A propriedade privada do mal, por Cristiane Alves

A propriedade privada do mal

por Cristiane Alves

Estes têm sido tempos bélicos. Pessoas digladiam pelo direito ao lugar mais destacado da fala. Fizeram direitinho a lição de casa os liberais e os seus livros de auto ajuda. Nunca se foi tão auto tudo. O individualismo é o mote da atualidade. Tudo pertence a mim, porque eu sou quem, de fato, importa. Nessa apropriação de “tudo” cabe o imposto pago, a decisão de como, onde e com quem se deve investí-lo; a felicidade, a infelicidade, e até o mal. 

É possível ver uma luta pela apropriação do mal. O sofrimento individual é dissociado do coletivo, o bem estar social não é importante para a geração da satisfação pessoal. Toda angústia alheia não me pertence e minha insatisfação é tão minha que posso curar com remédios.

O racismo tem cor, a machismo tem gênero, o nazismo só pertence a um grupo, a escravidão tem justificativa e os afetados precisam assumir seus malefícios em privê. Absurdo dizer que homem sofre machismo, feminismo defendido por homem é absurdo. Mobilização contra racismo é só para negros, dizer que lideres religiosos têm manifestado comportamento nazista causa repulsa em judeus, repulsa essa arvorada de uma dor “nunca vivenciada por outros”.

Em humanas dizemos que um fato histórico não se repete, embora sua verve não se estagne em um tempo ou espaço. Assim o nazismo não pode ser entendido como tal fora de seu contexto histórico/espacial original. Mas as causas que permitiram sua gênese não podem ser demarcadas no tempo ou segregadas a um espaço. Nem toda intolerância é nazismo, mas foi nela que ele se aninhou para acordar forte e robusto. É na intolerância que se explica todo fascismo, toda maldade, todo ódio ao diverso. Apenas para ilustrar, tome-se as firmações abaixo, retiradas de um comentário em uma postagem sobre racismo:

“I n c o e r ê n c i a. Dá pra dizer que uma pessoa tem “beleza exótica” quando ela se porta tipo um David Bowie da vida.

Plus: existem milhares de páginas com racismo reverso, com imagens de pessoas com faixas “me trocaram por uma branca”, isso é equidade e justiça social ou dar direito de opressão reversa? Sério, essa guerra cultural é uma piada de mau gosto!”

Em resposta julguei pertinente dizer sobre a privatização do ódio: “Entendi. Suponhamos que você entenda de racismo, que é um pouco mais que preconceito, envolve uma ação coletiva, construída e alicerçada sobre a subjugação de uma raça sobre outra. Suponhamos que exista racismo reverso (não algumas pessoas usando das mesmas armas que uma imensa maioria usa para depreciar muita gente, todos os dias), agora me diga, o motivo de você tentar desqualificar uma luta. Por que você está questionando uma lei que protege uma população que está historicamente sendo escanteada de tudo que seja positivo (e que não é vetado a brancos)?

Se existe racismo reverso não precisamos brigar (juro que nenhum negro quer monopólio sobre o racismo alheio), denuncie, se organize. Seja o precursor do movimento branco, na luta pela igualdade racial e pelo fim da opressão negra. Lute por salários equiparados, onde os negros deixem de ganhar mais fazendo as mesmas atividades. Grite para ter mais espaço nas mídias, vocês não são só 1%. Não aceita ter seu curriculum descartado, seu serviço cancelado, seu filho zoado na escola, por ser branco. Olha, acho justo que você erga a bandeira por mais espaço para o branco na história, mostra pro teu filho que os deuses nórdicos não são piores que os conhecidos, cultuados e reverenciados deuses africanos.

Grita pro cotista que a universidade precisa de mais brancos, que é horrível entrar em uma aula e se sentir um ET.

Vai na tv pedir pra ser seguido nas lojas só porque tá fazendo pesquisa de preço. Junta um grupo aguerrido, como você e pede pra colocar o nome dos negros que deixaram os brancos levarem a culpa pela escravidão no Brasil. Vai lá. Eu te apoio daqui.”

Cabe questionar, a quem serve o monopólio do ódio?

 

Cristiane Alves

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