Centros espiritualistas não devem ser quartéis, por Marcos de Aguiar Villas-Bôas

Centros espiritualistas não devem ser quartéis

por Marcos de Aguiar Villas-Bôas

Há infinitas formas de desenhar as relações humanas. Criou-se uma ilusão na Terra de que as relações de liderança precisam ser necessariamente duras para que haja respeito e eficiência em um determinado trabalho. A dureza, contudo, termina afastando os indivíduos e recai, não raro, em agressividade, exposição do outro e em outros comportamentos que beiram o autoritarismo.

Centros espiritualistas não devem se tornar quartéis militares. Aliás, nem os próprios quartéis deveriam ser como muitos são. O tratamento objetivando tornar o militar preparado para qualquer tipo de dor física ou emocional termina ressaltando muito mais o seu lado animal e, consequentemente, não são incomuns acontecerem abusos gravíssimos como aqueles que comprovadamente ocorriam na prisão militar americana de Guantánamo, localizada em Cuba, que está para ser fechada há anos. 

Pensa-se que a dureza, a rispidez, é a única forma de não perder o controle, o que já denota medo naquele que ocupa a posição de líder. O medo é o oposto do amor, sendo o maior alimento das sombras e daqueles irmãos desencarnados e encarnados que agem de forma ignorante tentando prejudicar os trabalhos da luz.

As relações humanas de liderança ainda são muito verticais, enquanto que a espiritualidade superior fala de relações muito mais horizontais. Aquele que tem mais preparo para uma atividade conduz os demais, enquanto que, no momento seguinte, outro pode ser o condutor. Um pode ser mestre do outro a depender de qual o fim a ser atingido, pois todos são mestres em seus respectivos talentos. 

Muitos centros espiritualistas, de todas as vertentes, como espíritas, umbandistas, universalistas e assim por diante, têm as suas relações pautadas na verticalidade e na dureza. Com frequência, pensa-se que, por ser um trabalho com desencarnados, é algo excessivamente sério, sisudo, e que é preciso haver uma cobrança excessiva, uma obsessão pelo acerto e por resolver as coisas rapidamente, quando, na verdade, ninguém conhece os seus próprios carmas, nem muito menos os dos outros, então não sabe por quanto tempo cada um precisa passar por cada situação.    

Sob essa ótica, é comum que alguém seja exposto perante os demais colegas, duramente criticado, para se sentir constrangido e não fazer mais aquilo, ou para que o líder ponha para fora seu rancor por algo não sair da forma como ele queria, ou ainda até mesmo para que o líder ponha para fora outras emoções negativas que estavam dentro dele e não tinham nada a ver com o trabalho.

Esse excesso de dureza está muitas vezes relacionado com a falta de energia feminina, que emana vibrações de doçura, silêncio, leveza e criatividade. A sociedade atual tem muita energia masculina, que está mais ligada à razão, ao externo e à firmeza. Os homens heterossexuais já querem ser machões por motivos específicos. As mulheres, muitas vezes querendo se igualar aos homens, terminam se tornando energeticamente masculinas demais, perdendo sua doçura e leveza. Esse tema será tratado com mais cuidado quando abordarmos a lei hermética do gênero no próximo texto a ser publicado neste blog. 

A energia que conecta o cosmo é a do amor puro e incondicional. A consciência suprema é esse amor. Quanto mais se caminha para longe disso, menos dentro da luz se está. A relação de autoridade, que impõe o medo de errar de novo, que é dura regularmente para mostrar que ali não há espaço para erro, deixa os trabalhadores inseguros e cria barreiras entre eles e o líder, quando não gera barreiras entre eles mesmos, porque esse tipo de líder adora comparar os trabalhadores e, mesmo que inconscientemente, termina estimulando competições entre eles. A energia masculina, quando desequilibrada, é muito comparativa e competitiva, ou seja, é frequentemente desagregadora. 

Como todos erram e não devem se sentir culpados por isso, ao se tratar duramente alguém, ou ao ser duro com frequência, o líder não colabora para que o trabalhador possa ter consciência disso. Incute-se na cabeça dos trabalhadores que o erro é um problema, mas problemas não existem. Cada um faz o melhor que pode em cada momento. Por não entenderem isso e pela fraqueza moral de alguns trabalhadores, não é raro ver dirigentes sendo alvos de trabalhos de magia negativa de seus próprios colaboradores. 

Não se quer dizer que não se possa cobrar o cumprimento das regras, esforço e assim por diante, mas todo objetivo traçado comporta, em regra, infinitas formas de atingi-lo. Um mesmo fim pode tentar ser alcançado com diferentes vibrações, que serão traduzidas em comportamentos muito variados.

Essa é mais uma dualidade a ser superada. Pensa-se o seguinte: ou há dureza no trato, ou não haverá eficiência. Quase sempre, essa dureza já estava dentro do próprio líder e é um dos aspectos que ele veio trabalhar nesta encarnação. Mesmo trabalhando em centros espiritualistas, as pessoas ainda esquecem com frequência que tudo aqui neste planeta, nesta fase, é prova, é oportunidade de aprendizado.

O levar a sério demais as coisas, o querer fazer “O” melhor trabalho, que leva a toda essa dureza, imposição de medo, cobranças ríspidas etc., é apenas manifestação do ego, que se sente inseguro, com receio de errar, de que as coisas não saiam da melhor forma possível, como se fosse preciso todo esse perfeccionismo, que apenas deixa todos tensos.

O perfeccionismo é manifestação do ego. O consciente e equilibrado apenas vive. Aquele que busca demais fazer tudo certo, como se soubesse realmente o que é certo, se é que existe um único certo, está apenas querendo mostrar aos outros sua competência ou se sentir mais seguro em relação à missão que lhe foi dada. É medo de falhar. Mais uma vez, é sentimento que se afasta do amor.

Uma relação de liderança pautada no amor não significa, no entanto, sentimentalismo. Não quer dizer que os trabalhadores precisarão ser mimados. Há também muita confusão ainda na Terra a respeito do que é amor. Exagera-se às vezes nos abraços, ainda que eles sejam muito bem vindos quando dados com naturalidade; exagera-se nas palavras, nos gestos etc.

Isso é natural em consciências duais. Ao se decidir agir com amor, exagera-se nas manifestações, que muitas vezes terminam sendo mais um desejo do ego de mostrar que é amoroso do que propriamente o amor sentido profundamente. O mesmo que abraça, que acaricia e que usa palavras doces vira uma fera no primeiro segundo em que o outro parece não retribuir ou que fala algo capaz de ferir seu orgulho frágil.

Ao se adoçar excessivamente as palavras para parecer amoroso e ao realizar uma porção de outras atividades com esse fim, muitos deixam de ser eles mesmos. Amor é mais empatia do que simpatia. Cada ser humano é único e especial. Ele tem uma bagagem espiritual e traz energias específicas para desenvolver suas tarefas na encarnação. Temos repetido muito neste blog que é um equívoco grave tentar ser outra coisa que não se é. 

Isso não quer dizer que não se possa buscar melhorar e que realizar alguns comportamentos na direção que almeja seja até positivo no sentido de ir tornando isso natural, ou seja, a pessoa tanto age de uma forma sem naturalidade que, em um dado momento, termina agindo com naturalidade. Ela passa, como se diz na Programação Neurolinguística (PNL), da competência consciente para a competência inconsciente, quando se faz algo bem com naturalidade por já estar internalizado. Ela imita tanto o modelo que quer se tornar (modelagem) que isso vira verdade. 

O amor traz um estado de paz, que remete muito ao silêncio, e não aos atos de pieguismo. Quando verificadas as vidas dos maiores mestres da história humana, nota-se que eles mais meditavam e ficavam em silêncio do que saíam por aí tentando parecer amorosos. Essa energia era manifestada pontualmente em cada gesto, em cada olhar, em cada escolha, mas era tão natural quanto o respirar.

O amor é sereno, tranquilo, paciente, tolerante. Quando alguém não é dado, não manifesta o tempo todo atitudes que são entendidas como amorosas na concepção humana mais sentimentalista, pensa-se que ela não ama. Fosse assim, apenas os abraçadores expansivos seriam amorosos.

O mais curioso é que quem acha que é puro amor, às vezes, ainda acusa o outro e diz: “você precisa amar mais”, “você esqueceu o que é o amor”. E alguém que ama diz isso a outrem? É curioso como a inconsciência humana não lhe permite ver o quanto o amor e outras energias são distorcidas pelo ego. Querer transformar outrem com palavras duras é algo que passa muito longe do amor.

Primeiramente, ninguém transforma, nem conscientiza o outro. Transformação e conscientização são atividades que apenas podem vir de dentro do ser. O máximo que se pode fazer é sensibilizar, é ceder ajuda para que alguém possa ter um lapso de consciência em relação a algo que não consegue ver ainda ou que vê, mas não acha importante aperfeiçoar.

Os estudos mais avançados sobre terapia, inclusive, questionam se terapeutas curam mesmo alguém ou se são apenas facilitadores da cura. Um cirurgião, que age diretamente sobre o corpo físico, pode realizar uma cura mais claramente, ainda que o paciente seja responsável pela sua recuperação pós-cirúrgica. Um médico que prescreve remédios, por outro lado, é muito mais um consultor do que um curandeiro direto. Talvez a palavra coach (treinador) seja realmente mais apropriada do que terapeuta. 

É importante ter consciência disso, pois o ego quer que os indivíduos se sintam heróis, aqueles que irão curar o máximo de pessoas e que, por isso, têm o direito de sair maltratando os outros com o objetivo de conscientizá-los e transformá-los. Enquanto aquela pessoa não for curada, ele não se torna herói, e isso não é interessante para o ego. Nesse processo, o ego herói quer, inclusive, transformar o outro para aquilo que irá lhe agradar mais, como se fosse realmente capaz de saber o que é melhor ou pior para ele. Então, o carente vai acusar o outro de falta de amor porque faz questão de receber atenção, abraços e carícias. 

A efetividade dessa ajuda nos centros espiritualistas, todavia, certamente será menor se houver críticas, palavras duras, exposição alheia e assim por diante. Tudo isso é imediatismo. Querer que o outro mude é querer servir ao próprio ego, ou seja, é querer levá-lo para um estado em que aquela própria pessoa se sentirá melhor. Isso não é amor, mas sim egoísmo. O amor é aceitação de cada um como é, mas, quando requerida a ajuda, não nega uma palavra de carinho que possa sensibilizar o outro sobre algo que não vê. É claro que situações excepcionais podem haver em que o indivíduo precisa de uma chacoalhada, de um tom mais firme, o que não precisa ser feito necessariamente em público e pode ter um pedido de desculpas amoroso logo em seguida. 

O trabalhador de casa espiritualistas, assim como e principalmente aqueles que olham de fora, costumam ter a ilusão de que os trabalhadores não são os principais assistidos ali. É preciso ter consciência de que, ao trabalhar numa casa assim, o primeiro ajudado é quem ali labuta, pois terá contato mais frequente com os espíritos. Muitas vezes, ele é quem mais precisa, mas, por ter pouca consciência, julga já ser evoluído e ter o papel de fazer os outros se tornarem evoluídos como ele. Mais uma crença limitante.

Aqueles que trabalham em casas espiritualistas não o fazem porque estão prontos. Apenas o fazem porque chegou o momento segundo seu programa encarnatório. Há espíritos elevadíssimos fazendo muito mais por aí fora de casas espiritualistas e há inúmeras pessoas desequilibradas trabalhando nessas casas, sobretudo quando se trata de locais religiosos e há mais dogmatismo. 

Por conta disso, mesmo os assistidos nos trabalhos são alvos, com frequência, de aspereza. Pessoas muitas vezes com bem menos conhecimento sobre espiritualidade e temas relativos ao despertar da consciência são expostas, tratadas com grosserias e assim por diante. Qual amor existe em afirmar publicamente de forma dura que alguém não se ama? É muito comum, inclusive, que os assistidos deixem de frequentar a casa e ter a assistência por não se sentirem acolhidos. Um dos sábios guias da falange Negro Gérson nos ensinou que “não adianta querer pegar o bicho dizendo: ‘xô, bicho'”, ou seja, não adianta querer ajudar alguém sendo ríspido e afastando a pessoa. 

As vibrações da casa espiritualista são sentidas no ar. Não é a voz doce que é apenas usada da porta para dentro ou a distribuição de abraços, mesmo quando a pessoa não está bem e sai distribuindo sua energia desqualificada para os demais, que irão por si só gerar um sentimento de acolhimento no outro.

Há diversas casas espiritualistas por aí que existem faz muitíssimos anos e que têm ainda muito menos frequentadores do que poderiam. Por que será que isso acontece? Talvez porque as pessoas não se sintam acolhidas. Não há uma energia no ar que a atraia tão fortemente a ponto de ela sentir, no seu dia a dia, uma vontade grande de estar naquele local novamente.

De qualquer forma, nada disso é algo que deva gerar culpa nos trabalhadores espiritualistas. Essas são algumas reflexões pautadas numa intensa experiência em diversas casas de diferentes religiões ou mesmo sem tanta natureza religiosa. Aliás, é curioso notar que, quando não há o apego religioso, a imposição de dogmas, regras excessivas, a energia da casa costuma ser melhor do que quando tudo é excessivamente controlado e imposto.

O amor é a energia base do cosmo, é um fluir, a conexão elementar da natureza. Quanto mais se impõe, menos se ama. Isso é uma obviedade. As regras excessivas prejudicam os trabalhos, os trabalhadores e os assistidos, pois os próprios guias espirituais, que tentam trabalhar dentro da intuição dos trabalhadores, precisam de mais liberdade deles para que possam se adaptar a cada necessidade dos assistidos.

De outra parte, é preciso muito cuidado para que os trabalhadores não se tornem falsos profetas, pensando serem as vozes dos guias espirituais e que, portanto, tudo o que dizem e fazem numa casa espiritualista “foi o espírito que mandou”.

Os desencarnados contam no programa Diálogo com os Espíritos e em outros vídeos disponíveis no Youtube que eles, mesmo quando materialmente incorporados, conseguem passar apenas 30% a 34% do que querem. A interferência anímica do médium é muito grande e sua consciência, bem menos expandida do que a do desencarnado por conta do corpo físico grosseiro, pode alterar as mensagens.

O que dizer, então, da intuição, quando o espírito sequer está incorporado? Novamente, pode haver arrogância do pseudo-herói que o leva a pensar ser a boca dos espíritos. Não raro, realiza desejos do seu ego valendo-se desse argumento.

Nesse meio, entre controlar para evitar excessos e soltar para que os egos heróicos e egoístas se manifestem, as consciências duais sofrem. Não há porque sofrer ou porque se culpar, nem porque atacar uns aos outros sob o pressuposto de que o método do seu trabalho é melhor. Cada um faz o melhor que pode de acordo com cada contexto e seu momento. 

Isso não significa que não se possa tratar do assunto sem ter um caso concreto para servir de bode expiatório. As pessoas confundem a reflexão genérica sadia com a crítica direcionada a uma instituição ou indivíduo específico. Se não houver reflexão acerca do que pode ser objeto de aperfeiçoamento, fica mais difícil de progredir. O que não deve haver é exatamente a crítica direta ou mesmo contar historinhas com indiretas para outros que causam até mais mal estar do que se o assunto fosse abordado diretamente de uma forma amorosa.

Todas essas questões são complexas e estão imersas em diversos paradoxos que devem ser entendidos para efeito da superação das dualidades passíveis de serem montadas. Apenas com a busca de mais consciência e conhecimento, seguida da experimentação de novas formas de fazer, é que será possível ir aperfeiçoando o trabalho nas casas espiritualistas, que, mesmo apesar das dificuldades, ajudam imensamente as pessoas. Sigamos em frente.  

Marcos de Aguiar Villas-Bôas é terapeuta holístico, consultor jurídico e político, espiritualista universalista, reikiano usui, reikiano xamânico, estudante de psicanálise, praticante de meditação e amante do todo e de todos. Deixou a sociedade de um dos maiores escritórios de advocacia do país, sediado em São Paulo/SP, para seguir seu sonho de realizar pesquisas em Harvard e em outras universidades estrangeiras, mas, após atingir muitos dos seus objetivos materiais, percebeu, por meio da Yoga, de estudos e práticas espiritualistas sem restrições religiosas, que seus sonhos e suas missões iam muito além das vaidades acadêmica e profissional. Hoje busca despertar a consciência, o mestre dentro de si, e ajudar os outros a fazerem o mesmo, unindo o material e o espiritual. 

Redação

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