No Candomblé se nasce pra dentro, por Matê da Luz

No Candomblé se nasce pra dentro

por Matê da Luz

Há um ano cheguei em Ubatuba ansiosa pelo momento do encontro com o Orixá. Minha mãe, Iansã, já havia se manifestado em um ocasião no terreiro de um amigo em São Paulo, e esta foi a força de amor mais poderosa que me tocou, quiçá, em toda a vida.

A ansiedade foi dando lugar às experiências e ao aprendizado sobre a cultura da religião, que é estritamente oral e presencial: é necessário estar junto dos acontecimentos da casa de axé, procurar conversas com os mais velhos e abaixar a cabeça em sinal de humildade rotineiramente – é uma prática composta por pessoas e, portanto, existe muita vaidade e competições implícitas e outras nem tanto.

Eis que logo no primeiro xirê, o ritual público do candomblé, minha santa me toma e, na linguagem que nos é particular, bolei no santo. Este momento representa a morte para a vida comum para que o abian, o novato, seja preparado para a feitura, quando então ocorre o nascimento para o orixá. Este procedimento é bastante complexo e cheio de rituais sigilosos e individuais e, também, muito esperado por quem ingressa na religião. Pelo menos por mim… Me emocionei e senti um outro tipo de energia do que quando manifestado o Orixá: aquele momento pautou minha vida desde então, separando, na prática, o joio do trigo, colocando em ordem a cabeça, as emoções, as escolhas e desejos rotineiros para, finalmente, estar pronta para a forte ritualística de encontro com minha mãe Iansã, que tem uma energia tão potente quanto os raios e a tempestade, seus símbolos naturais, assim como o fogo. Fuerte.

Assim, há um ano iniciei uma caminhada que acreditava ser em busca das características desta mãe manifestadas nos itãs, as lendas do candomblé, especialmente nos momentos de tormenta, solo fértil para as filhas de Oyá. Neste movimento todo, que incluiu a mudança de cidade e outras não tão físicas assim, como o amadurecimento de dar conta de mim mesma numa solidão nunca solitária, aprendi que a caminhada em direção ao orixá se dá pra dentro.

“Quando a dúvida chegar, consulte seu coração: é lá que mora seu Orixá”. Esta pérola que, de repente, parece piegas, é a base fundamental do candomblé. Por ser uma religião associada às práticas ritualísticas, os olhos externos costumas colocar o poder de transformação em oferendas, as chamadas macumbas, e, confesso, sairiam decepcionados do encontro com um pai ou mãe de santo sérios. Claro, a manipulação de energia existe nesta religião, mas especialmente existe o pedido de evolução individual e sólida para que sejam alcançados outros patamares dentro da própria prática. Oferta nenhuma para santo algum pode ou consegue alterar padrões de pensamento ou manias, as mazelas que mais atrasam nossa caminhada. Esta mudança depende única e exclusivamente de cada um e, aí sim, conhecer o orixá e se identificar com seus próprios desafios se faz necessário, tanto para saber como superar quanto para saber até onde se pode ir – existe um limite, aqui, no mundo físico que, quando respeitado, promove tamanha calma e tranquilidade que, ufa!, só pode ser magia.

Escreverei bastante sobre este processo aqui, neste tempo de pré-feitura, e peço que aqueles que desejarem deixem suas questões e compartilhem suas próprias experiências dentro daquilo que pode ser contato assim, em público.

Se você não conhece o candomblé, nego, então vá!

 

Mariana A. Nassif

1 Comentário

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  1. ” barco ” de 21 dias

        Vc. terá , se é que já não sabe , a experiência do roncó, será recolhida para renascer, e espero que tenha companheiras (os ) em seu “barco”, serão seus irmãos (ãs ) de nascimento.

         

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