É preciso mudar mentalidade sobre as cidades, diz professora

Jornal GGNAlém da cooperação e coordenação entre as diferentes instâncias governamentais, é necessária uma mudança de mentalidade para a efetiva implementação de políticas urbanas. A opinião é de Yue Zhang, professora de Ciência Política na Universidade de Illinois em Chicago e autora do livro The Fragmented Politics of Urban Preservation: Beijing, Chicago, and Paris (Políticas Fragmentadas de Preservação Urbana em Pequim, Chicago e Paris, em tradução livre).

Em entrevista concedida a Aldo Fornazieiri, especial para o Jornal GGN, Zhang fala sobre as diferentes modelos de gestão urbana em países emergentes, como a China e a Índia, e elogia medidas do prefeito paulistano Fernando Haddad, como o IPTU progressivo e a implantação das ciclovias. Leia a entrevista abaixo:

Você recentemente visitou o Brasil para pesquisar sobre cidades. Sobre o que é, exatamente, a sua pesquisa?

Sou uma cientista política e o interesse principal da minha pesquisa são políticas urbanas comparadas e política. Um dos temas centrais da minha pesquisa é gestão urbana: O que é uma boa gestão urbana? Por que diferentes cidades tem diferentes modelos de governança urbana? Quais são os maiores obstáculos para aplicar a gestão urbana e como melhorar a qualidade dela? Como as cidades deveriam reagir aos desafios e oportunidades trazidos pela globalização, para que tenham um melhor desempenho na gestão urbana? Para responder a estas questões, eu estudo e comparo diferentes cidades pelo mundo e examino tipos diferentes de políticas urbanas, como moradia, preservação histórica, transporte e planejamento de megaeventos.

Eu fui ao Brasil recentemente para pesquisar para meu novo livro sobre governança urbana na China, Índia e Brasil. Foi minha terceira visita ao país, já estive no Brasil em outras duas oportunidades em 2013.

Durante minha recente visita a São Paulo, em maio de 2015, me encontrei com diversos gestores públicos, como o prefeito Fernando Haddad. Também conversei com muitos intelectuais, urbanistas, líderes da sociedade civil e moradores durante estas visitas. As conversas foram muito informativas e inspiradoras.

Você escreveu um livro sobre preservação histórica em Pequim, Chicago e Paris. Como o livro poderia ajudar no desenvolvimento do centro histórico e na preservação da herança cultural de São Paulo?

Meu livro, The Fragmented Politics of Urban Preservation: Beijing, Chicago, and Paris (Políticas Fragmentadas de Preservação Urbana em Pequim, Chicago e Paris, em tradução livre), apresenta uma análise comparativa internacional das políticas de preservação histórica. Mostra que preservação não se trata só de edifícios: ela serve para diferentes própositos em cidades diferentes. A estrutura fragmentada de poder urbano tem um papel crítico na criação e implementação de políticas de preservação. Especificamente, o livro argumenta que as estruturas de poder urbano são divididas de três maneiras principais: funcional, territorial e intergovernamental. Diferentes tipos de fragmentação política servem como um filtro que transforma o processo político de jeitos diferentes e gera padrões diferentes de preservação histórica.

Economicamente e culturalmente, o centro de São Paulo é uma das partes mais importantes da cidade, mas tem sofrido com a falta de investimentos e a dilapidação por décadas. Primeiro, é importante para a cidade proteger a herança cultural no centro histórico. Isso irá melhorar a vitalidade econômica e a estabilidade social do centro, assim como fortalecer a identidade cultural e o orgulho dos cidadãos.

Em segundo lugar, inovações institucionais e políticas são necessárias para a proteção efetiva da herança cultural. A cidade precisa dar mais autonomia para a Secretaria de Cultura, especificamente para o Departamento do Patrimônio Histórico. A cidade também pode dar incentivos fiscais para encorajar a renovação e a reutilização de prédios históricos e prevenir o seu abandono.

Finalmente, a preservação histórica não diz respeito somente aos prédios: está intimamente ligada à uma variedade de questões, como terreno, recursos e pessoas. Em São Paulo, a preservação da área central está relacionada com os prédios desocupados e os movimentos pela moradia. É crucial para a cidade prestar a atenção nestas questões e incluir a preservação histórica em uma agenda urbana maior.

Qual sua opinião sobre as atuais políticas urbanas em São Paulo?

São Paulo está passando por uma grande reforma urbana sob a liderança do prefeito Haddad. Entre as muitas novas políticas urbanas, a mais importante é o Plano Diretor, que vai conduzir o desenvolvimento urbano nos próximos vinte anos. Até onde sei, o Plano Diretor é o primeiro que concretiza o Estatuto da Cidade e cria instrumentos legais para aplicar os princípios do Estatuto. É uma grande conquista.

As atuais políticas urbanas paulistanas tem um foco claro em um desenvolvimento voltado para as pessoas, e isso é bem-vindo pelos cidadãos. Por exemplo, quando eu estava em São Paulo, me hospedei um hotel próximo à Avenida Paulista e conversei um jovem que trabalhava na recepção do hotel. Eu perguntei se ele gostava do prefeito e ele disse que sim. Quando perguntei o porquê, ele me contou: “Eu moro na zona norte da cidade e costumava levar uma hora e meia de ônibus para chegar ao trabalho. Com a faixa exclusiva,, agora eu levo quarenta minutos.”

Outra boa política é a criação das ciclovias. Ciclovias são importantes comodidades urbanas. Muitas das maiores cidades do mundo investiram em ciclovias, como Paris, Londres, Amsterdã e Chicago. Até mesmo Los Angeles, uma cidade que sempre priorizou o carro, agora tem ciclovias. A criação de ciclovias em São Paulo tornará a cidade mais atraente para a classe criativa e vai nutrir um estilo de vida mais sustentável e saudável. É uma das políticas que não vai somente melhorar a acessibilidade e a qualidade de vida em São Paulo, mas também melhorar a imagem global da cidade.

O que eu acho particularmente importante é a política do IPTU progressivo para prédios desocupados. Após cinco anos de impostos progressivos, a cidade poderá desapropriar o terreno com títulos da dívida pública. Propriedades desocupadas são um grande problema em São Paulo, especialmente no centro histórico. O prefeito Haddad leva a sério essa questão e criou uma nova divisão, o Departamento de Controle da Função Social da Propriedade, dentro da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, para concretizar e supervisionar a implementação da taxação progressiva. Eu me encontrei com diversos gestores deste departamento e discuti o imposto progressivo com eles. Acredito que a criação da política e do departamento terão um impacto positivo na revitalização do centro histórico e, especificamente, resolver os problemas dos prédios vazios no centro.

Todas essas políticas são inovadoras e irão promover um desenvolvimento urbano mais responsável na cidade no longo prazo. Mas é importante lembrar que leva tempo para que essas políticas sejam implementadas e tenham efeitos reais. Roma não foi construída em um dia. A reforma urbana não acontece da noite para o dia. Por exemplo, nós precisamos esperar pelo menos cinco anos para que o imposto progressivo tenha algum efeito. A continuidade da liderança municipal e o apoio do público em geral são cruciais para o sucesso na implementação das políticas.

Com base em sua pesquisa, quais são os maiores obstáculos para uma governança urbana efetiva em São Paulo?

Um grande obstáculo é a complicada e, às vezes, conflituosa relação intergovernamental. Para ter uma gestão urbana efeciente, as diferentes instâncias de governo – Federal, Estadual e Municipal – devem estar coordenadas e trabalhar juntas. Sem o apoio institucional e de recursos das instâncias superiores, a capacidade do município fica restringida.

O segundo obstáculo são as questões partidárias. Em países como o Brasil, com um sistema multipartidário, a diferenciação e os conflitos entre partidos são difíceis de evitar. Mas é importante para os líderes políticos perceberam que os conflitos partidários reforçaram a fragmentação política e inibiram a gestão efetiva em todas as instâncias governamentais.

O terceiro obstáculo é a cabeça das pessoas. Estamos prontos para abraçar novas políticas que vão levar a mudanças nas nossas cidades? Por exemplo, o imposto progressivo e a política de moradia popular podem minar o interesse de proprietários de imóveis, enquanto as políticas para promover o transporte vão desafiar o interesse dos motoristas. Para ter uma governança urbana efetiva, nós, enquanto sociedade, devemos superar velhas mentalidades e criar uma nova cultura política.

Você está escrevendo um novo livro sobre gestão urbana na China, Índia e Brasil. Por que a comparação entre estes países? Quais lições que eles podem aprender entre si?

O livro trata da governança urbana em megacidades na China, Índia e Brasil. Uma megacidade é geralmente definida como uma área metropolitana com um população acima de dez milhões de pessoas. O estudo é focado em seis cidades nestes três países: Pequim e Guangzhou, Déli e Mumbai, e São Paulo e Rio de Janeiro.

Eu escolhi estes países porque eles são três dos maiores países em desenvolvimento no mundo. Todos fazem parte dos BRICS e tem grande responsabilidade sobre o futuro do planeta. Todos experimentaram uma rápida urbanização junto com o crescimento. Eles tem problemas em comum, mas mostraram diferentes padrões de reestruturação urbana e de abordagens de políticas urbanas, então a comparação entre os três é importante e oportuna. Vai nos ajudar a entender melhor o processo de política urbana em cada um dos países e ajudá-los a melhorar a qualidade de sua gestão.

Existem muitas lições que estes países podem aprender entre si. Primeiro, com o objetivo de aprimorar a eficácia da administração urbana, a primeira coisa que o governo deveria fazer é melhorar a estrutura governamental. Como uma expressão chinesa diz: “para melhorar o trabalho, é preciso afiar suas ferramentas. É importante mitigar a fragmentação política no governo, como a divisão dentro da prefeitura entre diferentes secretarias, fragmentações no nível metropolitano, e fragmentação política entre os três níveis de governo.

Segundo, é crucial fortalecer o partido no poder. China e Índia são dois opostos nesta perspectiva. Na China, o partido é muito forte na liderança do desenvolvimento urbano e na campanha contra a corrupção; mas na Índia, a fraqueza do partido leva a uma ausência estatal.

Terceiro, a infraestrutura urbana básica é fundamental para a construção de cidades modernas e habitáveis. Isso é mais fácil de falar do que fazer, porque a construção de estruturas urbanas, como linhas de metrô, sistemas de ônibus, rede de esgosto e espaço público leva tempo e resulta na redistribuição dos recursos. Na política eleitoral, a maior preocupação dos políticos é a reeleição, então eles tendem a dar maior prioridade para políticas que poderão render mais votos e gerar efeito mais visíveis no curto prazo. Sem infraestrutura moderna e adequada, uma cidade não pode se tornar uma verdadeira cidade global.

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Humanizar as cidades

    Parabéns ao Aldo Fornaziere e ao GGN pela entrevista. Pena que uma entrevista dessa, de uma estudiosa em urbanismo, que afirma que o prefeito de SP esta indo na boa direção, não é feita por nenhum jornal da velha imprensa. Ficam apenas no flaxflu.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador