Estudo avalia impacto de políticas públicas no combate à “economia do crime”

Ausência de resultados efetivos na redução de homicídios após implementação reforça necessidade de acompanhar políticas de segurança com base em estudos científicos

Efeitos de políticas públicas na taxa de homicídios foram analisados a partir de modelos baseados no conceito de “economia do crime”, corrente de estudos econômicos sobre as causas da criminalidade; segundo esta linha de pesquisa, políticas públicas podem apresentar efeitos negativos sobre a oferta criminal, dissuadindo os ofensores de ingressarem no mercado ilegal – Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil-Fotos Públicas

do Jornal da USP

Estudo avalia impacto de políticas públicas no combate à “economia do crime”

por Júlio Bernardes

Os impactos de duas políticas públicas sobre a taxa de homicídios no Brasil são avaliados em pesquisa da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba. O estudo revela que o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), do governo federal, não foi efetivo em reduzir a taxa de homicídios nos municípios que receberam recursos do programa. E no Estado de São Paulo, a saída de alguns municípios do Programa Escola da Família (PEF), do governo estadual, não influenciou a taxa de homicídios. Os dois programas foram analisados a partir de modelos baseados no conceito de “economia do crime”, uma corrente de estudos econômicos sobre as causas da criminalidade.

“O precursor dessa linha de pesquisa é o professor Gary Becker, da Universidade de Chicago (Estados Unidos), que em 1968 publicou o artigo ‘Crime and Punishment: an Economic Approach’”, conta a economista Talita Egevardt de Castro, autora do trabalho. “Becker desenvolveu um modelo econômico do crime que considera a atividade ilegal como uma atividade econômica, assim como as atividades legais. Nesta atividade, observa a pesquisadora, o “empresário” é o ofensor, que decide racionalmente ofertar o crime, ponderando os custos e benefícios a serem auferidos com a atividade. “As políticas públicas podem apresentar efeitos negativos sobre a oferta criminal, dissuadindo os ofensores de ingressarem no mercado ilegal”, ressalta.

O Pronasci foi lançado pelo governo federal em 20 de agosto de 2007, coordenado pelo Ministério da Justiça. “Com sua diversidade de ações, ele poderia reduzir a criminalidade através de um aumento na probabilidade de apreensão e condenação, reduzindo o retorno esperado com a atividade ilegal e consequentemente, a oferta de crimes”, aponta a economista. “As ações de prevenção e enfrentamento da violência poderiam aumentar o nível educacional, a renda, a coesão social e propiciar melhores oportunidades de trabalho, entre outros fatores, que também poderiam reduzir o retorno esperado com a atividade ilegal, reduzindo a atividade criminal.”

Políticas de segurança precisam estar fundamentadas em estudos científicos, com resultados monitorados durante e após a finalização dos programas, para melhor alocação de recursos públicos, recomenda pesquisadora – Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil-Fotos Públicas

Resultados

Segundo Talita de Castro, a partir da comparação entre os dados dos anos de 2000 e 2010, a pesquisa verificou que o Pronasci não foi efetivo em reduzir a taxa de homicídios dos municípios que receberam recursos para realizar as atividades do programa. A economista recomenda a realização de novas investigações sobre os motivos que levaram ao fracasso do Pronasci em nível nacional, para que políticas públicas com desenho semelhante ou idêntico não cometam os mesmos erros.

O Programa Escola da Família (PEF) foi criado em 23 de agosto de 2003 pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo e instituições parceiras, e instituído pelo governo do Estado em julho de 2004. “Embora não desenvolva ações propriamente de segurança pública, o programa visa a reduzir a vulnerabilidade de crianças e adolescentes com ações socioeducativas, oferecendo atividades aos jovens, familiares e comunidade”, relata Talita. As atividades do programa são realizadas em escolas públicas, nos finais de semana. “Assim, o programa, através de uma melhoria na educação, nas relações interpessoais, redução da desorganização social e do tempo ocioso dos participantes, poderia aumentar o custo de oportunidade do crime, reduzir o retorno esperado da atividade ilegal e, por conseguinte, a criminalidade.”

Em 2007, houve uma redução do PEF e alguns municípios do Estado deixaram o programa. “Os resultados do estudo não sustentam que houve um aumento das taxas de homicídios nestes municípios”, afirma a economista. “Em relação ao PEF, outros estudos podem ser realizados considerando um nível territorial diferente, ou ainda, outros tipos de crimes.”

A especialista recomenda a implementação de políticas de segurança pública fundamentadas em estudos científicos, cujos resultados sejam monitorados, durante e após a finalização dos programas, para uma alocação mais eficiente dos recursos públicos. O trabalho foi orientado pela professora Ana Lúcia Kassouf, da Esalq, e co-orientado pelo professor Marcelo Justus dos Santos, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A pesquisa é descrita na tese de doutorado Políticas de segurança pública no Brasil sob o olhar da Economia do Crime: os casos do Pronasci e Programa Escola da Família, defendida na Esalq em 2019.

Mais informações: e-mail [email protected], com a professora Ana Lúcia Kassouf, e [email protected], com Talita Egevardt de Castro

Redação

1 Comentário

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  1. Arf.
    Enxugando gelo.

    Conclusão do Centro de Estudos Nender, o Tal:
    1) países com maior de desigualdade revelam índices sempre maiores de criminalidade (letalidade) violenta;
    2) países onde houve aumento no emprego de força letal, principalmente nas regiões mais pobres, contra os mercados e redes varejistas de drogas apresentam números maiores de letalidade violente;
    3) países que optaram por policiamento militarizado ou aumento de presença ostensiva nas ruas apresentam maior índice de letalidade violenta;

    Ou seja, qualquer estudo que entenda as polícias e as políticas de segurança pública de forma isolada do contexto distribuição-concentração de renda são, no mínimo, uma imbecilidade que não leva lugar algum.

    O que o estudo não tem coragem de dizer, e nunca terá, é que a letalidade violenta no país é fruto de uma escolha política determinada, isto é, de extermínio extrajudicial praticado, em grande parte, por agentes de estado e outras “entidades terceirizadas”.

    E que esse escolha pode, de forma cíclica, oferecer algumas reduções nos índices gerais de homicídios, na série histórica, como experimentamos agora no país quase todo, e especificamente nas áreas mais conflagradas, como RJ, por outro lado, como uma membrana que se retrai e depois se expande, volta a subir quando os efeitos do terrorismo de Estado são absorvidos pelas comunidades mais pobres e pelos seus personagens marginalizados.

    Tivemos um momento parecido no RJ quando se premiava com valores de até 13.500,00 por cada policial civil e/ou militar dos batalhões e delegacias (AISPs* e RISPs**)para redução dos homicídios.

    Ora, como a maioria dos policiais não mata, mas acaba por “fazer corpo mole” (pelas mais variadas razões, desde medo dos colegas até por acomodação), com dinheiro em jogo, eles optam por “vigiar” com mais rigor, criando um clima adverso ao “bandido bom é bandido morto”.

    Então, novamente é preciso ter cuidado com estes estudos.

    O Pronasci e tantos outros são um fracasso por um motivo simples:

    Não se vence guerra às drogas, não se consegue coibir o consumo em nível individual, logo, teremos mercado de drogas, seja aqui, seja na Islândia.
    É quase impossível desarmar alguém depois que a arma chega em suas mãos, logo, é preciso dar a quem está com um M-16 (AR-15) de 30 ou 40 mil uma ou várias razões para “abandonar esse ativo”.
    Lei com pena muito maior, quem sabe até perpétua, de um lado, e indenização de 50 a 70% do valor de mercado da arma e perdão penal (para o crime de porte/posse ilegal) a quem entregar a arma.

    Precisamos estudar alguma forma de anistia/trégua e reinserção de milhares de jovens que hoje têm no crime de tráfico e outros crimes correlatos (como roubos) uma fonte de renda muito mais estável e rentável que trabalhar e estudar.

    Sem tais medidas, nada adiantará ficar com essa balela que escola, e outros valores seduzirão e/ou dificultarão a escolha pelo crime.

    É isso? Basta ser um gari com doutorado em física quântica?
    Ou advogado para lavar latrina de madame?

    São várias frentes a serem enfrentadas, sim, mas sem renda, sem garantia de perdão judicial, sem mudança nos paradigmas de enfrentamento do problema das drogas como problema sanitário (e não policial), os marginais de hoje continuarão a povoar o imaginário das crianças que convivem com eles.

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