É melhor sentir a vida ou compreendê-la?, por Marcos Villas-Bôas

Foto Violet Kashi

É melhor sentir a vida ou compreendê-la?

por Marcos Villas-Bôas

Esse é um dilema para muitas pessoas, sobretudo entre os espiritualistas. No meio religioso, é muito comum uma postura de que estar em comunhão com Deus seria se afastar dos prazeres. De outro lado, muitos, inclusive religiosos, continuam desequilibrados em todo tipo de prazer: sexo, comer, beber, noitadas etc.

Diversas pessoas têm procurado cada vez mais informações por meio da Internet numa busca frenética por conhecimento. Outras, por terem preguiça ou por terem aversão ao estudo, uma consequência da má educação brasileira, usam a desculpa de que preferem sentir para deixarem de estudar e de buscar conhecimento.

Qual a postura mais adequada para quem busca uma vida plena, feliz e espiritualizada? Naturalmente, uma pergunta como essa não pode ser respondida de forma completamente geral, pois cada indivíduo veio com uma missão específica em sua encarnação. É possível, contudo, traçar algumas diretrizes dentro do que os sábios desencarnados nos transmitem e do que a Psicanálise já apresentou até hoje.

Como de costume, o caminho do equilíbrio é o melhor. Pelas características da sociedade atual, com grande urbanização e outros aspectos, muitos indivíduos, sobretudo nas grandes cidades, vivem desconectados do restante da natureza. Nunca se esqueça de que o homem é parte da natureza. É um erro muito comum tratá-lo como sujeito apartado. Essa má compreensão dificulta a integração do homem com o todo.

Natureza é tudo o que não é criado pelo homem, tudo o que não é cultural, tudo que surgiu naturalmente, por obra de Deus, do Big-Bang, de alguma origem também natural.

O homem, enquanto um dos animais, é parte da natureza, assim como as plantas, os minerais, o espaço sideral etc. Como animal e parte da natureza, é muito mais apropriado, de um ponto de vista de coerência com a sua criação, que o homem esteja mais perto do que não foi criado por ele do que o contrário.

O indivíduo se sentir bem quando toma um banho em casa, melhor quando toma um banho de mar, melhor ainda quando toma um banho de cachoeira, não é a toa. Ele está se conectando com o restante da natureza, limpando-se energeticamente com o elemento básico que é a água.

Rousseau já dizia que a natureza cria o homem perfeito, enquanto que a sociedade o estraga. Muitos grandes sábios e educadores da história defenderam que um dos graves problemas da educação era incutir ilusões e limitações no ego, afastando o ser da natureza, que é o natural, o cosmo, onde está ligado o self, o Eu superior do indivíduo.

A integração com a natureza, tão pregada, está intimamente ligada ao sentir, com o homem na sua mais pura animalidade, na sua criação. Ao tomar um banho de mar, a pessoa não racionaliza o mergulho, o efeito da água sobre o seu corpo. Ela apenas sente. É claro que uns estão mais preocupados com a temperatura da água, com medo dos peixes etc. Esses terminam tendo uma experiência menos plena.

Outra expressão do sentir é a arte (música, pintura etc.), que revela a criatividade, a intuição do homem, sentidos muito mais ligados ao seu Eu superior do que ao ego. A arte afasta-se também da racionalização, conectando o homem com o espírito.

Sentir a vida é uma atividade, portanto, muito mais relacionada com o Eu superior do que com o ego, de modo que é, segundo a Psicanálise Junguiana e boa parte das filosofias espiritualistas, muito mais saudável ao espírito.

O problema são os exageros. O homem que decide apenas sentir, seja se integrando com o restante da natureza, seja se entregando inteiramente à arte, seja de qualquer outra forma, pode, por exemplo, se alienar em relação à sociedade, sendo que ele é um animal eminentemente social, conectado a todos os demais. Quantos não decidem viver isolados e terminam repletos de doenças psíquicas?

A encarnação na Terra tem muito a ver com ter múltiplas experiências na carne, sendo capaz de sentir a vida sem se perder nos seus prazeres. É um planeta que tem essa característica forte dentro do processo de aprendizagem do espírito. Ao se apegar a posses, desejos e paixões, o indivíduo cai. Ao se furtar, por outro lado, das posses, desejos e paixões, ele não vive, não sente a vida em sua profundidade.

Sentir uma comida deliciosa, sentir o sexo, uma conexão divina entre duas ou mais pessoas, sentir o prazer de conhecer um lugar novo etc. são parte da experiência terrena plena. Não há qualquer razão espiritual plausível para as pessoas se furtarem de gozar a vida. São atavismos religiosos que ligam ascensão espiritual, analisada em texto anterior, a passar uma vida amarga, vazia, tediosa.

Se o indivíduo consegue, no entanto, viver sem os chamados prazeres terrenos e em grande plenitude, acordando todos os dias com imensa felicidade de viver, dedicando-se, por exemplo, apenas a ajudar as pessoas, talvez seja um ser já bastante desmaterializado, com um papel específico naquela encarnação. Porém, a imensa maioria dos que enveredam pelo caminho de se furtar drasticamente ou totalmente dos prazeres vivem repletos de crises internas, ainda que consigam fingir bem.

Esse tema sempre foi muito vivo na obra de Osho, como em O Livro dos Homens, p. 54:

“Os cristãos dizem que o homem nasceu do pecado original. Agora, como é que o homem pode ter vida? Afinal, ele é um mero pecador. A única maneira de se chegar a uma vida real é abandonar esta vida que nada mais é do que pecado. Quem são os santos do homem? As pessoas que vivem um mínimo, elas são os santos do homem. Quanto menos vivem, mais grandiosas são. Todos os sábios estão vivendo em pesadelos e estão pregando para que o homem os siga. Todo esforço deles é cortar a vida do homem ao máximo. A vida é condenada, o sexo é condenado, o desejo de viver confortavelmente é condenado.”

Se a sabedoria passa por encontrar o equilíbrio nas mais distintas situações que revelam os infinitos paradoxos da vida, furtar-se a viver, a gozar a vida, a se apaixonar, a ter coisas, a desejar alguém não são, em regra, atitudes sábias. São caminhos, de certo modo, mais fáceis para quem quer superficialmente se desapegar, porque levam a não ter que se burilar perante a atração das posses, desejos e paixões.

Se o processo de desapego não for natural, ainda que exija algum esforço, a chance de gerar desejos reprimidos é enorme e, consequentemente, poderão advir doenças psíquicas.  

É por quererem tanto dizer aos outros e acreditarem que não precisam fazer sexo, quando seu nível vibratório ainda pede isso, que muitos religiosos se tornam pedófilos. É por quererem tanto pregar a pobreza que muitos se tornam corruptos. É por se reprimirem nos mais diversos aspectos que muitos estão desequilibrados e fazendo atrocidades.   

Entre esses que se furtam ou que meramente dizem se furtar de sentir a vida, além dos religiosos atávicos, estão os estudiosos, como acadêmicos e cientistas, que de tanto quererem saber tudo, compreender mais do que os outros e se destacarem, terminam passando a vida enfurnados num quarto, numa sala ou numa biblioteca, tentando compreender o que nunca poderão compreender, pois há muito que só pode ser sentido, e o cosmo é tão imensamente complexo que são necessárias centenas de encarnações para entendê-lo razoavelmente.

Como diz Osho, em O Livro das Mulheres, p. 14:

“Tudo é misterioso: é melhor desfrutar do mistério do que tentar entendê-lo. Em última análise, o homem que continua tentando compreender a vida revela ser um tolo, enquanto o homem que desfruta a vida torna-se sábio e continua aproveitando a vida, porque se torna cada vez mais consciente dos mistérios que rondam todas as pessoas.

A maior compreensão é saber que nada pode ser compreendido, que tudo é misterioso e miraculoso. Para mim, esse é o início da religião na vida do indivíduo.”

Osho foi uma pessoa extremamente estudiosa. Conhecia praticamente todas as religiões mais do que os próprios religiosos. Foi um grande filósofo, estudioso profundo da Psicanálise e assim por diante. Ele sabia a importância do estudo, do conhecimento, mas se unido ao sentir e à experiência.

Aqueles que querem apenas compreender racionalmente se engessam e se enchem de ilusões. Isso está refletido na ciência, que é excessivamente cética e crente nos seus resultados, mesmo apesar de ser desmentida a todo momento. Aqueles poucos que são capazes de verdadeiramente inovar quase sempre demonstraram uma intuição maior, um sentir avantajado. São normalmente pessoas interessadas por filosofia e/ou por arte e/ou altamente integradas à natureza.

Sem muito estudo, sem cultura, fica muito mais difícil ter discernimento em diversas situações, pois, por exemplo, não se compreenderá bem quem é cada pessoa, de onde ela veio, que tipo de vivências tem. Aquele que não estuda e que não expande seus conhecimentos, vive aprisionado num mundo de linguagem muito mais curto, tendo menos capacidade de interpretação.

Isso não significa que não existem sábios sem tanto estudo. Muitas vezes, os que têm menos estudo são mais sábios do que aqueles com muito estudo, pois, além de a educação brasileira ser muito ruim, os estudiosos apenas ficaram racionalizando, porém não sentiram e não viveram experiências.

A percepção da inteligência corporal, que diz respeito ao que o nosso corpo e dos demais informa, está, às vezes, muito mais no sentir do que no conhecimento racional. A inteligência natural, que permite extrair previsões acerca do que está acontecendo na natureza ou do que vai acontecer, diz muito mais respeito a sentir e a ter experiência.

Nota-se, portanto, que, estando ao alcance do indivíduo, o ideal é sentir a vida, gozá-la, ter o máximo de experiências, mantendo-se livre, com todas as portas abertas, mas, ao mesmo tempo, estudando bastante para ter o cabedal de conhecimento, lógico, racional a respeito daquilo que se vive.  

Se possível, o ideal é viver enquanto se compreende; é estudar muito enquanto se sente. Assim, o sentir dificultará muito mais uma compreensão fria, mecânica, dogmática, e o compreender dificultará muito mais um sentir socialmente desconectado, irracional.  

O sentir, no entanto, é o que nos conecta com o Eu superior, com a mônada, com a centelha divina. É possível ter uma boa vida com muito sentir e pouco conhecimento, mas não é possível ter uma boa vida com muito conhecimento e pouco sentir.

 

Redação

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Pseudo-ciência não é ciência.

    É preciso ter em mente que nem ciência e religião convergem, e nem que há uma ciência da religião, ou uma religião da ciência. Por quê? Por que a ciência é MATERIALISTA e a religião NÃO É. O pensamento científico baseia-se em evidências e a religião, na fé. São princípios diferentes. Não que se possa afirmar que seja impossível provar materialmente a existência de vida após a morte, mas essa prova não aconteceu até hoje. Logo, nem científica e nem espiritualmente existe uma ciência da vida após a morte ou da espiritualidade durante a vida. É importante não confundir fé com materialidade. Existe a Biologia como ciência da vida e a medicina como ciência da saúde, mas, não, não existe uma ciência da espiritualidade. Confundir ciência com religião pode gerar uma espécie de pseudo-ciência, inquestionável e absoluta. E aí memso é que reside o perigo porque nenhuma ciência, nem a de Einstein, é inquestionável.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador