As Olimpíadas e a boca grande da alta cúpula da crítica online, por Matê da Luz

por Matê da Luz

Semana passada me deparei com uma notícia que dava conta da exclusão de religiões de origem africanas no atendimento ecumênico ofertado durante as Olimpíadas no Rio de Janeiro. Dei conta da informação pelo Facebook e, crica que sou, antes de sair compartilhando – porque além de crica, eu sou umbandista e a notícia, a princípio, me fez sentir excluída e, de certa forma, ofendida – resolvi checar o conteúdo. 

CHECAR O CONTEÚDO ANTES DE COMPARTILHAR. Melhor: checar o conteúdo antes de compartilhar gongando, criticando e despejando minhas sensações individuais ali, só “porque o post é meu, eu falo o que eu quiser”. Deveria ser exercício constante, direito e que daí sim favorece seus leitores (que são só amigos que curtem e compartilham, veja bem, mas a importância que a gente dá pra cada interação online deste tipo é assustadoramente relevante). 

Por sorte, tenho um amigo que está envolvido na organização de comunicação das Olimpíadas e, na lata, mandei um “rapaz, o que é isso agora?”, recebendo, de bate pronto, um retorno que diz que a reunião religiosa nas Olimpíadas acontece sob demanda, ou seja: os atletas preenchem um extenso cadastro e, ali, sinalizam suas preferências religiosas. A organização, com base nestes dados, então, ordena a agenda. O que aconteceu é que ninguém sinalizou que é da umbanda ou do candomblé e, somente por esta razão, não estão disponíveis sacerdotes destas religiões. 

Só que a gente sai gritando, esbaforido, que nossa religião sofre preconceito num país originalmente negro, culturalmente mandigueiro. Percebe o erro? Além de passar notícia faltando um pedaço, os próprios praticantes destes cultos acabam por reforçar o ambiente de preconceito e revolta. 

Existe preconceito e revolta contra as religiões de origem afro? Sim, e muito. E é feio, violento e perigoso – meninas sendo atacadas porque estão paramentadas, templos sendo queimados (olá, inquisição, você por aqui de novo?) e fios de contas escondidos pra evitar apontamentos. É urgente e necessário que este preconceito e revolta sejam finalmente deixados de lado? Sim, e muito. Se ninguém queima igrejas católicas por não seguirem preceitos comuns à religião que aquele alguém pratica, por que raios esta encanação com a umbanda e candomblé? 

Ouso opinar que, na crença dos desavisados, a manipulação de energias negras faz parte destes contextos religiosos, muito mais do que em outros – o que é, de certa forma, verdade. Na umbanda e candomblé são respeitadas as energias de esquerda, aquelas que estão “do outro lado”, e isso acontece com maior frequência e transparência aos consulentes e frequentadores destas casas do que em outras paróquias. Mas sabe porquê? Porque a umbanda e o candomblé pregam o respeito a todos e a caminhada em direção ao equilíbrio e, todos sabemos, no fundo, no fundo, que equilíbrio é o que se encontra no meio, entre a esquerda e a direita. Estas energias são chamadas de negras equivocadamente em relação à oposição da Luz: se quiser se aprofundar um pouco mais no tema, sugiro a leitura de um romance delicioso chamado O Guardião da Meia Noite. Vê lá se eles trabalham para o mal e depois me conta o que achou – mas só depois da leitura, com argumentos que passem longe do “minha crença é que…”. Gosto de discutir religião com quem não assume que tem uma e quer contaminar o amiguinho com práticas exclusivas, mas sim com aqueles que enxergam além da doutrina e acabam por trocar informações e, quem sabe, um tanto de respeito. 

Mas eis que nós, umbandistas e praticantes do candomblé já estamos tão acostumados a sofrer retaliações que saímos postando no estilo “a melhor defesa é o ataque” e disseminando mais preconceito e exclusão que, ao invés de fortalecer e encorajar, enfraquece e detona ainda mais a imagem destas religiões tão incríveis pra quem quer. 

Vale a discussão, sempre vale. Mas, neste caso, acredito que a pergunta seja: será que dentre tantos atletas nenhum sequer pratica a umbanda ou o candomblé? Ou será que estes, também acostumados a exclusão e ataques pejorativos, se escondem na hora de assinalar o Xzinho ali, na lata? Defendo que quanto mais a gente se esconder, mais será tratado como escondido – e é esteo único absurdo que acho que ainda acontece, não só nas Olimpíadas, mas o tempo todo. 

Liberdade de expressão é também um ato de coragem de quem quer se expressar. 

Mariana A. Nassif

3 Comentários

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  1. Pior é o prefeito do Rio Eduardo Paes…

    No final do mandato de oito anos dando discursos covardes sobre a Olimpíada. 

    Uns dos problemas dos brasileiros é crescer e depois se acovardar…

  2. Não importa Matê, está

    Não importa Matê, está faltando religião Afro . . . . . Ninguem pediu o Cristo Redentor, e ele está lá . . . . .

  3. Experiência pessoal

          Como sou da religião e faz tempo, uns 35 anos, tive mais preconceito aqui no Brasil ( mesmo me identificando como “espirita ” ou “umbandista”, mais recentemente ), do que na Europa ou em certas regiões dos Estados Unidos, outro local estranho relativo ao preconceito contra religiões afro, é incrivel, foi em Angola, Nigéria e Namibia..

           E a instituição que determina as confissões religiosas diretamente ligadas a Olimpiada, é parte do “Caderno de Encargos do COI “, e como afirmou seu conhecido, baseada em pesquisas com as delegações e atletas.

            É assunto que da “rolo” em todas as Olimpiadas, como em Londres em relação a grandes comunidades sikhs, e paquistaneses locais, e  a paises de fé xiita , em Pequim a maior “marola” foi  a não presença de representantes budistas ligados ao Dalai Lama, mas somente ao Panchem Lama.

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