Por João Paulo Soares, da Rede Brasil Atual
A secretária nacional de Direitos Humanos, ministra Maria do Rosário,
fez ontem críticas duras à falta de atuação do Estado de Goiás no
combate aos grupos de extermínio que desde agosto do ano passado mataram
29 moradores de rua na capital Goiânia, a 200 quilômetros de Brasília,
sem que ninguém até agora tenha sido preso.
Ao pedir a federalização de todo o processo de investigação policial e
judicial sobre as mortes, a ministra acusou, em tom de desabafo, o
aparelho de Estado goiano de “omissão, inoperância ou envolvimento” com
os crimes.
Goiás é governada por Marconi Perillo (PSDB), que foi flagrado pela
Polícia Federal em conversas e negócios comprometedores com o ex-senador
do DEM Demóstenes Torres e o bicheiro Carlinhos Cachoeira. O bicheiro é
acusado, nas operações Vegas e Monte Carlo da PF, de comandar o crime
organizado em torno de máquinas caça-níqueis no país – cuja base seria
justamente Goiás. As investigações vieram a público há um ano. O
senador, que também é de Goiás e lá atuava como promotor público, foi
cassado; o governador foi poupado. No Congresso Nacional, uma CPI foi
instalada para aprofundar as relações políticas e empresariais com o
esquema. A CPI do Cachoeira terminou meses depois sem relatório final e
“abafada”, na grande imprensa, pelo julgamento da Ação Penal 470,
conhecida por mensalão, no mesmo período.
Em nenhum momento, durante o pronunciamento de ontem, Maria do
Rosário citou o nome de Perillo ou o episódio Cachoeira. Mas foi bem
clara em suas afirmações.
“Não basta federalizarmos, neste caso, a investigação. Não se trata
de a Polícia Federal entrar ali para apoio ao estado. Se trata de
verificarmos se em Goiânia e em Goiás nós temos no tecido do estado o
envolvimento de pessoas com o crime. Portanto (…) precisamos que o
inquérito seja federal, que a denúncia seja por parte do Ministério
Público Federal e que o julgamento seja por parte das autoridades
federais”, afirmou a ministra durante entrevista coletiva na sede da
prefeitura de São Paulo, onde esteve para assinar acordos na área de
Direitos Humanos com o prefeito Fernando Haddad (PT).
Ela lembrou que entre os três moradores de rua assassinados em
Goiânia na semana passada havia uma criança de 11 anos. E disse que o
governo da presidenta Dilma Rousseff colocou à disposição do estado e da
prefeitura (governada por Paulo Garcia, do PT) programas federais de
assistência social, saúde e habitação. “Mas isso não basta”, disse.
“É, de um lado, a ausência de política pública, de acolhida e
atendimento [pelo governo de Goiás]; mas, de outro lado, de inoperância
ou envolvimento de agentes do estado com a morte desses moradores que
estão nas ruas, dado o fato de a investigação não levar à
responsabilização de ninguém. Não há ninguém preso, responsável por
esses crimes. Será que a vida de uma pessoa que está nas ruas vale menos
do que a vida de uma outra pessoa? Nós realmente estamos indignados e
mobilizados”, disse Maria do Rosário. “Nós temos criminosos agindo ao
mesmo tempo em que as autoridades [estaduais] fecham os olhos e os
mantêm impunes”.
Segundo a ministra, ela vai solicitar a federalização dos crimes
ainda nesta semana ao procurador geral da República, Roberto Gurgel –
que, por sua vez, é acusado de ter “sentado em cima” por dois anos do
relatório da PF contra Perillo e Demóstenes Torres, no caso Cachoeira.
Maria o Rosário explicou que o pedido é um procedimento formal e adiantou que já teve uma conversa preliminar com Gurgel.
“O que nos resta, como governo federal e como Secretaria de Direitos
Humanos, no dia de hoje, é estarmos peticionando junto ao Ministério
Público Federal para a federalização desses crimes, uma vez que nem a
polícia, nem o ministério público, nem o judiciário do estado de Goiás
demonstram estar à altura da missão que têm de manter a ordem e os
direitos humanos de sua população”, afirmou.
De acordo com ela, além do caso dos moradores de rua, Goiás tem um
histórico de violação dos direitos humanos no “período democrático”. Deu
como exemplo o “número absurdo” de pessoas que teriam desaparecido
depois de serem atendidas pela polícia do estado.
“Então não é natural, não é normal, no estado democrático de direito,
viver ou a inoperância ou a omissão ou uma responsabilidade, também,
que precisa ser esclarecida”.
A federalização se dará pelo instrumento jurídico IDC – Instituto de
Deslocamento Competência. Só houve um caso desses até hoje no Brasil, em
2010, quando o governo federal chamou para si a investigação sobre o
assassinato do ex-vereador Manoel Mattos (PT), ocorrido um ano antes
numa área de divisa entre Pernambuco e Paraíba. Mattos atuava no
enfrentamento a grupos de extermínio nos dois estados.
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