O desmonte do Estado e o imobilismo dos sindicatos, por Wilson Luiz Müller

O serviço público federal está sofrendo o mais pesado ataque de que se tem notícia nas últimas décadas. Mas os sindicatos não reagem.

O desmonte do Estado e o imobilismo dos sindicatos

por Wilson Luiz Müller

O serviço público federal está sofrendo o mais pesado ataque de que se tem notícia nas últimas décadas. Mas os sindicatos não reagem. Os servidores públicos sempre mostraram muita disposição de luta para defender seus direitos. Mas agora estão desmotivados e abatidos. É como se tivessem assumido a culpa pelos males do país; é como se aceitassem como verdade a mentira que os neoliberais lhes jogam na cara todo dia. A apatia que paralisa os servidores vai do medo até a frustração.

Por que acontece isso?

Vários aspectos podem ser relacionados para explicar essa situação:

1 – nos últimos anos houve uma ofensiva neoliberal muito forte na mídia corporativa para justificar o desmonte do Estado. O discurso era monolítico, não havendo espaço para o contraditório;

2 – grande parte dos servidores públicos foi cooptada pela ideologia neoliberal do Estado minimo, por mais paradoxal que isso possa parecer. A adesão a essa ideologia alienígena entre os servidores expressou-se na votação para presidente da república de um candidato que deixava claro seu compromisso com o mercado financeiro; para o setor público, Bolsonaro tinha assumido abertamente que trabalharia para desmontar estruturas típicas da administração pública, como por exemplo, a fiscalização. Apesar disso, muitos dirigentes sindicais do serviço público defenderam essa candidatura.

3 – ao aderirem ao ideário neoliberal, esses servidores passaram a raciocinar como se fossem capitalistas. Passaram a reproduzir o discurso de que o Estado é grande e ineficiente. As elites neoliberais – tendo Bolsonaro e Guedes como seus  operadores – atacam o serviço público. Os servidores cooptados aceitam os ataques, pois assimilaram o discurso de que tem muitas coisas erradas, privilégios e desperdícios, baixa produtividade. Porém, isso sempre acontece em outro órgão, sempre afeta outra categoria a qual eles não pertencem. Por uma dessas mágicas típicas da ideologia dominante, acreditam que nunca serão atingidos pelos ataques do governo; que isso afetará somente outras categorias, que somente os órgãos “incompetentes”, que são os outros, vão ser prejudicados;

4 – a fina flor da elite do serviço público, formada, entre outros, por juízes e procuradores, passou a ter uma remuneração incompatível para as condições de miserabilidade de um país como o Brasil. “Os 16,2 mil juízes em atividade no Brasil ganham, em média, R$ 46 mil mensais, e três em cada quatro recebem mais do que o teto do funcionalismo público, de R$ 39.293 mil.” (Funcionalismo público, as mentiras que a elite te conta – José Álvaro de Lima Cardoso, em Outras Palavras).

5 – com rendimentos, garantias e poder de influência que se assemelham aos das elites empresarariais, esses servidores privilegiados passaram a agir como se eles próprios fossem os capitalistas, preocupados mais com as oscilações da bolsa de valores do que a qualidade dos serviços que a sociedade deles espera. Dessa forma, alinharam seu pensamento e suas ações para ficar em consonância com os propósitos das elites neoliberais que desejam o desmonte do Estado do bem-estar social. Por não mais se identificarem com os servidores públicos – tidos como reles-mortais – passaram a acreditar que o desmonte do Estado não os atinge. Ao contrário, tendo o Estado menos serviços a seu encargo, maior a fatia do orçamento a ser abocanhada. Esse raciocínio é em tudo similar ao das elites empresariais neoliberais, que também querem um Estado que sirva exclusivamente a seus interesses privados.

6  – categorias importantes como a dos auditores fiscais, advogados públicos, etc, por estarem mais próximas do topo da elite privilegiada, tendem a olhar para cima, com a esperança de que isso as afaste da vala comum da absoluta maioria dos servidores públicos, que ganham salários muito baixos, apenas um pouco superiores aos da iniciativa privada;

7 – sindicatos que tiveram papel de destaque em lutas passadas em defesa do serviço público, como por exemplo, o Sindifisco –  Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal – foram, por conta desse cenário, completamente cooptados pela ideologia neoliberal. Passaram a atuar, não para engrossar a resistência de categorias pior remuneradas do serviço público, mas fazendo parceria com movimentos claramente inimigas do serviço público e adeptos do Estado mínimo, como o MBL e o VEM PRA RUA;

8 – muitos dirigentes sindicais passaram a negligenciar as pautas das suas categorias em troca de um discurso genérico de defesa da chamada bandeira de combate à corrupção, a despeito das categorias representadas não terem protagonismo algum nessas ações. Esse discurso artificial – porque vindo de fora – visava uma aproximação (nem que apenas simbólica) com as elites do judiciário e do ministério público, o que por sua vez ajudava a projetar midiaticamente essas lideranças, ajudando-as a se eleger ou a se manter na direção dos sindicatos. No entanto, essa inversão de prioridades é extremamente perniciosa para as categorias representadas, pois nada ganham com isso. Apenas se dividem nessa ação propagandística em favor dos servidores mais privilegiados do serviço público;

9 – os sindicatos representativos do serviço público precisam assimilar o aprendizado do que aconteceu com os trabalhadores da iniciativa privada. Os neoliberais não atacam todos os trabalhadores ao mesmo tempo; mas atacam a todos, cada qual no tempo certo;

10 – enquanto as diversas categorias do serviço público federal não conseguirem se reaglutinar a partir da superação da nefasta ideologia neoliberal incrustada nas direções da maioria dos sindicatos, o governo irá passando a boiada; um após outro, todos os direitos, duramente conquistados ao longo das últimas décadas, serão rapidamente suprimidos. Os únicos que não serão afetados são os militares e as elites privilegiadas que, com suas mil e uma ajudas de custo e penduricalhos, ganham quase o dobro do teto constitucional. Por quê? Porque ajudam o governo a tirar os direitos de todos os outros servidores;

Os desafios são gigantescos. Sem unidade, sem luta, sem a consciência de que todos os servidores não-privilegiados devem se unir na defesa dos seus direitos, estaremos fadados a uma derrota da qual levaremos muito tempo para nos recuperar.

Wilson Luiz Müller – Integrante do Coletivo Auditores Fiscais pela Democracia (AFD)

Redação

7 Comentários

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  1. Isso não é culpa dos sindicatos. Já passou da hora da esquerda admitir o elefante na sala: a culpa é das centenas de milhões de imbecis que tomaram conta do Brazil – até o bozo é inocente disso. Uma coisa é um político de esquerda omitir essa verdade (ele precisa dos votos desse mar de imbecis), outra coisa é o cidadão com mais de dois neurônios negar esse mar de ignorantes apenas pra ficar de boas com os familiares e amigos jegues.

  2. Excelente diagnóstico . Para acabar com o Estado, atacar sindicatos foi golpe duro. Sindicato fraco, servidor fraco e sem voz. Servidor fraco, Estado às traças.
    O mais cruel é saber o fracasso da formação. O próprio servidor nega o Estado. A sociedade que precisa do Estado idem.
    Os juízes redentores… Bom, isso já é outra conversa.

  3. Não são os sindicatos que não reagem, são os funcionários públicos.
    E por que isso ocorre?
    Ora, porque eles são contra o Estado e contra os sindicatos.
    Simples assim.
    Por que?
    Poderia responder, tenho uma hipótese. Mas, como ela entra no julgamento moral, prefiro declinar de apresentá-la.

    Mas, infelizmente eles são um reflexo do Brasil. Ou melhor, são como a maioria dos brasileiros que vão para o abatedouro felizes da vida pensando que vão comer churrasco. Sem se dar conta que eles é que vão virar churrasquinho para os gringos louros e de olhos azuis.
    E o pior é que morremos, sem nos darmos conta de que um louro de olhos azuis é capaz de fazer mal a alguém. Americano é tão bonzinho, né Moro e Dallagnol?

  4. Não tem.nenhum mistério…..grande parte dos servidores é simpatizante do coiso, lembram do servidor na paulista que queria agredir uma petista? Pois é, como ir contra so que vc apóia? Alguns sindicatos chamam para manifestação, e só aparecem uns gatos pingados, retirar direitos dessa turma é como tirar doce de criança…..digo mais, conheço funcionário público que se acha rico e especiail porque ganha uns caraminguas a mais do que a maioria, uma boa parte vive no mundo da lua.

  5. Meu velho camarada Wilson Mueller, tenho acordo contigo na medida em que tua análise recai corretamente sobre a vanguarda, sobre as dreções: uma análise leninista! Mas…..faltou dizer que esta postura neoliberal das novas direções também é consequência do fato de que as velhas direções abandonaram o combate ao longo dos anos. As velhas direções (leia-se: CUT) não ensinaram as novas direções a lutar, pelo contrário, ensinaram a conciliar com o patrão! Taí, deu no que deu! Também estás corretíssimo quando falas da necessidade de unidade, mas…. UNIDADE PRÁ LUTAR! Sem unidade e sem luta, não há saída! Grande abraço! Saudades de ti! Clausmar.

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