeza, através de uma distorção linguística bastante bizarra.)

Os heróis

Não é preciso que nos informem, nos filmes, quem são os mocinhos, quem são os vilões, nem por quem devemos torcer. Os heróis lutam pela libertação, torcemos por eles. Os vilões são opressores, causam sofrimento e geram nossa repulsa.

A crítica a essa visão, rotulada maniqueísta, é tão antiga que se tornou clichê, assim como a acusação de ingenuidade lançada a ela. A radicalização imposta pelas redes sociais, no entanto, polarizou o país de uma forma tal que nos encontramos em meio a um grande conflito cuja descrição se conforma à do maniqueísmo, postando antagonistas de um lado e de outro, sem a mediação de contingente neutro entre eles.

Penso ser tão óbvia a comparação quanto a determinação dos papéis representados por cada um dos lados. A divisão do país, no entanto, conseguida através de longa e intensa campanha publicitária, evidencia a confusão reinante, que faz com que ambos os lados pleiteiem os papéis de mocinhos, atribuindo ao lado oposto o de vilão.

Quem são os heróis, quem os vilões? A confusão decorre apenas da mentira. Conhecêssemos os fatos relevantes e nos postaríamos, quase todos, do mesmo lado. Mas, estando todos imersos no mesmo imbróglio, como saber quem mente?

Talvez as críticas ao maniqueísmo sejam determinantes e todos nós tenhamos algo de mocinho e algo de bandido. A hipótese – ou constatação –, não invalida outra, a de que, conhecendo os fatos, identificamos bandidos e mocinhos através de nossos sentimentos, e que, por humanidade, nos postamos ao lado dos que sofrem, torcendo contra os opressores que lhes causam o sofrimento, embora, por vezes, possamos nos deixar levar pelo ódio e clamar pela opressão, torcendo, eventualmente, pelo massacre de pessoas que não conhecemos. Creio que os sentimentos que nos embalam sejam nitidamente reconhecíveis quando assim polarizados, e consigamos reconhecer claramente se estamos ao lado dos bandidos ou dos mocinhos através de sua análise.

Creio, assim, que bastará olharmos para fotos de eventos que estão a ocorrer por todo o planeta para descobrir se estamos do lado dos mocinhos ou dos bandidos.

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Gustavo Gollo é multicientista, multiartista, filósofo e profeta

Redação

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