“COISA DE PRETO…” um significado heroico de resistência!, por J. Roberto Militão

“COISA DE PRETO…” um significado heroico de resistência!

por J. Roberto Militão

Prezados,

Nestes sete dias de novembro 2017 com o evento da expressão ´Coisa de Preto´ li dezenas de artigos, manifestações diversas e principalmente, mais de 2.000 comentários nos portais e redes sociais. Trago aqui considerações preliminares. Nestes tempos de crise, obrigações profissionais e de ativista contra o racismo, não poderia deixar de oferecer uma visão, na condição de preto ativista contra o racismo, digamos, de dentro para fora, com o viés de quem não alimenta ódio racial e que acredita que a superação do racismo se trata, a toda vista, de um empreendimento para o esforço de todos, a todo momento, em todo o mundo.

Quase todos os comentários são de pessoas brancas solidárias à luta contra o racismo, porém, há também os comentários de ´aliados´ que não compreendem que a luta contra o racismo não é questão dos pretos e pardos, mas uma questão de toda a sociedade. Em especial aos “bem intencionados” precisam mais do que negarem o racismo. Precisam praticar o antirracismo em seu dia a dia!

Desculpem, mas a primeira coisa que observei é que toda a reação publicada não tem por base nem dá a devida importância para a raiz histórica da locução proferida com escárnio pelo jornalista: “Coisa de Preto” tem um magnífico significado histórico e um núcleo conceitual que a nossa literatura e a nossa história oficial, por serem racistas, sonegaram.

A verdadeira origem da expressão “Coisa de Preto” que hoje tem o significado racista de presunção de culpa dos pretos e pardos na forma evocada por Waack, significava na origem, exatamente isso: os pretos eram culpados de praticarem um vitorioso ato de rebeldia e tem como base um movimento heroico de pretos escravizados. Se trabalhassem bem e com capricho conforme faziam os ´negros escravos´, deixariam o escravocrata ainda mais poderoso e com recursos para adquirir ainda mais escravos e o sistema enriquecido se retroalimentando e financiando ainda mais o sequestro, aprisionamento e translado de mais africanos.

Assim, para causar prejuízos e empobrecer o senhor, ou reduzir seus lucros, eles executavam mal os serviços. Quebravam engrenagens do engenho, deixavam apodrecer os frutos colhidos, não recolhiam todas as pedras na mineração enfim, se não podiam fazer greves por melhores condições e dignidade, boicotavam o próprio trabalho e reduziam o lucro da produção.

Portanto “Se não fizesse na entrada tinha que fazer na saída” de fato era um gesto heroico de resistência ao sistema cruel. Isso era ´Coisa de Preto´ lamentavam os escravocratas! Os que se conformavam com a condição de escravos eram simplesmente ´negros´ confiáveis ao sistema.

Porém quem cometia ato de resistência, naquelas condições, eram subversivos e de fato fazia ´Coisa de Preto´ e esses pretos eram ferozmente punidos. Por isso, fugiam e criaram neste Brasil afora, milhares de Quilombos, pois ocupavam e resistiam com nossas ´terras de pretos´ onde poucos ousavam ir busca-los.

Desde 1988, com o reconhecimento do direito à titulação da terra dos ´Remanescentes de Quilombos´, mais de 1.100 ´Terras de Pretos´ já foram identificados e cadastrados. Somente no Maranhão existem mais de 500 e, sob a tutela da família Sarney, nenhum deles recebeu o título de propriedade conforme prevê o art. 68 das Disposições Transitórias da CF/1988. Há um dado a ser considerado. Até hoje as autoridades tem ódio contra os ´pretos´ que ocuparam terras: eles não se submeteram à escravidão e resistiram heroica e subversivamente a um sistema econômico que durou 350 anos.

Por falar em Sarney, neste momento de ´Consciência Negra´ não poderia deixar de consignar que foi ele o Senador Presidente do Congresso Nacional que comandou a aprovação das leis raciais do Estatuto da Igualdade Racial e da Lei de Cotas Raciais nas Universidades.

Dada a realidade histórica dos afro-maranhenses (o mais baixo IDH dentre todos os brasileiros em 2016) e minha convicta oposição às leis de segregação de direitos raciais, esse patrocínio parlamentar do Senador Sarney é a prova maior e incontestável de que tais leis raciais – em que o estado afirma uma presumida inferioridade dos pretos e pardos – não tem a natureza de nos beneficiarem, se destinando a domesticar e manter submissos uma legião de novos ´negros´. Aqueles que não faziam e não farão “Coisa de Preto…”.

Por isso, em época de ENEM em que os debates sobre as famigeradas ´cotas raciais´ se tornou pauta obrigatória para a juventude brasileira tenho me desdobrado para cumprir os compromissos e participar dos debates em que a estupidez de um parlamento racista – o pior parlamento da história do Brasil – e de um Supremo Tribunal Federal inculto – o pior Supremo da história do Brasil – nos outorgaram e legitimaram a presença de direitos em bases raciais com a outorga e exclusão de direitos com base na falácia de um pertencimento racial que a humanidade não tem, e a nação brasileira não precisava, violando os arts. 5º e 19 da CF/1988.

“Coisa de Preto” nos traz a oportunidade de lembrar que estamos na década dos afrodescendentes instituída pela ONU – de 2015 a 2024 – http://decada-afro-onu.org/ – exatamente a fim de proporcionar ao mundo um debate civilizado sobre a história recente da humanidade e a tragédia que o mundo ocidental patrocinou e foi beneficiário na África – o berço da humanidade – e jogou nas periferias do mundo moderno, centenas de milhões de afrodescendentes na diáspora, os mais empobrecidos e os que menos recebem políticas públicas.

No Brasil em pleno mês de novembro dedicado à ´Consciência Negra´ uma conquista da luta antirracista destinada a colocar na pauta da mídia, das escolas, da academia e dos debates sociais a importância da revisão histórica e da indispensabilidade de mudanças sociais profundas a fim de incorporar ao exercício de direitos humanos e direitos à cidadania plena sonegada aos afro-brasileiros eis que a expressão “Coisa de Preto” – deturpada em seu sentido original – polarizou os debates e nos impôs, aos antirracistas, uma pauta obrigatória: a ofensa verbal que sofremos desde a primeira infância machuca tão profundamente muito mais que uma violência real, uma agressão física.

Para coroar essa reflexão, em razão de alguns argumentos a favor do conceituado William Waack, tipo como ´gente do bem´, trago o extraordinário artigo da Ana Maria Gonçalves, de 2016, muito adequado para a reflexão de nossos aliados na luta contra o racismo: os “bem intencionados” não bastam sê-lo. Precisam ser de fato ativistas do antirracismo!  

 

É DIFÍCIL FAZER COM QUE OS “BEM INTENCIONADOS” ENTENDAM O RACISMO

 

https://cdn01.theintercept.com/wp-uploads/sites/1/2016/12/Ana-Maria-Goncalves-pb2-copy-440x440.jpeg

Ana Maria Gonçalves

https://theintercept.com/2016/12/02/e-dificil-fazer-com-que-os-bem-intencionados-entendam-o-racismo/

 

HÁ NO INÍCIO do livro “The Erotic Life of Racism”, de Sharon Patricia Holland, uma história que sempre me vem à cabeça quando ouço a expressão “gente de bem” e suas variáveis, como cidadão, homens, mulheres ou pessoas de bem. Holland conta que, alguns dias depois da morte do rapper Tupac Shakur, em 1996, ela parou o carro no estacionamento de um mercado, em Palo Alto, Califórnia. Estava acompanhada da filha de uma amiga, Danielle, uma adolescente de quinze anos, ouvindo algumas canções do rapper que tocavam no rádio, quando uma senhora se aproximou de sua janela e pediu que ela tirasse o carro dali para que pudesse descarregar as compras que tinha acabado de fazer.

Não havia, de acordo com Holland, nenhuma hesitação na voz da mulher, apenas a certeza de que seu pedido seria atendido. Olhando o posicionamento dos carros, Holland percebeu que a senhora poderia muito bem descarregar as compras pelo outro lado, onde não havia qualquer impedimento, apenas uma vaga vazia. Respondeu então que esperaria dentro do carro, sem abrir as portas para não atrapalhá-la, mesmo porque a conversa entre ela e Danielle estava interessante, com a garota falando do impacto da morte do rapper sobre os amigos da escola.

Quando a senhora terminou de guardar as compras, as duas desceram e, ao passarem por ela, ouviram, com o mais indignado dos tons, o comentário “E pensar que marchei por vocês!”. A senhora se referia às marchas que aconteceram durante a luta pelos direitos civis, e Holland, bastante estupefata a princípio, resolveu que deveria fazer algo, para que se calar em situações como aquela nunca se apresentasse como opção para a garota ao seu lado. “Você não marchou por mim; marchou por você mesma”, respondeu, “e se não entende isso não há nada que eu possa fazer.”

Pensando sobre o assunto, Holland concluiu que pessoas brancas, na maioria das vezes, esperam que pessoas negras, principalmente mulheres, interrompam conexões com amigos e familiares para que possam servi-las, e que a recusa a fazê-lo acaba sendo encarada como uma grande afronta. Patroas e patrões, por exemplo, esperam que empregados domésticos abram mão do convívio familiar para atendê-los altas horas da noite e/ou nos finais de semana; e não é raro o caso de babás que não conseguem acompanhar o crescimento dos próprios filhos para cuidarem dos filhos alheios.

A senhora branca do estacionamento havia passado décadas acreditando que a luta pelos direitos civis tinha sido uma luta pela liberdade dos negros apenas, e não da sociedade como um todo. E sendo algo para o outro, e não para si, acreditava também que este outro lhe devia algo, principalmente porque, aparentemente, os objetivos do outro haviam sido alcançados com a sua ajuda. Esta é a ideia que me vem à cabeça quando vejo/ouço “gente de bem” – o que, com certeza aquela senhora se considerava, assim como Alma White.

Alma Bridwell White nasceu em 1862 e viveu até 1946, tendo, neste período, fundado a Pillar of Fire Church, sido a primeira mulher ordenada bispa dos EUA, se tornado uma conhecida feminista a lutar pelo voto das mulheres, aberto 61 igrejas, sete escolas, fundado dez periódicos, entre jornais e revistas, e duas estações de comunicação. Alma White, com certeza, se via e era considerada “gente de bem”, tanto que um dos principais jornais fundados por ela foi batizado de “The Good Citizen”, algo como O Bom Cidadão, ou O Cidadão de Bem.

O conteúdo do periódico logo atraiu a atenção da Ku Klux Klan, tornando-se também órgão divulgador das ideias da organização supremacista. Alma White via a ligação como altamente benéfica, pois acreditava que a Klan traria a parceria ideal que a ajudaria a lutar pelos direitos civis das mulheres brancas protestantes enquanto mantinha as minorias (negros e imigrantes) nos seus devidos lugares, segundo a interpretação bíblica feita por ela: “Onde as pessoas buscam a igualdade social entre as raças branca e negra, elas violam as ordens da Sagrada Escritura em todos os seus códigos morais e sociais”, publicou em um de seus sermões.

Racismo não é um problema dos negros, mas da sociedade como um todo.

A gente de bem se acredita sempre bem intencionada ou autorizada por um Bem maior, como Alma White, ou merecedora de algum tipo de vantagem e reconhecimento eternos e gratuitos, como a senhora do estacionamento do supermercado. É claro que o exemplo de Alma White é mais radical, mas o comportamento da senhora do supermercado não é incomum nem entre as pessoas consideradas de esquerda. E sendo assim, comportamento de aliados dentro de movimentos políticos e sociais, é muito mais difícil de combater, exatamente porque são aliados e, na maioria das vezes, verdadeiramente bem intencionados.

Não é raro ouvir de gente de esquerda, por exemplo, que o problema racial está embutido na desigualdade social; ou que certos assuntos como violência contra a mulher negra não deve ser discutido dentro de movimentos anti-racistas, porque os enfraqueceria e dividiria. Penso exatamente o contrário: que certos calcanhares de Aquiles podem e devem ser discutidos com honestidade, para que o movimento como um todo se fortaleça. E estes, como vários outros relacionados à questão racial, serão tema da coluna que hoje início no The Intercept Brasil.

Havia a possibilidade de esta primeira coluna ser publicada no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. Data mais do que necessária para se chamar a atenção para assuntos que estão diariamente em discussão entre os que se dedicam à causa anti-racista, mas que não atingem o restante da população de uma maneira mais direta e mais cotidiana. É exatamente o que esta coluna pretende fazer com o tema racismo e seus tentáculos: ampliar a discussão, naturalizar a conversa, quebrar os tabus, chamar a atenção para a violência cotidiana, para a necessidade de ação e discussão que vai além do dia, do mês ou da década da consciência negra e da luta de todos os afrodescendentes da diáspora. Fazer entender que racismo não é um problema dos negros, mas da sociedade como um todo, inclusive – ou principalmente – de toda essa gente de bem.

Muito axé para todos!

 

Redação

14 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Racismo quem não tinha não

    Racismo quem não tinha não deixou descendentes, sucumbiu ao ataque dos diferentes e não deixou descendentes.

    Mulheres que não pariam e não nutriam eram vistas como ameaça a segurança do grupo e muitas vezes eliminadas.

    Homens homo eram igualmente sentidos como ameaça e muitas vezes eliminados.

    Quem não sabe porque é racista (todos somos) vive reprimindo o sentimento que teima em voltar a cada visão do diferente.

    Quem não sabe porque é homo fóbico vive igualmente lutando contra si a trabalho da repressão.

  2. …”Fazer entender que

    …”Fazer entender que racismo não é um problema dos negros, mas da sociedade como um todo, inclusive – ou principalmente – de toda essa gente de bem.”

    Evidente que o racismo é uma desgraça que afeta toda sociedade. Mas, no entanto, justamente, muito inclusive, haveremos de entender que: o lombo que sangra dolorido, doi muito mais, no  sujeito que se encontra alvejado, a receber as chicotadas.

    Por isso, e neste particular, discordo de vosmecê Militão. No mais, estamos mais ou menos parelhos.

    Abraços por seu oportuno retorno ao estabelecimento.

    Orlando

    1. Nunca deixei a casa…

      Meu prezado Orlando, mas, em razão da extremada conflagração de ânimos com a derrocada do PT e por minha posição crítica aos erros políticos e suas alianças comprometedoras com o velho PMDB e sua quadrilha que controla o partido e, em especial, a perda da oportunidade em 2014 para uma ampla coalizão de fato reformadora do ambiente político quando a gente defendia um governo de transição com MARINA e diante do descaminho político do desgoverno Dilma considerei razoável não tripudiar sobre um guerreiro ferido.

      Enfim, colocar na linha de sucessão da presidente Michel Temer, Eduardo Cunha e Renan exigia uma inesperada coragem cívica e assombroso excesso de confiança que bastava deixa-los roubar a vontade e estariam saciados. Deu no que deu… Com a faca e o queijo na mão eles deram o golpe e estão rifando o patrimônio público mais realizável. Exatamente a síndrome do escorpião: era da natureza deles.

      Por seu lado qualquer manifestação política nos comentários são respondidas de forma violenta e, assim como outros antigos aliados do petismo, senti-me constrangido. Mas leio o portal e seus principais artigos diariamente vê-se o esforço do Nassif em ampliar os debates para que os companheiros não fiquem reclusos ao debate estéril ensimesmados e apenas ouvindo as próprias vozes.

       

      1. Governo de transição com Marina?

        Transição para onde?

        Para o Itaú, para os transgênicos, para a Natura, etc?

        Faltou combinar com a população.

        1. Transição do PT foi para TEMER, CUNHA, GEDDEL

          e para a banca internacional além de entregar o poder ao grupo político mais desqualificado. O PMDB que jamais teve condições de ter um bom candidato a Presidência da República recebeu a ´transição´ do PT entregue de forma bisonha e sem qualquer resistência…. Isso que você considera a ´boa transição´??

  3. Prezado Militao
    Antes de mais nada, muito axé para você e a causa da luta contra o racismo e a favor dos negros oprimidos no Brasil e no mundo.

    Se minha primeira leitura de seu artigo foi correta, deduzo que você é radicalmente contra as ações afirmativas em favor dos negros.

    Para pontuar seus argumentos, você recorda que o estabelecimento do arcabouço jurídico nesse sentido foi construído durante o mandato do José Sarney.

    Sou franco ao discordar de sua posição. Como branco solidário a causa em tela, para mim é urgente poder ver negros em número abismal exercendo os mais diversos ofícios que nossa sociedade de classes considera de “prestígio”.

    Nesse sentido, quero ver milhões de médicos, cientistas, professores universitários, juristas, políticos e assim por diante negros.

    Creio que essa é a melhor alavanca para o combate ao racismo e suas consequências fáticas.

    Pesquisas sérias demonstram que os beneficiados por políticas afirmativas tem elevado desempenho educacional, etc.

    Isso para mim parece lógico e faz todo sentido. Portanto, não há o que se falar em privilégios de raça para os negros beneficiados. A sociedade investe neles e o retorno em benefício social é objetivo, nítido.

    Está lá nas cláusulas pétreas de nossa constituição, o combate a discriminação, pobreza, etc. Então, é constitucional, é pela dignidade não só dos negros como de todos os brasileiros que assim buscam curar a ferida da opressão que maltrata a coesão social.

    Bem, fiz o comentário acima no intuito de observar que sua posição contra ações afirmativas não é unânime entre membros do movimento negro ou simpatizantes aliados como eu.

    Sobre o Sarney, novamente peço vênia. Indigenista que sou, recordo que o Collor demarcou a terra ianomâmi e o Sarney o território menkragnoti dos caiapó. Por mais que eu discorde ideologicamente tanto do Collor quanto do Sarney, apoio mil e um por cento ambas demarcações citadas.

    Ou seja, existem contradições e interstícios na política de nosso
    país que precisam ser considerados antes de simplesmente colocarmos as análises em uma vala comum ideológica. A linha não é tão reta nesses casos.

    Voltando às contradições, recentemente escrevi uma novela em parte ambientada Maranhão. Isso demandou pesquisa. Então, após checar os dados que chequei, se assim tiver interesse, constatei que o Maranhão é o estado com o maior número de territórios quilombolas titulados. Vinte e três por cento desses territórios se encontram titulados nesse estado.

    Porém, não poderia deixar de realçar o papel preponderante na luta do movimento negro a favor das políticas afirmativas, antes durante e depois do Sarney. É a tal luta que creio devem ser atribuídas tais políticas das quais você discorda, não ao Sarney.

    Da mesma forma, foram índios e indigenistas que lutaram pelas demarcações citadas, apesar do dirigente de turno.

    Antes de me despedir, quero deixar claro que meu intuito nesse comentário foi o de ser construtivo e contribuir para o axé geral com minhas modestas considerações.

    Abraço forte e até a vitória!

    1. Ações Afirmativas x Cotas Raciais

      Prezado Rodrigo, agradeço vossas considerações ao debate, mas, por serem argumentos distintos responderei em dois tópicos, um sobre o que são Ações Afirmativas (AA) que não se confunde com lei de segregação de direitos raciais (cotas raciais) e outro, referente o sr. Sarney e as terras quilombolas que, juridicamente, difere da reserva indígena.

      As terras quilombolas nasceram da luta contra um sistema mercantil sócio-político de interesse da elite brasileira base da edificação do capitalismo nascente. Ambas foram conquistas na constituinte que edificou a CF/88, e não dádiva de Sarney ou Collor: foram resultados de uma dura disputa com o ´Centrão´.

      As reservas indígenas diferem da titulação das terras quilombolas. Aquelas são terras da União ´reservadas´ para os índios preservarem seu modo de vida. As ´terras de pretos´ em Comunidades Remanescentes de Quilombos, nos termos do art. 68 das Disposições Transitórias da CF são propriedades privadas adquiridas pela ocupação e uso num longo processo de rebeldia de escravos revoltados.

      Creio que você confunde a ´Certificação´ de Quilombos pela Fundação Palmares – a primeira etapa – com a efetiva titulação que trata o art. 68, ADTC. Conforme nota oficial do governo atual, há uma evolução na certificação (identificação e reconhecimento). Nada diz referente à titulação, ou seja, a efetiva entrega do título de propriedade.

      Diz a nota oficial do governo Flávio Dino, em 2016: “Para o gestor de Comunidades Quilombolas da Secretaria de Estado de Igualdade Racial (Seir), Eduardo Filho, a certificação expedida pela FCP amplia os direitos dos remanescentes de quilombos (…)  Ele disse que, no Maranhão, existem 1.121 comunidades quilombolas, das quais 483 têm a certificação da FCP, sendo que 69 comunidades foram certificadas este ano”. http:// http://www.ma.gov.br/fundacao-palmares-certifica-57-comunidades-rurais-quilombolas-no-maranhao/

      No Brasil, os pretos e o indígenas possuem condições distintas de cidadania. Desde 1755, com a lei de Marquez do Pombal, o ´Directório do Índio´, o estado conferiu um reconhecimento de direito à vida distinto do que concedia aos pretos oriundos da Costa D´África. Por essa lei pombalina, em seu art. 10, aos pretos ficava expressamente reservada a condição de serem ´negros´ destinados à escravidão diz o texto legal: http://www.nacaomestica.org/diretorio_dos_indios.htm

      Portanto, as terras de remanescentes de quilomobolas é aquela conquista na luta de quem fez ´Coisa de Preto´ referido no post como a resistência histórica que os pretos subvertiam a ordem vigente.

      Mas o principal equívoco de vossa análise é me retratar como ´opositor de Ações Afirmativas´. Na verdade sou radical opositor a leis de segregação de direitos raciais que impõe de forma compulsória as ´cotas raciais´ na condição de um direito racial, pois isso, contraria frontalmente a luta contra o racismo. Suce que, para a luta contra o racismo o estado não pode afirmar um pertencimento racial base nuclear da ideologia do racismo.

      Ações Afirmativas é uma novel e respeitável doutrina de promoção da igualdade pela qual, políticas públicas e privadas, promovem a equidade das oportunidades. AA privilegia a promoção da diversidade humana nos ambientes escolares, acadêmicos, empresariais, culturais e de comunicações na mídia. Já as ´cotas raciais´ se limitam a outorgar direitos para incluir ou excluir com base num falacioso direito racial.

      Sou antigo defensor de Ações Afirmativas que não exige as cotas raciais compulsórias, a mesma posição que tinham em 2001 os professores Joaquim Barbosa e Carmem Lúcia – antes de serem Ministros do Supremo Tribunal – conforme artigo abaixo de autoria do então procurador da República Dr. Joaquim Barbosa. Se ambos mudaram de posição nos julgamentos do STF o fizeram contrariando as próprias e bem fundamentadas doutrinas e submergiram à pressão externa das leis de segregação de direitos defendidas pelo então senador Sarney que foi o autor do primeiro PLS de instituição de quotas raciais, ainda em 1995.

      Abaixo parte das conclusões do longo artigo do Dr. Joaquim Barbosa publicado em 2001, onde fica claro que AA não se confunde com cotas raciais que, sob o ponto de vista da filosofia do direito configura-se na segregação de direitos raciais.

      Importante destacar, meu prezado, que nem os EUA ousaram lei de ´cotas raciais´, pois as políticas de AA foram implantadas com base na ´Lei dos Direitos Civis´ de 1964 que foi outorgada com a finalidade de revogar todas as leis de segregação de direitos raciais vigentes em vários estados, até então.

      Aliás, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, após a tragédia da 2ª guerra mundial em que estados adotaram critérios raciais, em leis, está vedado a outorga de direitos raciais a todas as Nações Unidas. Nós, antirracistas, utilizamos a Convenção para exigir as sanções impostas pela ONU contra o regime de apartação da África do Sul.

      Em relação a AA, em 2001, ensinava o prof. Joaquim Barbosa, em suas conclusões:

      “ Sem dúvida, os critérios acima estabelecidos são um ótimo ponto de partida para o estabelecimento de ações afirmativas no Brasil. Porém, falta ao Direito brasileiro um maior conhecimento das modalidades e das técnicas que podem ser utilizadas na implementação de ações afirmativas. Entre nós, fala-se quase exclusivamente do sistema de cotas, mas esse é um sistema que, a não ser que venha amarrado a um outro critério inquestionavelmente objetivo [41], deve ser objeto de uma utilização marcadamente marginal.

      (…) Noutras palavras, ação afirmativa não se confunde nem se limita às cotas. Confira-se, sobre o tema, as judiciosas considerações feitas por Wania Sant’Anna e Marcello Paixão, no interessante trabalho intitulado «Muito Além da Senzala: Ação Afirmativa no Brasil», verbis: “Segundo Huntley, “ação afirmativa é um conceito que inclui diferentes tipos de estratégias e práticas. Todas essas estratégias e práticas estão destinadas a atender problemas históricos e atuais que se constatam nos Estados Unidos em relação às mulheres, aos afro-americanos e a outros grupos que têm sido alvo de discriminação e, consequentemente, aos quais se tem negado a oportunidade de desenvolver plenamente o seu talento, de participar em todas as esferas da sociedade americana.

      (…) Ação afirmativa é um conceito que, usualmente, requer o que nós chamamos metas e cronogramas. Metas são um padrão desejado pelo qual se mede o progresso e não se confunde com cotas. Opositores da ação afirmativa nos Estados Unidos frequentemente caracterizam metas como sendo cotas, sugerindo que elas são inflexíveis, absolutas, que as pessoas são obrigadas a atingi-las”.

      A política de ação afirmativa não exige, necessariamente, o estabelecimento de um percentual de vagas a ser preenchido por um dado grupo da população. Entre as estratégias previstas, incluem-se mecanismos que estimulem as empresas a buscarem pessoas de outro gênero e de grupos étnicos e raciais específicos, seja para compor seus quadros, seja para fins de promoção ou qualificação profissional. Busca-se, também, a adequação do elenco de profissionais às realidades verificadas na região de operação da empresa. Essas medidas estimulam as unidades empresariais a demonstrar sua preocupação com a diversidade humana de seus quadros.

      Isto não significa que uma dada empresa deva ter um percentual fixo de empregados negros, por exemplo, mas, sim, que esta empresa está demonstrando a preocupação em criar formas de acesso ao emprego e ascensão profissional para as pessoas não ligadas aos grupos tradicionalmente hegemônicos em determinadas funções (as mais qualificadas e remuneradas) e cargos (os hierarquicamente superiores). A ação afirmativa parte do reconhecimento de que a competência para exercer funções de responsabilidade não é exclusiva de um determinado grupo étnico, racial ou de gênero. Também considera que os fatores que impedem a ascensão social de determinados grupos estão imbricados numa complexa rede de motivações, explícita ou implicitamente preconceituosas.”[42] *

      Por fim, no que diz respeito às cautelas a serem observadas, valho-me mais uma vez dos ensinamentos da Prof. Carmem Lúcia Antunes Rocha[43], verbis: “É importante salientar que não se quer verem produzidas novas discriminações com a ação afirmativa, agora em desfavor das maiorias, que, sem serem marginalizadas historicamente, perdem espaços que antes detinham face aos membros dos grupos afirmados pelo princípio igualador no Direito.”

      * [42] In http://www.ibase.org.br/paginas/wania.html

       

      1. Prezado Militao
        Muito obrigado pela replica aos meus comentários e pelas informações fornecidas por você.

        Gostaria de iniciar está tréplica com considerações referentes justamente ahs informações disponíveis quanto aos territórios quilombolas.

        Como não sou estudioso do assunto, sendo apenas um leigo interessado, talvez daí advenha minha dificuldade em encontrar tais informações.

        Me surpreende, no entanto, que no site da própria Fundação Palmares estatísticas claras e pormenorizadas sobre tais territórios não estejam disponíveis:

        Qual a estimativa confiável do número total de territórios quilombolas? Onde se encontram? Qual a percentagem dos mesmos que estão titulados por estados?

        Li, em lugar cuja fonte não recordo, que tais territórios seriam estimados em número de 5 mil.

        Verifico que você tem razão quanto ah percentagem de territórios titulados no Maranhão. Conforme você citou, seriam 1.121, dos quais 483 estariam certificados e não titulados.

        De acordo com dados da Comissão Pró Índio (http://www.cpisp.org.br/terras/asp/terras_tabela.aspx), os últimos territórios quilombolas do Maranhão a serem titulados o foram em 2014. Tais titulações perfazem um total de apenas 57 territórios titulados no estado, o que o colocaria em segundo lugar nesse indicador, atrás do Pará, por sua vez com apenas 59. Em todo o Brasil o número de titulações perfaz o número pífio de irrisórios 170 territórios quilombolas assegurados de fato e de direito aos seus ocupantes, como previu a CF de 1988.

        Por uma simples regra de três, nesse diapasão as terras quilombolas só serão titulados em sua totalidade dentro de 853 anos.

        O arcabouço histórico jurídico sobre a questão indígena, o instituto do indígenato, no qual a lei pombalina do diretório do índio de 1755 citada por você se inclui, se caracteriza por uma série de avanços e respectivos retrocessos. Esse instituto também nasceu em função da “luta contra um sistema mercantil sócio-político de interesse da elite brasileira base da edificação do capitalismo nascente”.

        Não pense que confundo com isso as especificidades das lutas dos povos indígenas com as dos negros brasileiros. Ambos segmentos, contudo, foram contemplados com direitos a terra brasileira por intermédio da mesma CF de 88. Os territórios indígenas como pertencentes a união mas de usufruto exclusivo daqueles povos. Os dos quilombolas de modo coletivo de caráter privado.

        O que me importa, nesse caso, é realçar o aspecto de tentativa permanente de assalto a esses direitos específicos de populações não hegemônicas, por parte de interesses contrários, exercidos pelo sistema capitalista e seus agentes, conforme ele se apresenta no Brasil.

        Sobre os povos indígenas, paira a interpretação canhestra do malfadado marco temporal defendido pela AGU, antes encampada pelo ministro Aires Brito no STF, para citar um exemplo. Segundo tal hermenêutica constitucional enviesadas, os direitos territoriais indigenas dependeriam de comprovada ocupação anterior ao advento da CF 88. Quanto aos quilombolas, praticam as eternas e permanentes complicações crescentemente impostas por revisões normativas quanto aos procedimentos para que o objetivo final das titulações seja alcançado.

        Agora, depois desse longo intróito, o mérito.

        Primeiramente, folgo em saber que mais uma vez me enganei e que você é a favor das ações afirmativas em relação aos negros brasileiros.

        Em segundo lugar, saiba que admiro os sólidos argumentos éticos, com farto embasamento hermenêutico no qual você apoia sua posição.

        Contudo, mais uma vez, permita-me discordar.

        Tenho por formação a engenharia florestal e o indigenismo, ressalvo daí possuir parcos conhecimentos jurídicos sobre a questão, de maneira diversa ao cabedal que você tão bem demonstrou possuir.

        Penso que tal constatação não me impede, contudo, de emitir algumas considerações.

        Uma delas diz respeito a carga semântica negativa na classificação de “segregação de direitos raciais” em relação a legislação que estabelece as cotas.

        Como você bem lembrou, após o final da segunda guerra, a ONU passou a condenar a outorga de direitos raciais a todas as nações.

        Em uma perspectiva histórica, me pergunto qual foi o espírito de tal condenação. Quero crer haver se tratado de contraposição preventiva veemente em relação às barbaridades cometidas por grupos hegemônicos contra populações oprimidas, pois foi disso que as legislações raciais segregacionistas visavam até então.

        Portanto, não vejo qualquer paralelo entre a opressão que se pretendia combater então e até hoje, com a situação do racismo que viceja desde sempre no Brasil, onde os negros são os oprimidos históricos, opressão da qual até mesmo os brancos mais pobres tantas vezes se valem.

        Em seu artigo você cita os artigos 5 e 19 da CF que estariam sendo violados pelo sistema de cotas.
        Por minha vez, atento ao preâmbulo da mesma CF e seu artigo 3.

        Não obstante sua argumentação, confesso não haver ficado claro para mim o sentimento subjacente a mesma, no que concerne as cotas. O Joaquim Barbosa citado não chega a ser contra mas insere tal dispositivo no bojo de medidas afirmativas mais amplas.

        Nesse sentido, qual seria o temor da militância negra contra as cotas? Que delas se sirvam os racistas brasileiros para desmerecerem a luta dos negros? Que a sociedade racista brasileira acuse os negros beneficiados pelas cotas de serem os opressores da vez e que isso enfraqueça a luta contra o racismo? Que as cotas solapem a legitimidade dos negros beneficiados sob o aspecto meritocrahtico de fundo que deveria nortear sociedades decentes? Mas, onde está a descencia e o mérito de nossa sociedade racista?

        Sinceramente, ainda não consegui me convencer de que o sistema de cotas não é um instrumento poderoso das ações afirmativas para a melhoria da sociedade brasileira como um todo, pela oportunidade formativa que propicia aos negros do país e as consequências daí advindas.

        Abraço fraterno é muito axé!

        1. Questão do mérito…

          Prezao Rodrigo, a síntese da crítica que os opositores às leis de segregação de direitos raciais fazemos está na tua síntese: ” Que as cotas solapem a legitimidade dos negros beneficiados sob o aspecto meritocrahtico de fundo que deveria nortear sociedades decentes? Mas, onde está a descencia e o mérito de nossa sociedade racista?”

          De fato, conforme a filosofia do direito o que tais leis fizeram foi de fato ´segregação de direitos raciais´ e a força semântica disso – que te desagrada – revela o grau de perversidade contida nessas leis patrocinadas pelo velho Senador Sarney: de fato as leis fazem a segregação de direitos e o adjetivo ´racial´ é a cereja do bolo. Essas leis se destinam a afirmação pelo estado do conceito de ´raça´ que o antirracismo diz não existir com base na biologia e na gens huma e com a lei visa deferir uma presumida inferioridade dos pretos e pardos que configurariam a inexistente ´raça negra´ aquela que o racismo disso ser a raça inferior.

          De fato meu caro, nem os EUA, em que tanto pretos quanto brancos creem no pertencimento racial, fizeram leis de ´cotas raciais´ pois a segregação de direitos já produzira danos imensos ao povo daquela nação.

          Isso é racialismo e não existe racialismo do bem ou racialismo do mal. Uso em minha assinatura uma frase de FANON proferida em 1956 na condição de ter sido o primeiro grande ativista contra o racismo e que sintetiza isso: “Numa sociedade com a cultura de raças, a presença do racista será, pois, natural.”

          Para concluir tenho por fundamento a consistente argumentação do Dr. LUTHER KING em sua extraordinária ´Carta da Prisão de Birminghan´ em que ele deduz, com base na doutrina cristã de São Tomás de Aquino, que qualquer lei que faça segregação é injusta, pois contraria o ´direito natural´ do ser humano.

          Dizia então o Dr. King exortanto a desobediência civil a leis que fazem segregação de direitos: “A resposta está no fato de que existem dois tipos de leis: as justas e as injustas. Eu seria o primeiro a advogar a obediência a leis justas. Tem-se uma responsabilidade não só legal como também moral de obedecer a leis justas. De modo contrário, tem-se uma responsabilidade moral de desobedecer a leis injustas. Concordaria com Santo Agostinho em que “uma lei injusta simplesmente não é lei”.

          Agora, qual é a diferença entre as duas? Como se pode determinar se uma lei é justa ou injusta? Uma lei justa é um código produzido pelo homem que se ajusta à lei moral ou à lei de Deus. Uma lei injusta é um código que está em desacordo com a lei moral. Para colocar nos termos de Santo Tomás de Aquino: uma lei injusta é uma lei humana que não está radicada na lei eterna e na lei natural. Qualquer lei que eleve a personalidade humana é justa. Qualquer lei que degrade a personalidade humana é injusta.

          Todos os estatutos segregacionistas são injustos porque a segregação desfigura a alma e danifica a personalidade. Ela dá ao segregador uma falsa impressão de superioridade e aos segregados, uma falsa impressão de inferioridade.

          A segregação, para usar a terminologia do filósofo judeu Martin Buber, substitui uma relação “eu-você” por uma relação “eu-isso” e acaba por relegar pessoas à condição de coisas.

          Portanto, a segregação não é apenas política, econômica e sociologicamente doentia: é moralmente errada e pecaminosa. Paul Tillich disse que o pecado é uma separação. A segregação não é uma expressão existencial da trágica separação do homem, da sua horrível alienação, da sua terrível pecaminosidade? Sendo assim, posso exortar os homens a obedecerem à decisão de 1954 da Suprema Corte, porque ela é moralmente correta; e posso exortá-los a desobedecerem a normas segregacionistas, porque elas são moralmente erradas.” http://www.reparacao.salvador.ba.gov.br/index.php/noticias/822-sp-1745380961

          1. Dados de titulação das terras de Remanescentes Quilombolas

            Rodrigo,

            Apesar do tempo decorrido, como encontrei uma matéria com dados específicos sobre as Titulações considerei oportuno traze-las. Se você não retornar ao post, servirá para eventuais futuros pesquisadores de nosso tempo.

            Em matéria da ´Caros Amigos´ de janeiro deste 2017, citando fonte a Fundação Palmares, creio trazer dados concretos e objetis.

            https://www.carosamigos.com.br/index.php/cotidiano/8867-a-luta-dos-remanescentes-de-quilombos-em-alcantara-ma

            A luta dos remanescentes de quilombos em Alcântara (MA)

            05 JANEIRO 2017

            COTIDIANO

            TYPOGRAPHY

            MEDIUMDEFAULTREADING MODE

            SHARE THIS

             

            Há mais de 30 anos, famílias tiveram as terras tradicionais desapropriadas pelo governo

            Por Paulo Hebmüller
            Da Amazônia Real

            Hoje não se traz mais o barro do campo em potes equilibrados na cabeça, como nos tempos da infância de dona Maria José de Jesus na comunidade remanescente de quilombo de Itamatatiua, em Alcântara, no Maranhão. São quase oito décadas desde que ela se iniciou na prática do ofício de ceramista, tradicional na comunidade. “Comecei na idade de uns oito anos. Todos tinham que trabalhar muito desde cedo. Não existiam essas coisas de aposentadoria ou Bolsa-Família”, conta.

            Aos 86 anos, dona Maria é uma das mais antigas moradoras do lugar e ainda acompanha a manufatura das peças, hoje realizada principalmente no Centro de Produção de Cerâmica, erguido há cerca de 25 anos. Ao seu lado, funcionam uma escola para ensinar o trabalho com o barro e uma loja para a venda das peças.

            Domingas de Jesus e Jesus, 65 anos, uma das filhas de dona Maria, aprendeu a arte com a mãe muito antes da existência do centro. “Eu tinha uns cinco anos e ela já nos colocava para fazer as tirinhas com o barro. Depois ela ia fazendo os potinhos”, relata. A produção era caseira, num forno próprio, e o pai saía para vender as peças. “Tinha muito comprador”, lembra Domingas.

            Um dos principais usos dos potes e vasos era o transporte de água.

            A situação mudou com a adoção de poços artesianos e a chegada dos baldes de plástico. A venda caiu bastante e, embora o trabalho tradicional com a cerâmica nunca tenha deixado de existir, a criação da escola e do centro foi uma das formas de incentivar novamente a produção, atualmente mais voltada para peças de artesanato vendidas aos visitantes.

            A extração do barro é controlada pelas mulheres, que o retiram de diferentes partes do campo e fazem uma espécie de “rodízio” para dar tempo de descanso e recuperação às áreas de uso recente.

            “Só as mais experientes escolhem os locais para retirar a argila. São elas que detêm o saber de reconhecer o melhor barro para a feitura das peças”, explica em sua dissertação de mestrado o antropólogo Davi Pereira Júnior, nascido na comunidade Itamatatiua, que fica a 90 km de distância de São Luís do Maranhão.

            É também uma mulher, dona Neide de Jesus, 67 anos, a ocupante da mais elevada posição de liderança da comunidade, a de “encarregada de terras”. As definições sobre local de moradia para as cerca de 230 famílias, além da administração de outras relações sociais e religiosas fundamentais no lugar, passam por dona Neide, que assumiu a função após a morte do pai, seu Eurico, em 1992.

            A desapropriação e a violação de direitos

            Localizada a cerca de 70 km da sede do município de Alcântara – ao qual a forma mais rápida de chegar, vindo de São Luís, é a travessia de 22 km de barco pela baía de São Marcos –, Itamatatiua é o principal povoado de uma rede de 42 comunidades que, para os moradores, são “terras de Santa Teresa”.

            Há mais de 30 anos as comunidades quilombolas estão envolvidas na luta por 62 mil dos 85 mil hectares identificados como pertencentes ao território tradicional. Essas terras foram desapropriadas pelo Governo do Estado do Maranhão para a construção do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) da Força Aérea Brasileira (FAB), onde o governo federal desenvolve o programa aeroespacial com foguetes.

            Para implantar o CLA em 1983, o governo deslocou 312 famílias quilombolas de suas terras sem consultá-las, sem pagar indenizações ou reparar os danos sociais, culturais, políticos e econômicos a elas. A violação de direitos dessas famílias foi denunciada, em 2008, na Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, na Suíça.

            Aproximadamente 70% dos 22 mil habitantes de Alcântara vivem na área rural, boa parte em comunidades quilombolas. De acordo com a Fundação Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura, o município concentra o maior número dessas comunidades certificadas no Brasil: são 156.

            A Comunidade Itamatatiua foi certificada em 2006, mas até agora as terras não foram tituladas, etapa final do processo de regularização – por sinal, nenhum dos 39 títulos já expedidos no Maranhão foi para Alcântara. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é o responsável pela titulação das comunidades quilombolas.

            Davi Pereira Júnior, atualmente em doutorado na Universidade do Texas, nos Estados Unidos, diz que “falta vontade política” para efetivar as titulações. O principal entrave é que parte do território quilombola identificado se sobrepõe a áreas incluídas nos projetos de expansão do CLA.

            Dos 62 mil hectares de terra desapropriados em benefício do CLA, a FAB diz que é em uma área de 8.713 hectares que são realizadas as atividades operacionais. Com a expansão das atividades e novos projetos de foguetes, a FAB está reivindicando uma área de 12.646 hectares na região do litoral de Alcântara para o prosseguimento do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE).

            O problema é que essa expansão prevê novamente o deslocamento de famílias remanescentes quilombolas das terras tradicionais.

            Em nota enviada à agência Amazônia Real, a FAB diz que para o CLA ocupar os 12.645 hectares adicionais no setor nordeste da península de Alcântara “foi acordada a construção de corredores de acesso e de estradas vicinais para os habitantes das comunidades que forem remanejadas para uma área segura, não prejudicando aqueles que vivem da pesca”.

            Segundo o Ministério da Defesa, essas famílias seriam realocadas em uma área de 42 mil hectares “devolvida” dos 62 mil desapropriados do território tradicional na década de 80. A proposta não foi aceita pelas comunidades e pelo Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE).

            Em agosto passado, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), através do Comitê Quilombos, divulgou uma nota pública manifestando o apoio à titulação definitiva do território quilombola de Alcântara, o reconhecimento e a demarcação dos 85 mil hectares reivindicados pelas comunidades e pelo MABE.

            “Os quilombolas de Alcântara entendem o território como direito fundamental e inegociável, entretanto reflete o ‘preparo’ e o desconhecimento (…), o desrespeito aos seus direitos, a constituição e a tratados internacionais por parte do Estado brasileiro com suas constantes tentativas de expropriação do território quilombola”, diz a nota da ABA.

            Enquanto o impasse não é resolvido e a titulação definitiva das terras não sai, o território segue à espera do reconhecimento definitivo da sociedade nacional. Na atual situação, os investimentos públicos oficiais são limitados nas comunidades. Se eles existissem, acredita a presidente da Associação de Mulheres de Itamatatiua, o problema do êxodo dos jovens à procura de trabalho em outros lugares diminuiria.

            “Se o governo investir alguma coisa dentro da comunidade para que o jovem não saia, é melhor. Eu nasci e me criei aqui. Nunca tive vontade de sair”, afirma dona Eloísa Inês de Jesus, de 61 anos.

            O processo de regularização fundiária

             

            O artigo 68 das Disposições Transitórias da Constituição Federal determina que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

             

            Como em tantos outros casos, o princípio expresso no texto de 1988 demorou a ser regulamentado, o que só aconteceu de fato com a promulgação do Decreto 4.887, assinado em 2003 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e da Instrução Normativa Número 57 do Incra, de 2009.

             

            De acordo com a instrução, cabe ao Incra fazer “a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação, a desintrusão, a titulação e o registro imobiliário das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos”.

            Os processos têm início com a autodefinição da própria comunidade, que deve ser certificada pela Fundação Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura.

             

            Até outubro de 2015, o Incra já havia expedido em todo o Brasil 190 títulos em 144 territórios, englobando 234 comunidades.

            No Maranhão, são 39 títulos, referentes a 37 territórios e 38 comunidades. Outros 337 processos de regularização estão abertos na Superintendência Regional do Estado.

             

            O número de áreas tituladas é considerado baixo por organizações que atuam junto aos quilombolas. No Amazonas, por exemplo, as sete comunidades reconhecidas nunca foram tituladas. A mais conhecida delas é o Tambor, no município de Novo Airão, que recebeu certificação da Fundação Palmares há quase dez anos.

             

            Certificada em 2006, Itamatatiua foi incluída num processo de titulação que reúne outras comunidades de Alcântara e em sua tramitação já cumpriu a etapa de publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) no Diário Oficial da União em novembro de 2008.

             

            Entretanto, o processo de Itamatatiua está parado desde 2010 porque “há a sobreposição de interesses do Estado” envolvendo o CLA, explica o antropólogo Roberto Alves de Almeida, analista em Reforma e Desenvolvimento Agrário do Incra. “O território quilombola identificado se sobrepõe, em parte, ao projeto de expansão dos sítios de lançamento de foguetes”, diz.

             

            O imbróglio envolve os ministérios do Desenvolvimento Agrário, ao qual está vinculado o Incra, e os da Defesa e da Ciência, Tecnologia e Inovação. Enquanto o procedimento de conciliação não terminar, continua Almeida, “não há como avançar nas demais fases do processo: a publicação da portaria de reconhecimento e a titulação do território”.

             

            O caso é bem anterior e se arrasta desde o início da década de 1980, ainda na ditadura militar, com a instalação do então Núcleo do Centro de Lançamento de Alcântara (NUCLA), em 1983. Entre 1986 e 87, 312 famílias as comunidades remanescentes foram removidas das áreas desapropriadas para a base.

             

            Em 1991, no governo Fernando Collor, um novo decreto ampliou de 52 mil para 62 mil hectares o terreno destinado ao CLA – o que corresponde a mais de 40% da área total do município de Alcântara –, abarcando parte de territórios identificados como quilombolas.

             

            Já em 2009 havia sido constituída uma Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal na Advocacia-Geral da União para mediar a discussão de sobreposição de interesses do Estado, na qual o Ministério da Defesa e o Incra defendiam posições opostas. A comissão incluiu também representantes da Secretaria-Geral da Presidência, da Casa Civil, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e do Estado-Maior da Aeronáutica, entre outros órgãos.

             

            O território sagrado

             

            Originalmente habitada por índios tupinambás, a região dos atuais municípios de Alcântara e Bequimão começou a ser colonizada entre o final do século 16 e início do 17 por franceses, logo expulsos pelos portugueses. Como parte da política de ocupação do vasto território, a distribuição de sesmarias pela Coroa Portuguesa incluiu também a participação de ordens religiosas.

             

            A Companhia de Jesus e as ordens de Nossa Senhora do Carmo e de Nossa Senhora das Mercês detinham vastas unidades produtivas na região, como fazendas especialmente voltadas ao cultivo de algodão. Dominada por senhores de escravos, de engenho e de plantações, em meados do século 18, Alcântara era considerada a vila mais próspera nesta região da Amazônia Legal.

            PUBLICIDADE 

             

            Essa situação não perdurou por muito tempo, entretanto. Nas décadas seguintes, fatores como a expulsão dos jesuítas dos domínios portugueses, em 1759, e a crise do modo de produção baseado em grande propriedade, monocultura e mão de obra escrava levaram a um rápido declínio do lugar e à desagregação das fazendas.

             

            Como aponta o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e coordenador do grupo de pesquisa Nova Cartografia Social da Amazônia, no decorrer do século 19 as propriedades de Alcântara consistiam, na maior parte dos casos, em símbolos de um poder que efetivamente não mais se baseava nelas, porque seus donos viviam em São Luís ou no Rio de Janeiro, exercendo cargos públicos ou tentando a carreira política.

             

            Com a derrocada do algodão e, mais tarde, dos engenhos de cana-de-açúcar, as ordens religiosas e os ricos produtores abandonaram enormes extensões das áreas ou as entregaram a moradores, agregados e índios destribalizados. Escravos e ex-escravos – libertos ou aquilombados – também se mantiveram nas terras.

             

            Essa ocupação deu origem a várias territorialidades específicas, como as “terras de preto” e as “terras de santo”. Na definição de Berno de Almeida, as “terras de preto” correspondem a domínios doados, entregues ou adquiridos por famílias de ex-escravos, com ou sem formalização jurídica, e a concessões feitas pelo Estado a essas famílias, cujos descendentes permanecem ali há várias gerações.

             

            Já as “terras de santo” resultam da desagregação das grandes extensões pertencentes à Igreja. Nelas, há “uma legitimação jurídica de fato destes domínios, onde o santo aparece representado como proprietário legítimo, a despeito das formalidades legais requeridas pelo código da sociedade nacional”, ressalta o professor Alfredo Berno de Almeida (as definições constam do livro “Terras tradicionalmente ocupadas”, disponível no site Nova Cartografia Social da Amazônia).

             

            A área da fazenda de Itamatatiua, abandonada pelos religiosos da Ordem do Carmo ainda na primeira metade do século 19, passou a ser considerada propriedade de Santa Teresa D’Ávila – a reformadora carmelita do século 16, canonizada em 1622 pelo papa Gregório XV.

             

            O antropólogo Davi Pereira Júnior considera que tornar as terras patrimônio da santa foi também uma estratégia dos ex-cativos das ordens para se identificar como seus “legítimos herdeiros” e impedir que essas áreas ficassem à disposição do mercado.

             

            Promessas, ladainhas, batuques e principalmente a grande festa no mês de outubro são algumas das marcas das fortes relações dos moradores da comunidade com Santa Teresa. “Os mais velhos contam que os primeiros que vieram trouxeram a santa e fizeram a promessa que, se não saíssem mais, iam consagrar a festa para ela”, diz dona Eloísa Inês de Jesus, outra liderança feminina: é a presidente da Associação de Mulheres de Itamatatiua, responsável pelo Centro de Produção de Cerâmica. “Por isso é que temos a assinatura da santa”, explica. Os moradores preferem chamá-la de Teresa D’Ávila de Jesus, origem da “assinatura” citada por dona Eloísa. Os “de Jesus” são um dos quatro principais troncos familiares da comunidade.

             

            É o núcleo central do povoado, denominado sítio, que expressa as maiores dimensões sociais e simbólicas nas “terras da santa”. Ali é, por assim dizer, a “morada” de Santa Teresa, com a igreja dedicada a ela, a cruz no largo, o cemitério, a tribuna da festa em sua homenagem, a escola, uma quadra de esporte e outros marcos. “Um território sagrado e consagrado às relações sociais entre a Santa e seus devotos, afilhados, parentes e demais moradores da sua terra”, define Pereira Júnior.

             

            O que diz a Força Aérea Brasileira

             

            A reportagem da Amazônia Real enviou perguntas sobre o conflito fundiário envolvendo as comunidades quilombolas de Alcântara com o CLA ao Centro de Comunicação Social da Aeronáutica. Leia a íntegra das respostas da Força Aérea Brasileira.

             

            Qual a posição da Força Aérea Brasileira em relação à questão das áreas nas quais há projetos de ampliação do CLA, mas que foram identificadas, em parte, como territórios remanescentes de quilombos?

             

            O Comando da Aeronáutica não questiona o direito legítimo das comunidades remanescentes de quilombos em relação à titulação de terras. Contudo, existe a necessidade de expansão futura da área rumo à faixa litorânea a nordeste da península de Alcântara para que possa ser dada continuidade a projetos espaciais estratégicos para todo o País.

             

            Atualmente, o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) dispõe de uma área de 8.713 hectares para a realização das suas atividades operacionais. Com a expansão das atividades e novos projetos de foguetes, a área atualmente disponibilizada se tornará insuficiente, exigindo outras áreas no litoral de Alcântara para o prosseguimento do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE).

             

            Há uma previsão para solução do impasse?

             

            Em 2009, foi constituída a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF), no âmbito da Advocacia-Geral da União (AGU), para mediar a discussão de sobreposição de interesses do Estado. De um lado, o Ministério da Defesa defendendo a utilização da área como um futuro sítio de lançamento. No outro, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) definindo a área como parte de remanescentes de quilombos. Após a constituição dessa comissão, constituída por representantes da Secretaria Geral da Presidência da República, da Casa Civil, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do INCRA, da Fundação Cultural Palmares, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), do Ministério da Defesa, do Estado-Maior da Aeronáutica (EMAER) e do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), várias reuniões foram realizadas, e houve um consenso entre os participantes, favorável ao pleito do CLA em ocupar os 12.645 hectares adicionais, no setor nordeste da península.

             

            Para isso, foi acordada a construção de corredores de acesso e de estradas vicinais para os habitantes das comunidades que forem remanejadas para uma área segura, não prejudicando aqueles que vivem da pesca.

             

            Em 2015, foram retomadas as reuniões num Grupo de Trabalho (GT), com a mesma representatividade anterior, com o objetivo de ratificar o consenso alcançado no CCAF. O grupo trabalha para elaborar um plano estratégico nacional composto de ações a serem realizadas ao longo de 2016.

             

            Qual a proposta e quais as ações da FAB para solucionar o impasse?

             

            O GT, com representantes de todos os órgãos envolvidos no processo, trabalha para apresentar alternativas para implementação do acordo. O GT realizará visitas às comunidades quilombolas, com intuito de ouvir e consultar seus interesses e demandas e de analisar os impactos psicossociais, para a melhor solução para ambas as partes envolvidas.

             

            Quais são os objetivos da ampliação do CLA e por que ela é importante?

             

            A ampliação do CLA é importante para o País adquirir a competência no lançamento de satélites que atendam às demandas da Estratégia Nacional de Defesa, a serem incorporadas ao PNAE e futuras versões do Veículo Lançador de Satélite (VLS) com maior desempenho. Esses projetos possibilitarão ao Brasil dominar, com tecnologia própria, o ciclo de desenvolvimento, produção, lançamento e inserção em órbita de satélites nacionais por meio de um centro de lançamento situado em território brasileiro. Isso representará autonomia no acesso ao espaço e nos permitirá avanços de estudos e pesquisas multidisciplinares, além de facilitar o acesso à internet, telefonia móvel e TV digital nos mais distantes rincões do Brasil, bem como melhorias na educação, na saúde e em outros serviços de caráter público.

             

            Além disso, o Programa Espacial propicia avanços na previsão climatológica que favorecem a prevenção de desastres naturais e incrementos na produtividade agrícola, no controle de desmatamentos e incêndios florestais, no monitoramento de fronteiras terrestres e marítimas, no controle de tráfego aéreo, em estudos geofísicos, dentre inúmeros outros que beneficiam a sociedade.

             

            Como aconteceu a desapropriação dos 62 mil hectares de terras?

             

            Para que o CLA fosse construído em Alcântara, uma área de 62.000 hectares foi declarada de utilidade pública pelo Governo Federal. Por questões de segurança, em meados da década de 1980, 312 famílias foram remanejadas para sete comunidades agrícolas construídas pelo então Ministério da Aeronáutica: as agrovilas de Cajueiro, Espera, Peptal, Peru, Ponta Seca, Marudá e Só Assim.

             

            Houve uma preocupação, à época, de que as comunidades fossem agrupadas. Seguindo a sua própria organização social, os grupos já existentes e as agrovilas preservaram os nomes dos povoados originais. As agrovilas foram concebidas de forma a dispor de escola, de igreja, de centro social, de casa de farinha e de lavanderia, além de terem sido construídas casas de alvenaria com banheiro, água encanada e luz elétrica, diferentemente das habitações originais, que tinham parede de barro e cobertura de palha.

             

            Desde então, o CLA tem procurado manter um relacionamento com as comunidades, por meio de ações cívico-sociais, proporcionando atendimento de saúde e educação para a cidadania. Além disso, o CLA é o principal empregador do município e estimula a criação de empregos indiretos. O CLA é também o maior gerador de impostos para a administração municipal que, juntamente aos governos estadual e federal, devem prover educação, saúde e políticas públicas para a população local.

             

  4. cotas

    Acho que sempre errei então, na minha visão da cota. Eu pensava que como o ensino público abrange 80% dos jovens e em muitos casos não lhes dá chance de concorrer em pé de igualdade com jovens AB de escolas particulares, era uma forma de equilibrar a balança, uma forma precária, é lógico, pois o negócio é fazer do ensino público um ensino de qualidade. Como os jovens negros em geral estão entre os 80% da escola pública e como se sabe pelo IBGE que é o segmento da população com menor renda e acesso a bens culturais, não enxergava problema de segregação racial. Sempre achei que cota e bolsa-família (sou defensora desse programa) deveriam ser por um tempo, até que as oportunidades de acesso se socializassem – isto é, se tivéssemos uma democracia que fosse avançando. O melhor desempenho acadêmico dos alunos do Prouni mostrou que se juntou oportunidade e mérito, mas não sei se esse mérito teria podido despontar, especialmente nas faculdades com forte concorrência de alunos de classe AB, não fossem as cotas.  

    O saldo é positivo: em 1997 apenas 1,8% dos que se declaravam negros frequentavam universidade, de 2005 a 2015 o contingente passou de 5,5% para 12,8%.  Essa evolução teria sido possível sem a política de cotas? Eu via como uma etapa necessária, tal como o dispositivo constitucional que prevê porcentagem de cargos e empregos públicos para pessoas com deficiência, que de outra maneira dificilmente encontrariam oportunidade. 

    1. Voce não estava errado…

      De fato, políticas de inclusão aos pretos e pardos são necessárias. Portanto o instrumento é certo, porém, a ferramenta – uso de legislação que faça, de forma compulsória e estatal, a segregação de direitos raciais – é errada e perigosa. O estado outorgar ou excluir direitos com base ´racial´ é acolher os ideais do racismo ou seja, estatizar o conceito de raças humanas que deixa de ser uma construção social e passa a ser uma realidade jurídica. Essa é a questão.

      Nem os EUA fizeram leis de ´cotas raciais´. A única legislação existente é na Índia, desde 1910 outorgada pelo império britânico a favor dos ´Dallits´. Faz mais de um séuclo e os ´dallits´ continuam intocáveis. Beneficiou cerca de 10¨% deles, porém, 400 milhões continuam excluidos e marginalizados. São os mais pobres as principais vítimas.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador