A dupla morte de Francisco, o morador de rua assassinado na Sé

Do Medium

As duas mortes de Francisco

Por Diógenes Júnior, colaboração para os Jornalistas Livres

Francisco é o nome do ser humano assassinado na escadaria da Praça da Sé na tarde do último dia 4, que foi um dos personagens da mais recente tragédia protagonizada pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, tristemente célebre pelo protagonismo em tantas outras tragédias.

Há dez anos morando nas ruas de São Paulo, tinha 61 anos.

Dormia em albergues noturnos, embora tivesse casa e familiares — três filhos — para os quais ligava periodicamente usando telefones públicos.

A filha mais velha relata que não via o pai há mais de dois anos.

Os motivos que levaram o ser humano Francisco a sacrificar sua própria vida na tentativa de salvar outra jamais serão totalmente compreendidos.

O que podemos dizer com absoluta certeza é que Francisco foi condenado à morte várias vezes pela mesma sociedade que tentou defender, sociedade que o tornou invisível.

Herói em um drama humano, deu sua vida para salvar uma cidadã que não conheceu, parte de uma sociedade à qual ele mesmo, Francisco, não pertencia nem jamais pertenceu.

Uma sociedade que o condenou, assassinando-o duas vezes.

Na primeira foi condenado a uma morte lenta e silenciosa, vítima da invisibilidade e da indiferença.

Sua segunda morte teve um fim trágico, rápido, diante dos olhos de uma sociedade que antes não o enxergava.

Francisco se tornou notável pelo gesto heróico, mas todos os seus outros gestos foram solenemente ignorados.

Quem se lembrará amanhã daquele que foi esquecido durante toda sua vida?

Morreu às portas fechadas de uma igreja cujo Deus, segundo a fé cristã, deu sua vida pela vida de toda a humanidade: “Conhecemos o amor (de Cristo) nisto: que Ele deu a sua vida por nós”
(Bíblia Sagrada — primeira carta do Apóstolo João, capítulo 3 versículo 16)

O drama do Francisco outrora anônimo foi a mais recente tragédia assistida ao vivo por uma enorme platéia de pessoas que jamais tomaram conhecimento de sua existência enquanto vivo.

Foi necessário que morresse para que alguém o notasse.

Francisco Erasmo Francisco de Lima é o nome completo do Francisco ontem anônimo, hoje herói.

Que a morte de Francisco possa trazer à reflexão a questão da vida outros tantos Franciscos, condenados à invisibilidade, à indiferença e ao anonimato de uma morte silenciosa, ignorado nas ruas de alguma cidade no Brasil.

*Diógenes Júnior é pesquisador independente, paulistano de nascimento, caiçara de coração e gaúcho por opção. Radicado em Porto Alegre, RS, escreve sobre Política, História, Cinema, Comportamento, Movimentos Sociais, Direitos Humanos e um pouco de um tudo.

Redação

14 Comentários

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  1. E tem mais uma…

    Assisti à reportagem do “Fantástico”, da Globo, no domingo 06, sobre o caso. Entre as imagens e entrevistas com a mulher salva por ele e a ex-mulher e a filha, mencionaram a ficha criminal do sequestrador (que também tinha nome, vejam só! – Luiz Antônio) e do próprio Francisco! Exponho minha indignação: por que expor a ficha criminal de quem também foi vítima (e “herói”, segundo a reportagem)? Por ele ser morador de rua? Se fosse outro que tivesse salvado a mulher, teria também a ficha exposta pelo programa?

      1. E daí, não é mesmo?…

        Se você não percebeu qual a intenção da globo em exibir a ficha criminal da vítima (novamente: dou minha cara a tapa se teriam feito isso com um “não-morador-de-rua”), não sou eu que vou perder tempo em explicar. Don’t feed the trolls…

  2. Piegas

    Texto interessante, mas um tanto quanto piegas. Sua própria narrativa deixa claro que o tal Francisco vivia nas ruas e dormia em albergues por vontade própria.

    1. De fato

      Muitos moradores de rua estão ali pela opção de vida. Essa condição deveria ser colocada no texto e não incorporado o sem teto idealizado do expulso da sociedade. Além disso, caberia analisar porque a Igreja fechou as portas, estaria ali protegendo alguém atrás delas?

    2. Mtas vezes por nao poder pagar passagens. Haja insensibilidade

      A “vontade própria” dele depende de tantas circunstâncias, né mesmo? Mas vc nao tá nem aí.

      1. Anarquismo
        A vontade própria dele dependia somente dele, se ele era civilmente capaz. A nossa também depende somente de nós, apesar das muitas circunstâncias. Ao que consta, ele tinha família e filhos, mas preferia dormir em albergues, e daí?

          1. Circunstâncias

            A que circunstâncias que vc se refere? São tantas, de ordem moral, social, emocional, mental, cultural, econômica, histórica, objetivas e subjetivas, macros e micros, ai, cansei…

          2. Se vc nao é capaz d ver nao vou perder tempo tentando te mostrar

            Chega de papo furado. Fique satisfeito e contente com sua insensibilidade, acreditando talvez que vc conseguiu boas coisas por “mérito”, nada devendo ao fato de ser de classe média para cima, ou, mesmo sendo de família pobre, vir de uma família estruturada. Arre.

  3. Voa Francisco, voa

    Em uma sociedade brutalizada, qualquer forma de heroismo ou de redenção (?) soa incompreensivel, risivel ou, até, “merecida”. 

    Voa, Francisco, liberto que estas de um mundo, onde so aceita a maneira “normativa” de se viver. 

  4. Portas fechadas…

    Somente para reparar um erro.

    As portas foram fechadas após ouvirem os disparos, porque oitenta crianças visitavam o local.

    Imagine se uma destas crianças fosse vítima desta tragédia. Certamente o autor trataria de evidenciar esta gravidade, cujo Cristo disse vinde à mim todas as crianças pois deles é o Reino dos Ceús. Talvez este morador seja uma destas crianças, que a sociedade e somente a sociedade não tomou conta.

     

  5. GGN-NASSIF, na ausência de

    GGN-NASSIF, na ausência de reportagem e notícia factual, está se virando com pregação evangélica canônica e seu método apologético de revelar verdades para cumprir profecias e escrituras divinas, na cruzada político-ideológica paroquial.

  6. Já estamos todos mortos, então vamos amar uns aos outros.

    A morte não é um castigo, é um estado natural. Todos estamos condenados a morrer em breve. 

    Falei em breve, pois a vida é muito breve.

    Então não é castigo de Deus a morte, é consequencia natural de nossas vidas.

    Obviamento que estamos aqui para viver e não para morrer.

    Devemos viver sem violência, mas um copo de vidro quebrando ao chão é violência?

    Assim somos como copos de vidro, de carne, totalmente frágeis.

    Vamos reclamar a Deus por que a porta da Igreja estava fechada?

    Bobagem, as portas estão fechadas é no coração de cada ser-humano.

    E não nas igrejas, o ser humano tem que colocar amor no coração.

    Devemos abrir é nossos corações e todos os dias façamos um gestor de amor

    Como? Sendo educado com o próximo, respeitando, querendo o bem e não desejando mal a ninguém.

    Vamos ser mais humanos conoscos mesmo. Vamos sorrir e querer bem uns aos outros.

    Nossas portas é que estão fechadas, principalmente por conta do dinheiro, da busca pelo prazer,

    pela vida muldana, aqui não é nosso mundo, estamos todos mortos nesse mundo físico.

    Vamos amar as pessoas. Mortos já somos, então,

    vamos aproveitar a vida que Deus ainda nos dá por amor.

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