“Demolition Man” e a pobreza imaginativa de Doria Jr.,por Fábio de Oliveira Ribeiro

“Demolition Man” e a pobreza imaginativa de Doria Jr.

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Há dois anos publiquei aqui um texto sobre a vida nos túneis. Resolvi voltar ao assunto por causa da ração para pobres que Doria Jr. pretende distribuir aos pobres.

Ao defender sua proposta durante uma entrevista, o prefeito de São Paulo disse que:

“Você acha que alguém pobre, humilde, miserável infelizmente pode ter hábito alimentar? Se ele se alimentar ele tem que dar graças a deus.”

Duas coisas me chamaram a atenção nesta fala. A primeira é o preconceito. Doria Jr. acredita que as pessoas pobres, humildes, miseráveis e famintas não tem direito á dignidade humana que lhes foi conferida pela CF/88, pela Convenção Americana de Direitos Humanos e pela Declaração dos Direitos Universais do Homem.

No imaginário do prefeito de São Paulo existem dois tipos de pessoas: aquelas que podem ter hábitos alimentares e aquelas que, em virtude de serem inferiores, tem que comer qualquer coisa para não morrer de fome. De um lado os super-homens nietzschianos aptos a se alimentar em virtude de sua capacidade de consumo, do outro os untermenschen deserdados e desprezados pelo neoliberalismo.

O racismo, que já foi vinculado às ciências biológicas, assume assim uma nova coloração. A separação entre as duas raças implicitamente referidas no discurso de Doria Jr. é produzida pelo mercado. E segundo ele não compete à administração pública cumprir e fazer cumprir as normas constitucionais e internacionais para resgatar a dignidade das pessoas que foram excluídas.

A legalidade, portanto, deixa de ser um parâmetro constitucional que vincula a ação dos agentes estatais. A norma expressamente prescrita no art. 37, da CF/88, não precisa mais ser revogada. Ela simplesmente caiu em desuso em virtude das distinções raciais naturalizadas pelo mercado e por seus gestores.

O segundo aspecto relevante do discurso de Doria Jr. é a imagem que ele faz dos pobres, humildes, miseráveis e famintos. Nascido em berço de ouro e criado num meio social que não tem e não quer ter qualquer contato com os pobres, o prefeito de São Paulo parece ter criado uma imagem idealizada dos pobres a partir dos filmes norte-americanos. E é justamente por isto que resolvi voltar à questão mencionada no início.

No filme Demolition Man os pobres que vivem no subterrâneo comem hambúrguer de rato. A ração que pretendo distribuir aos pobres certamente é melhor do que aquilo que eles estão acostumados a comer, deve ter imaginado o prefeito de São Paulo. O problema é que o imaginário de Doria Jr. não guarda qualquer relação com a realidade dos brasileiros que foram empobrecidos pelo golpe de 2016.

https://www.youtube.com/watch?v=yeyC52zeSGA

O simulacro de política pública que Doria Jr. concebeu parece, portanto, derivar de um simulacro cinematográfico (a imagem dos pobres, miseráveis e famintos que comem qualquer coisa). Todavia, aquilo que foi mostrado no filme como um aspecto negativo da modernidade sofreu uma inversão.  A distribuição da ração produzida com restos de alimentos quase vencidos (uma comida análoga ao hambúrguer de rato) se transforma em algo positivo.

Os pobres, miseráveis e famintos não devem passar fome, sugere o prefeito de São Paulo. A salvação deles, portanto, justificaria realizar na prática um futuro implausível cinematograficamente rejeitado. E assim o simulacro do simulacro se torna um elemento estruturante da uma nova realidade. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

3 Comentários

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  1. soylent green

    No inconsciente dessa gente o ultimo passo seria o canibalismo de carne humana. Qual a unica razão para admitir que pobres reproduzam???

  2. Ainda bem que o Dória não

    Ainda bem que o Dória não conhece o Modest Proposal, do Swift.

    Se o texto vier a cair na sua mão, é capaz de querer colocar em prática.

  3. Dória na frente do seu tempo….e do nosso

    Kit João Dória para Pobres

    Chinelo “pet”, da reciclagem e de colaboração com o meio ambiente. Pode colocar mais ou menos água para acolchoamento, para terreno duro ou macio. Enchendo com ar serve para flutuar em caso de inundações em São Paulo.

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    Casaco de moda.

    Doria está na frente do seu tempo, inclusive na alimentação especial para pibres.

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