Coletores de lixo em SP seguem trabalhando como sempre e sem cuidados especiais

Reportagem viu motorista de caminhão de lixo usando álcool em gel que ele mesmo comprou; para infectologista, profissionais deveriam trabalhar de máscaras

Coletores que atuam na zona sul não utilizavam máscaras durante o trabalho, na noite de 23/3. | Foto: Paulo Eduardo Dias/Ponte Jornalismo

da Ponte Jornalismo

Coletores de lixo em SP seguem trabalhando como sempre e sem cuidados especiais

por Paulo Eduardo Dias

O relógio marca 20 horas quando moradores de uma rua do Planalto Paulista, na zona sul da capital paulista, começam a deixar suas casas para depositar o lixo na calçada, saindo e entrando rapidamente em respeito à quarentena imposta pelo governador João Doria (PSDB) contra a pandemia de coronavírus . O movimento de abre e fecha dos portões indica que o caminhão da coleta de resíduos está prestes a passar na noite desta segunda-feira (23/3).

Cinquenta minutos após o início das movimentações, quando diversos sacos pretos enchem a calçada, o caminhão do lixo aparece, destacando-se na rua deserta. Mesmo em meio à pandemia que matou dezenas de pessoas somente no Estado de São Paulo, a dupla de lixeiros está a todo vapor.

Num momento em que a higiene e a limpeza são mais valorizados do que nunca, e em uma cidade que gera 18 mil toneladas de lixo por dia, não há quarentena possível para os profissionais encarregados de manter a sujeira longe dos seus moradores. Embora os coletores tenham sido aplaudidos por moradores de bairros de São Paulo como gesto de reconhecimento e gratidão, não receberam dos seus empregadores qualquer atenção especial.

Sem máscaras, apenas com as luvas que já usavam regularmente, os lixeiros fazem um movimento em zigue-zague para não deixar de recolher os sacos do lado esquerdo e direito da via. Num raro momento de pausa, a reportagem da Ponte os aborda e indaga se não estão com medo de trabalhar enquanto outras tantas profissões suspenderam suas atividades na tentativa de mitigar a disseminação do vírus.

“Medo a gente tem, mas temos que trabalhar. A gente só pode parar se a empresa ordenar”, afirma Ailton, 38 anos de idade e 9 como coletor (o nome é fictício, já que ele, assim como seu colega, prefere não informar seu nome real). Ele conta não ter recebido da empresa em que trabalha, a Ecourbis, equipamento especial para se proteger do coronavírus, mas ressalta que a utilização de uma proteção no rosto poderia ser prejudicial para sua profissão: “Usar máscara para nós é ruim, já que temos que correr”.

Seu companheiro de equipe já tem opinião diferente. “Se der máscara para nós, a gente usa. É o certo”, explicou William (outro nome fictício), 31 anos, 7 deles como coletor.

William ainda pondera que a proteção também passa pela conscientização da população. “Os moradores também precisam se conscientizar, se organizar melhor com o lixo”, reclama, apontando para uma caçamba em que deveria haver apenas materiais como vidro, lata e papel, mas continha entulho.

A equipe dos coletores que atuava naquela noite ainda contava com o motorista, que de dentro da cabine diz se apegar na fé para não adoecer. “O medo tem, mas a gente não pode se abalar. A gente entrega na mão de Deus. A máscara é mais para quem está doente não passar o vírus”, diz. Ele carrega consigo um tubo de álcool, comprado do próprio bolso.

Se os coletores de lixo estão em dúvida quanto ao uso da máscara, o infectologista e professor de Medicina da Unicid (Universidade Cidade de São Paulo) Renato Grinbaum explica que o equipamento é de extrema necessidade para a categoria: “A coleta de lixo é uma atividade de risco para profissionais. Não só coronavírus, mas muitas infecções. O uso de equipamentos de proteção nesta época não é diferente”.

Grinbaum sustenta que a ausência de equipamentos de proteção pode resultar em punição à empresa e faz uma orientação para os profissionais. “Eles não podem trabalhar sem proteção, mesmo que não gostem. É obrigação do empregador garantir o uso. O profissional não pode ter a saúde exposta”, explica. Além da máscara, Grinbaum ainda listou como essencial o uso de luvas grossas, capote, macacão e óculos.

As contas e as latinhas

Na mesma noite e na mesma região, Luiz Carlos Gonçalves, 54 anos, vasculhava caçambas de lixo atrás de latinhas. Assim como os coletores, ele também não utiliza máscara.

Gonçalves, que mora na Favela do Cercado, no Jardim Jabaquara, zona sul, contou à reportagem que faz diversos tipos de serviços informais para conseguir pagar as dívidas, como remoção de entulhos. Mas, diante da baixa demanda nos últimos dias, tem saído atrás das latinhas para complementar a aposentadoria que recebe pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

“Tenho conta para pagar. Água, luz, armário que comprei, celular. Não uso máscara porque não tenho medo. Quem tem Deus tem tudo. [Se parar] quero ver quem vai pagar as minhas contas”, completou.

Outro lado

Procurada, a Prefeitura de São Paulo não se manifestou sobre os questionamentos da reportagem em relação a quais medidas tomou na intenção de preservar a saúde e integridade física dos coletores de lixo e se foram oferecidas máscaras ou álcool em gel para as equipes que atuam na recolha dos resíduos.

Luiz Carlos Gonçalves, 54 anos, pega latinhas para completar a renda. “Tenho conta para pagar”. | Foto: Paulo Eduardo Dias/Ponte Jornalismo

Já a Ecourbis, responsável pela coleta de lixo em bairros da zona leste e da zona sul, encaminhou o link de um comunicado no site da prefeitura que trata sobre o plano de contingência para o período. Entre ações do plano, o site pede à população que reforce o embalamento dos sacos para “evitar o contato dos coletores com possíveis resíduos contaminados”.

Por sua vez a concessionária Loga, que tem atuação nas zonas norte e oeste da cidade, informou que qualquer pergunta deveria ser encaminhado para a Prefeitura.

Redação

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