Conexões – espiritualidade, política e educação - Dora Incontri
Dora Incontri é paulistana, nascida em 1962. Jornalista, educadora e escritora
[email protected]

A esquerda dividida sempre será vencida! Por Dora Incontri

A questão é que todas essas diferenças – que podem até ser profundas – deveriam se diluir, ou ao menos serem temporariamente deixadas para depois – diante da situação trágica em que nos encontramos.

Tug of war, isolated on white

A esquerda dividida sempre será vencida! Por Dora Incontri

Assistimos a um quadro estarrecedor no Brasil: um (des)governo genocida, que permite impassível mais de 110 mil mortes, há 100 dias sem ministro da saúde; um (des)governo contra pobres, estudantes, negros e indígenas; que arrasa a educação e as matas – e esse horror não conseguiu unir a esquerda numa frente ampla e única, para se opor a tantas barbaridades.

Entenda-se, entretanto, o que é a esquerda (hoje é preciso explicar tudo detalhadamente, porque conceitos fundamentais e óbvios estão ofuscados pelas máquinas de fakenews e pelo analfabetismo político do povo). Esquerda é qualquer posição que genericamente se opõe ao status quo, que busca uma mudança estrutural da sociedade, para maior justiça social, igualdade e bem-estar de todos os seus membros. Pode ser uma esquerda que queira mais Estado ou um pouco menos Estado, ou não queira Estado nenhum (como é o caso do anarquismo). Pode ser uma esquerda reformista ou revolucionária. Uma esquerda que acha um caminho viável a implantação de mudanças através de ocupação do poder na democracia liberal; ou uma esquerda que renega totalmente o jogo político e só acredite numa derrubada do poder ou numa autogestão política e econômica dos atores sociais.

Pode ser ainda uma esquerda que rejeite qualquer expressão de religiosidade, num ateísmo radical ou uma esquerda, que embora critique as hierarquias e instituições religiosas que oprimem o indivíduo, aceita que a espiritualidade possa ser progressista e aliada de uma transformação social. E ainda há uma esquerda que se foca nas questões identitárias (anti-racista, feminista, pelos direitos dos LGTBs) e outra que não considera que isso seja o prioritário agora – que depois das profundas e necessárias mudanças de estruturas da sociedade, essas questões serão resolvidas. Os primeiros argumentam que só se essas pautas forem incluídas prioritariamente, haverá de fato uma transformação radical das estruturas sociais.

A questão é que todas essas diferenças – que podem até ser profundas – deveriam se diluir, ou ao menos serem temporariamente deixadas para depois – diante da situação trágica em que nos encontramos.

Pessoalmente, me denomino espírita, anarquista, numa esquerda que não acredita na democracia liberal, mas considero possível, necessário e mesmo urgente, nos reunirmos em torno de uma frente forte para nos opormos ao (des)governo atual.

A popularidade do dito cujo – recuso-me a escrever seu nome – aumentou! Pasmem! Então, estamos ameaçados ainda de ele se reeleger em 2022. E o que estão fazendo os partidos de esquerda e de centro-esquerda? Cada qual preocupado com as eleiçõezinhas de prefeitos e vereadores… em campanhas isoladas, tendo inclusive nesse nível municipal, muito poucos se reunido em torno de uma liderança mais certeira.

Por isso, considero a democracia um sistema tão pernicioso (embora no momento não haja outro melhor) e por isso sou anarquista. O poder atrai, mexe com os egos – no mundo ainda, majoritariamente com egos masculinos, que são mais complicados ainda – e as pessoas vão perdendo de vista o bem comum, as urgências do momento, as estratégias possíveis para que um fim seja atingido – nesse caso a oposição ferrenha a esse governo, a luta pela sua retirada, uma boa, eficiente e ampla comunicação com o povo, a perspectiva da próxima eleição, aliás a preocupação mesmo para que essa eleição se fato haja…

Então, vamos indo de vento em popa para o abismo… não há lideranças brasileiras suficientemente desapegadas do próprio umbigo, das próprias demandas, interesses e particularidades partidárias, para num momento grave como esse, deixar vaidades e mesmo alguns princípios que podem ser retomados depois, para frear o Brasil no caminho do caos. Aliás, estamos exatamente nessa situação em parte porque já não houve essa união da esquerda antes das eleições de 18. Enquanto os egos e os dogmas políticos forem maiores que as vidas de 110 mil brasileiros, esquerda e direita são responsáveis por essas mortes. Somos todos responsáveis.

 

Conexões – espiritualidade, política e educação - Dora Incontri

Dora Incontri é paulistana, nascida em 1962. Jornalista, educadora e escritora

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Não é contraditório se opor a existência do Estado e estar aqui propondo estratégias de como chegar às instituições deste para governa-lo ? Numa sociedade complexa como a nossa tem como prescindir do papel do Estado na organização social? Anarquismo platônico?
    Um ponto difícil e essa tal frente que já foi ensaiada. Não há como juntar os objetivos pessoais de Ciro Gomes com os objetivos coletivos da maioria dos partidos de esquerda. Confiar nele para qualquer coisa é correr o risco de ficar chupando o dedo. Foi por causa de concessões que chegamos a esse estado de coisas. Deve haver um projeto político das esquerdas em torno de uma pauta inegociável como a questão ambiental e desigualdade social que as legendas de aluguel possam aderir sem nada em troca ou é melhor a esquerda continuar fiel aos objetivos da participação e benefício de todos.

  2. Não acho nenhum pouco contraditório “se opor a existência do Estado e estar aqui propondo estratégias de como chegar às instituições deste para governa-lo”. Como a autora menciona no texto, isso é o que temos para agora. É o possível. Chegar na anarquia é um projeto a ser construído pelos próximos séculos. Autogestão com responsabilidade e senso de comunidade é um alvo, mas não será alcançado enquanto – além de FALAR sobre coletividade – passemos a AGIR com mais amor e preocupação com os outros…
    Seguimos cegos achando que a vida política do país nada tem a ver com nossas escolhas individuais. Falamos de um estado mais igualitário, mas na esfera individual tratamos mal todos que consideramos “abaixo” de nós. Esses campos não estão separados. Se quisermos mudança na esfera macro, é preciso mudar concomitantemente a esfera micro. A mudança política passa pela mudança na minha cozinha. As coisas não estão separadas.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador