O direito de se fazer morrer, por Léo Rosa

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Enviado por Nicolas Timoshenko

do JusBrasil

O direito de se fazer morrer

Léo Rosa 

Terei eu o direito de morrer? Não penso que se possa conceber a negação deste direito a quem quer que seja. Mas, apesar de parecer óbvio o direito de morte, o tema é cercado de tal forma que o direito de morrer não é algo tão pacífico como parece. Quero dizer, se tenho o direito de morrer, tenho, pois, o direito de providenciar a minha própria morte? Não, não o tenho. Ainda que eu não seja punido pela providência, não o tenho, pelo menos segundo a legislação brasileira.

Certos princípios e institutos são considerados fundamentais à possibilidade de existência digna do indivíduo na nossa sociedade. São os chamados direitos da personalidade. São direitos da ordem privada. Tais direitos estão previstos no artigo 5º da Constituição Federal e nos artigos 11 a 21 do Código Civil.

Sobre eu poder dar cabo da minha vida? Algo está previsto? Pode parecer que não, mas, sim, absurdamente, há previsão legal a respeito do assunto, e a previsão é em detrimento da minha liberdade de decidir. Código Civil, Capítulo II, Artigo 13: “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.”

Isso, de contrariar os “bons costumes”, é a margem de manobra entregue à moralidade dominante. Conforme o poder estabelecido, ao talante da formatação ideológica do juiz, os “bons costumes” serão mais ou menos vinculados à mentalidade conservadora. Já a “disposição do próprio corpo” é uma expressão mais objetivável. Portando, pelo menos considerando essa disposição do Código Civil, eu dar cabo da vida do meu corpo importa em diminuir permanentemente a minha integridade física.

A vedação é civil e não há uma pena prevista para o caso de eu subtrair de mim a minha vida. O Código Penal silencia sobre o tema. O suicídio (mesmo na modalidade tentativa) não é um ilícito penal. Contudo, se eu quiser morrer, tenho que me virar por própria conta. Não posso pedir auxílio. Se alguém me ajudar, será alcançado pelo artigo 122 do Código Penal. É crime o induzimento, a instigação ou a assistência ao suicídio. É ilícito acoroçoar a vontade, implantá-la ou colaborar com ela materialmente.

Mas, ora, pode ser dito: se eu desejar morrer, basta eu dar jeito nisso e tudo estará resolvido. Mais ou menos. Fazer-se morrer, em havendo deliberação resolvida de foro íntimo, exige condição física para tanto e um saber fazer, sobretudo se eu desejar fazer-me morrer de forma digna, agasalhada por meios que não me façam padecer fisicamente ou moralmente.

Meu cachorro envelheceu e foi tomado por dores na coluna lombar e nas pernas traseiras. Já não conseguia levantar-se nem para comer. Fui à veterinária pedir socorro em nome da dignidade canina. Ela o fez morrer. Alguém dirá que não somos cães, somos um animal superior. Na ordem da natureza, isso é irrelevante. Mas, como somos cultura e decidimos culturalmente que somos superiores, então, de fato, o somos. Mas, estranhamente, não obstante a superioridade em que nos declaramos, não nos emprestamos uma condição digna de executar a própria morte.

A humanidade inventou valores e os insculpiu em normas. As normas formam um patamar de vida com decência. O Direito declara certas garantias, dignificando a condição de existência humana. Aliás, o Direito já declara e exige até mesmo o tratamento respeitoso aos demais animais que coabitam o nosso mundo. Os valores mais elevados, nós os temos insculpidos na Carta Constitucional. O inciso III do artigo 5º da Constituição prevê que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.

Não obstante a vida ser o valor sem o qual os demais inexistem, muitas vezes as nossas circunstâncias concretas nos deterioram o viver. Em certas situações, nossa vida torna-se degradada. Defendo que se a vida mesma me degrada a existência, eu posso dar fim nela, dando fim a mim. E advogo que tal deve ser feito com a ajuda do saber adequado, que o é o saber médico. Não há qualquer sentido jurídico considerar a eutanásia um homicídio. Homicídio é matar alguém contra a sua vontade. Eutanásia é acudir um humano em seu pedido de morrer com humanidade.

Léo Rosa – Doutor e Mestre em Direito pela UFSC. Especialista em Administração de Empresas e em Economia. Professor da Unisul. Advogado, Psicólogo e Jornalista.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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  1. “O direito de se fazer

    O direito de se fazer morrer, por Léo Rosa

    carma seu nassif… fica frio! nada de incitar dramas rocambolescos a la “o direito de nascer”

    o 2º turno dilma x aécio ainda será no próximo dia 26… até lá muita água vai rolar… ( ou não! )

    carma! muito karma nesta hora: pra tudo dá-se um jeito no tempo just time – se a coisa ficar preta

    por ora, força na peruca! que ainda deixaremos dr. aécio – na carreira – lá atrás comendo pó vermelho…

  2. Passo ao larga da questão

    Passo ao larga da questão jurídica em razão do meu despreparo na área. Fico apenas com a parte filosófica.

    Primeiro indago: o que é a DIGNIDADE HUMANA? De onde parte, qual a base material ou filosófica para avaliarmos que somos especiais na Natureza? Ou esse apelo é apenas uma mera expressão de autocentralidade? Um espasmo prepotente de antropocentrismo? 

    Segundo: se não “pedimos” para nascer, por que devemos “pedir” para morrer? Por que temos que sofrer interdições morais ou materiais para darmos curso ao nosso livre arbítrio? 

    Terceiro: quem tem moral, quem ascende a patamares acima do humano para decidir essas questões? 

    Uma resposta através de um relato: certa vez num debate passado numa TV Gaúcha, o escritor e teísta Percival Puggina argiu que a dignidade proviria da nossa condição de “sermos criados á imagem de Deus”. 

    Eis aí todo o entrave quando tratamos dessa questão de fundo: a derivação para o religioso; para a abstração; para a mais abjeta alienação de nós mesmos. 

    A questão da dignidade humana, em especial quando se refere ao direito que temos de evitar sofrimentos, inevitáveis ou não, não pode virar anátema mesmo no meio onde prevaleça o pensamento religioso ou simplesmente espiritualista.

    A escalada humana já alcançou um patamar tal que é possível, sim, delinearmos ou darmos consequência a esse tipo de dilema. Já sabemos, em termos científicos, até que ponto vale a pena insistirmos em viver, ou seja, o marco a partir do qual resta apenas o sofrimento e a dor. 

    Dignidade humana, por esse aspecto, remete ao DIREITO líquido e certo de dispormos das nossas vidas sem termos que passar por jugos ou filtros moralistas de nenhuma espécie. Cabe-nos incluir no arcabouço do Contrato Social previsões da espécie e não, no que se refere estritamente à àrea civil, ficarmos a reboque de crenças ou preceitos religiosos. 

     

     

    1. “Terceiro: quem tem moral,

      “Terceiro: quem tem moral, quem ascende a patamares acima do humano para decidir essas questões?”:

      No caso em questao, Costa, eu tenho.  E digo “eu” como diria “ela tem” ou voce tem, nao tou sendo egoico.  Qualquer padre ou espirita pode te dizer a mesma coisa -e me refiro aos poucos padres com os quais conversei ainda nos anos 70, eles eram umas feras e se nao me engano os hassidicos pensam assim tambem.

      Nao existe direito nenhum, de ninguem, de chamar essa futura morte de “suicidio”.  A razao eh essa:

      [video:http://www.youtube.com/watch?v=NyR173pp1cU%5D

      Ja assisti um monte de vezes, recomendo, e eh dificilimo assistir por causa da natureza do assunto, que eh o mesmo dos anos 70 ainda.  Sabe porque padre nao da a mao a quem esta na cadeira eletrica?  Porque eh um gesto vazio de conforto e que pode causar mais estragos do que o previsto, eh so alguem ligar a eletricidade nos durantes, nao eh?  Sim, eh verdade, o que hoje eh uma piadinha comecou nos anos 70 -talvez ate antes- como base fisolofica de argumentacao de religiosos que era, no entanto, pan-religioso;  desconheco seu inicio, influencias ou fim, mas eh mais ou menos o que os espiritas pensam hoje tambem ou ate ja pensavam anteriormente, eu nao saberia.

      O assunto da epoca eram os jumpers do Joelma.  O maior problema do filme eh as pessoas que nao aceitam que seu pai pode ter pulado do WTC, e portanto nao vai poder entrar no ceu -nao, isso eh verdade e ta no filme!  Pra pessoas mais atrazadas, pular de um edificio em chamas eh…  eh suicidio!  Exatamente a ideia que estava tentando ser deconstruida e dismantelada no caso do Joelma la nos anos 70!

      Ate hoje?!

      O caso de “morte com hora marcada” eh serio.  Nao se interfere em casos assim, exceto pra gritar “padre, seu burro, larga essa mao agora” ou coisa parecida.  Voce causa mais estrago do que bem.

      E mesmo assim a “morte com hora marcada” acontece.  Ninguem tem direito de colocar uma questao de “propriedade” ou “merecimento do ceu” em casos assim.

      Em minha opiniao, a mulher esta certa (como espirita eu nao teria nem sequer permissao de dizer outra coisa mas meus argumentos sao pan-religiosos e embarcam a maior parte das filosofias religiosas do mundo).  Nao eh uma opiniao vazia de experiencia, claro.  Eu sei o que a espera com tratamento ou sem tratamento, nao da pra a “tirar da cadeira eletrica”.  Mamae morreu com menos de 30 quilos, e Denise tambem.  Isso afeta a familia toda.

      Porque nao fazer o melhor possivel?  Porque ficar presa a hospitais e tratamentos altamente toxicos e que tem efeitos tao serios e duvidosos?  Afinal, o bem tem que ser pros outros ou pra ela?

      Entao, pra mim, a questao de “suicidio” nesse caso em particular ja esta resolvida ha decadas.  Nem toda auto destruicao eh suicidio.

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