Para que serve a Ética?

Por Luiz Claudio Tonchis

A palavra “ética” é fácil de ser dita, mas difícil de ser praticada e compreendida. Sempre a exigimos quanto às atitudes de alguém, e cheios de empáfia reclamamos a sua falta em vários contextos da vida em sociedade, como por exemplo, na política, na religião ou nos relacionamentos interpessoais. O primeiro grande problema da ética é que ela tende a ser sempre terceirizada, ou seja, o problema da falta de ética é sempre problema do outro. Eu? Não! Eu sempre faço a minha parte… É muito comum as pessoas se excluírem quando se trata de uma reflexão ética.

O que se mostra atualmente é que a aplicação concreta dos preceitos da ética está no campo do impossível, é uma utopia, não passa de uma mera abstração e só existe no mundo da intencionalidade. Para muitos, não há como ser ético se o outro não o é. O bem comum não existe. Acreditam que para um “se dar bem” o outro tem que “se dar mal” e que sempre prevalece a lei do mais forte ou daqueles que têm mais poder. Por isso, não ser ético, desprezar a moral seria uma espécie de antídoto diante do comportamento imoral do outro ou da própria sociedade. Na verdade, falta reflexão, falta pensamento crítico, falta entender o que é ética. Esses e outros problemas não excluem a ética – ela será sempre uma referência para um comportamento responsável e consciente, indispensável para a convivência humana. Na ética, essa construção é que está em jogo.

Afinal, qual é a diferença entre moral e ética? Impõem-se aqui algumas definições, consideravelmente abertas e flexíveis, para não engessar desde o princípio esta análise. A etimologia não poderia nos guiar nessa tarefa: os termos ta êthé (em grego, os costumes) e moraes (em latim, hábitos) são semelhantes. Contudo, apesar deste paradoxo que a análise etimológica nos revela, há que se operar uma distinção entre a ética e a moral. A primeira é mais teórica que a segunda, pretende-se mais voltada a uma reflexão sobre os fundamentos da segunda.

Assim, poderíamos dizer que a ética é a reflexão sobre a melhor forma de agir de acordo com as circunstâncias e o contexto, visando o bem comum. Já a moral, está voltada para o cumprimento das regras que a sociedade adota como definindo o que é certo ou errado, o proibido e o permitido, o que pode e o que não pode ser feito. A moral seria o “cumpra-se”. Já a ética é o “pense”.

Pois bem, há uma crise moral e ética nesta modernidade, a qual é muito bem definida pelo pensador contemporâneo Zygmunt Bauman como “modernidade líquida”. Para ele, vivemos em um momento em que a sociabilidade humana experimenta uma transformação que pode ser sintetizada nos seguintes processos: a metamorfose do cidadão, sujeito de direitos, um indivíduo em busca de afirmação no espaço social; a passagem das estruturas de solidariedade coletiva para as de disputa e competição; o enfraquecimento dos sistemas de proteção estatal contra as intempéries da vida, gerando um ambiente de permanente incerteza; a colocação da responsabilidade por eventuais fracassos no plano individual; o fim da perspectiva do planejamento a longo prazo; e o divórcio e a iminente separação total entre poder e política. Tudo isso afeta significativamente o campo da ética e da moral.

Assim, Bauman nos aponta que vivemos num momento em que as referências tradicionais desapareceram, em que não sabemos mais exatamente quais podem ser os fundamentos possíveis de uma teoria ética. Por exemplo, atualmente, o que é que nos permite dizer se uma lei é justa ou se as ações do Poder Judiciário estão sendo cumpridas e executadas adequadamente perante todos? Se as políticas públicas de assistência social, como por exemplo, o bolsa família, as cotas para minorias (negros, pobres, indígenas) são o melhor caminho a ser seguido? Se o modelo de política econômica em voga está condizente com as regras morais e éticas? Além disso, as evidências de corrupção estão cada vez mais explícitas. Não há consenso quanto a estes temas.

De certa forma, essa relatividade interpretativa, subjetiva, desencadeia uma crise de valores e produz um vazio absoluto tanto na moral quanto na ética. Assim, estamos mergulhados nesse niilismo, essa relação com o “nada”, ou seja, um modelo de pensamento e comportamento, recorrente no tempo e no espaço, que nega a existência do absoluto, quer como valor, quer como a própria ética.

O niilismo é um termo empregado por Nietzsche para designar o que considerou como o resultado da decadência européia, a ruína dos valores tradicionais consagrados na civilização ocidental, já no século XIX, que continua cada vez mais forte nesta pós-modernidade. O niilismo caracteriza-se pela descrença generalizada em um futuro ou destino glorioso da civilização, que coloca o futuro da humanidade em dúvida, opondo-se, de certa forma, à ideia de progresso dos valores. Esse conceito nega a crença em um referencial absoluto, que é o fundamento metafísico de todos os valores éticos e sociais da tradição.

O niilismo nietzschiano propõe, no entanto, a busca de novos valores que sejam “afirmativos da vida”, da vontade humana, superando os princípios metafísicos tradicionais e a “moral de rebanho” da religião massificada, os valores das instituições, da elite dominante e de tudo que é determinado num sentido ideológico de dominação e, assim, situando-se “para além do bem e do mal”.

Pois bem, alguns filósofos consideram a moral como “condição suficiente da virtude”. É o caso de Sócrates e Platão, que admitem a maldade como resultado da ignorância. Não basta, porém, conhecer o dever para cumprí-lo, é necessário ainda o esforço da vontade para subordinar a sua própria conduta rumo ao mesmo. Outros filósofos, como Rousseau, concluíram quanto à inutilidade prática da moral como ciência, com a convicção de que bastam “a consciência e as boas inclinações” para conduzir nossos atos ao caminho do bem.

Sem dúvida, nosso senso moral inato pode nos levar a praticar boas ações. Mas é inegável que o conhecimento das normas do dever facilita o seu cumprimento. A ciência moral mostra, com clareza, os princípios que deve orientar nossa conduta e justifica, racionalmente, o dever que devemos cumprir, evitando que nossa ação seja dominada pelas reações instintivas, de revolta pela configuração de mundo em voga, de não ser ético como um instrumento de defesa, ou mesmo, pelos impulsos da afetividade e pelos sofismas da paixão.

Além disso, a aplicação dos valores ou princípios da moral e a ética são complementos indispensáveis para encararmos todos esses problemas do mundo contemporâneo. O progresso, o desenvolvimento das tecnologias, o advento e ascensão dos meios de comunicação digitais e da cultura são supérfluos e até prejudiciais, se paralelamente não melhorarmos o homem e encaminhá-lo, de alguma forma, à pratica do bem. A ciência somente contribui para o engrandecimento do homem e da sociedade como um todo quando os valores morais e a ética estiverem em vista. Por isso, já dizia Sócrates, com razão: “Todas as ciências, sem a ciência do bem, seriam mais nocivas do que úteis”. Assim, devemos repensar o que estamos fazendo com o nosso presente e definirmos um possível futuro onde o bem esteja em pauta. A moral e a ética são os instrumentos para a nova perspectiva de vida melhor em todos os sentidos.

Luiz Claudio Tonchis é Educador e Gestor Escolar, trabalha na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, é bacharel e licenciado em Filosofia, com pós-graduação em Ética pela UNESP e em Gestão Escolar pela UNIARARAS. Atualmente é acadêmico em Pós-Graduação (MBA) pela Universidade Federal Fluminense. Escreve regularmente para blogs, jornais e revistas, contribuindo com artigos em que discute questões ligadas à Política, Educação e Filosofia.

Contato: [email protected]

Redação

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  1. Resumão sobre Ética para ENEM – 2015

    [A ética não é uma lei. Não é imposta pelo Estado. É um conjunto de normas, valores, crenças, hábitos e atitudes adotados voluntariamente – que nós, como sociedade, impomos a nós mesmos. As leis regulam o comportamento de fora para dentro. A ética regula o comportamento de dentro para fora. A ética é algo que você carrega consigo aonde for, para se guiar no que fizer]. 

  2. Adubo Francês

     

    Análise

    Adubo Francês

     

    Análise internacional 23/11/2015

    O POVO online

     

    Manuel Domingos Neto

    Cientista político e pesquisador do Observatório das Nacionalidades

     

    Das numerosas imagens difundidas desde 13 de novembro, a que mais me impregnou foi a da multidão saindo do campo de futebol francês cantando “avante, filhos da pátria, chegou o dia da glória… às armas cidadãos… que o sangue impuro adube nossa terra”.

     

    A Marselhesa foi composta por um oficial, em 1792, para animar os defensores da Revolução ameaçada pela nobreza, que contava com o apoio de austríacos e prussianos. Seu título original era “Canto de Guerra do Exército do Reno”.

     

    Reza a lenda que os marselheses cantaram o hino enquanto marchavam inebriados até Paris, dispostos a matar e morrer. Nada a ver com a cara aparvalhada dos que saíam do campo de futebol, ansiosos em voltar para casa.

     

    Por seu conteúdo revolucionário, o canto guerreiro foi proibido por Napoleão, mas tornar-se-ia hino nacional francês em 1879, quando o Estado francês sonhava em adubar o solo com o impuro sangue germânico.

     

    Não faltou oportunidade à França para chamar à luta os filhos da pátria. Disputando espaços em todos os continentes com outras potências imperialistas, o país esteve sempre em guerra nos últimos séculos. Como é sabido, nenhum Estado mantém domínio sobre sociedades sem derramar sangue.

     

    Que o digam os haitianos, senegaleses, egípcios, tunisianos, argelinos, vietnamitas… Apenas na África, as possessões francesas chegaram a mais vinte. Na Ásia, o imperialismo francês inventou uma “Indochina” e de lá voltaram vergastados e humilhados. O caso ficou nas mãos dos estadunidenses, que depois de matar muita gente também voltaram cabisbaixos para casa.

     

    Contabilizando direito, é fácil concluir que milhões de portadores de sangue impuro adubaram o solo francês desde Napoleão. Nas lutas no continente europeu, nem se fale. Hoje, especialistas discutem as razões pelas quais a França insiste em manter sua agressividade enquanto a Alemanha logra um crescimento econômico superior sem ostentar igual disposição guerreira. Por que Sarkozy e Hollande adotaram o neoconservadorismo norte-americano exatamente quando este passou a ser relativizado por Obama?

     

    A França, como qualquer potência imperialista, não pode viver sem guerrear. Trata-se do terceiro maior fabricante de armamento do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos e a China. Sem derramamento de sangue, a economia francesa estaria em sérios apuros. Teria na verdade que se reinventar, posto que o avanço tecnológico de sua indústria esteve vinculado aos investimentos na pesquisa de interesse militar. Já a Alemanha, em decorrência da derrota de 1945, não ostenta a mesma vinculação.

     

    Os franceses parecem incomodados com a condição de mercadores de armas. A capa do Charlie Hebdo de quarta-feira, dia 18, mentia: “Eles têm as armas, nós, o champanhe”. A França tem as armas e as vende, inclusive aos de sangue impuro, muitos deles bebedores de champanhe.

     

    O Estado francês, nas negociações do Tratado de Versalhes, em 1918, acostumou-se a cobrar caro a deposição de governantes estrangeiros. As sociedades “salvas de déspotas” com armas francesas são posteriormente obrigadas a encomendar à Paris a reconstrução de suas infraestruturas arrasadas, abrir seus mercados e ceder direitos de exploração de suas riquezas naturais.

     

    A declaração do “socialista” François Hollande após os atentados do dia 13 foi patética: “A França está em guerra”. Quem não sabia disso? Os canhões franceses funcionaram sistematicamente nos últimos anos, secundando as armas norte-americanas.

     

    Na verdade, o presidente francês, batendo recordes de impopularidade, vê nos atentados sua derradeira chance de soerguimento, faltando apenas um ano e meio para a conclusão de seu mandato. Hollande quer os poderes excepcionais conferidos pela situação de emergência; quer ser o braço vingador de uma sociedade acuada. Sua proposta de expulsar ativistas com dupla nacionalidade é uma retroação de décadas em matéria de direitos humanos. Tenta roubar bandeiras de Marine Le Pen, que surfa na onda xenofóbica.

     

    Outro ponto em discussão é o da possível falha da inteligência francesa ao não abortar os atentados. Na guerra assimétrica, os líderes religiosos incentivam iniciativas solitárias ou articuladas por pequenos grupos em todos os países ocidentais com histórico de agressão ao mundo islâmico. O governo francês estava, portanto, bem informado de que, ao adubar o solo pátrio jogando bombas sobre muçulmanos, exporia a sociedade francesa a esse tipo de ataque.

    http://www.opovo.com.br/app/opovo/mundo/2015/11/23/noticiasjornalmundo,3538151/adubo-frances.shtml

    1. Para pensar

      Da revista Cult

       

      Judith Butler reflete sobre atentados em Paris

      Filósofa estava na capital francesa quando terroristas do Estado Islâmico atacaram diversos locais da cidadeTAGS: Judith-Butler-Thomas-Karlsson

      A filósofa Judith Butler (Foto: Thomas Karlsson)

       

      Helder Ferreira

      Um dia depois dos atentados terroristas em Paris, sábado dia 14 de novembro, circulava no Facebook um pequeno texto da filósofa Judith Butller sobre o ocorrido. Quem o publicou foi o professor Silvio Pedrosa, que traduziu um comentário enviado por e-mail pela pensadora, que estava em Paris quando tudo aconteceu, para o filósofo francês Eric Alliez.

      Enviamos a Butler um e-mail  com algumas perguntas. Ela, que esteve no Brasil em setembro para participar do I Seminário Queer (organizado pela revista CULT e o Sesc), respondeu prontamente, enviando uma versão ampliada da análise.

      No texto a seguir, a filósofa comenta a cobertura da imprensa sobre os ataques, critica  as medidas tomadas pelo presidente francês François Hollande e aponta para o crescimento da ultra-direita francesa: “Parece que o medo e a raiva poderão se transformar em um feroz apoio ao estado policial”.

       

       

      13.11.15

      Judith Butler
      Tradução: Sofia Nestrovski

       

      Estou em Paris. Ontem à noite, passei por perto do local da matança na rua Beaumarchais. Jantei em um lugar que fica a dez minutos de outro alvo dos ataques. Todos que eu conheço estão bem, mas muitos que eu não conheço estão mortos, traumatizados ou em luto. É escandaloso e terrível. Hoje as ruas estiveram movimentadas de tarde, mas vazias à noite. A manhã acordou inerte. As discussões televisivas que ocorreram imediatamente após os eventos parecem deixar claro que o “estado de emergência”, ainda que temporário, na verdade cria precedente para uma intensificação do estado de segurança. As questões debatidas na televisão incluem a militarização da polícia (de que modo “completar” esse processo), o espaço da liberdade, e a luta contra o “islã”, este último entendido como uma entidade amorfa. Hollande, ao nomear isso como “guerra”, tentou parecer másculo, mas o que chamou atenção foi o aspecto imitativo de sua performance – tornou-se difícil, então, levar seu discurso a sério. E no entanto, é esse agora o bufão que assume o papel de cabeça do exército.

       

      A distinção entre estado e exército se dissolve em um estado de emergência. As pessoas querem ver a polícia, querem uma polícia militarizada para protegê-las. Um desejo perigoso, ainda que compreensível. Muitos são atraídos pelos aspectos beneficentes dos poderes especiais concedidos ao soberano em um estado de emergência, como as corridas gratuitas de táxi na noite de ontem para qualquer um que precisasse voltar para casa, e a abertura dos hospitais para todos que foram atingidos. Não há toque de recolher instaurado, mas os serviços públicos foram reduzidos e as manifestações, proibidas – inclusive os “rassemblements” (encontros) para lamentar os mortos foram considerados ilegais. Compareci a um desses encontros na Place de la République, onde a polícia reiterou que todos deviam se dispersar, e poucos obedeceram. Nisso vi um breve momento de esperança.

       

      Os que comentam os eventos buscando distinguir as diferentes comunidades muçulmanas, com suas diversidades de posição política, são acusados de procurarem “nuances”: o inimigo precisa ser total e uno para ser aniquilado, e as diferenças entre muçulmanos, jihadistas e o Estado Islâmico vão ficando mais difíceis de discernir nos discursos públicos. Mesmo antes do ISIS assumir a responsabilidade pelos ataques, muitos já apontavam o dedo, com total certeza, ao Estado Islâmico. Pessoalmente, achei interessante que Hollande tenha proclamado três dias de luto oficial ao mesmo tempo em que intensificou os controles de segurança, algo que traz um modo a mais de interpretar o título do livro de Gillian Rose, “Mourning becomes the law”(O luto torna-se lei). Estaríamos vivendo um momento de luto ou uma submissão a um poder de estado cada vez mais militarizado, de suspensão da democracia? De que maneira esse modelo de estado se instaura com maior facilidade quando é vendido em nome do luto? Serão três dias de luto público, mas o estado de emergência poderá se estender por até 12 dias até que seja necessária sua aprovação em assembleia nacional. E ainda, a explicação do estado é de que é preciso restringir liberdades a fim de defender a liberdade – um paradoxo que não perturba os doutos comentaristas da televisão. De fato, os atentados foram evidentemente direcionados a locais emblemáticos da circulação livre e cotidiana na França: o café, a casa de shows, o estádio de futebol. Na casa de shows, aparentemente, um dos assassinos responsáveis pelas 89 mortes violentas acusou a França de ter falhado na intervenção na Síria (contra o regime de Assad), e o Ocidente, pela intervenção no Iraque (contra o regime baathista). Não se trata, portanto, de um posicionamento (se é que podemos chamá-lo assim) totalmente contrário à intervenção ocidental em si.

       

      Há, ainda, uma política dos nomes: ISIS, ISIL, Daesh. A França recusa-se a dizer “état islamique” para não reconhecer sua existência enquanto estado. Querem manter o termo “Daesh”, palavra árabe que não é acolhida pela língua francesa. Nesse meio tempo, foi essa a organização que assumiu a responsabilidade pelos ataques, afirmando que se tratava de uma retaliação pelo bombardeio que matou muçulmanos em território do califado. A escolha de um show de rock como alvo de ataque – como cenário para os assassinatos, na verdade – recebeu a justificativa de que ali seria um local de “idolatria”, de um “festival de perversão”. Eu me pergunto onde eles encontraram o termo “perversão” – parece que estiveram lendo uma bibliografia de outra área.

       

      Os candidatos à presidência já chegaram com suas opiniões: Sarkozy agora está propondo campos de detenção, afirmando ser necessário prender qualquer um suspeito de ter ligações com jihadistas. E Le Pen advoga pela “expulsão”, ela que há pouco chamou de “bactérias” os novos imigrantes. É bem possível que a França consolide sua guerra nacionalista contra os imigrantes a partir do fato de que um dos assassinos claramente entrou no país pela Grécia. Minha aposta é de que será importante acompanhar o discurso sobre a liberdade nos próximos dias e semanas, pois irá trazer implicações para o estado de segurança e o achatamento das versões de democracia que temos diante de nós. Uma liberdade é atacada pelo inimigo; outra é restringida pelo estado, que defende o discurso do “ataque à liberdade” pelo inimigo como um ataque à essência do que é a França, mas suspende a liberdade de reunir-se (o “direito à manifestação”) em meio ao luto, e prepara uma militarização ainda maior da polícia.

       

      A questão principal parece ser: qual vertente da extrema direita prevalecerá nas próximas eleições? E o que será a “direita tolerável” quando Marine le Pen for considerada de “centro”? São tempos assustadores, tristes e preocupantes, mas há a esperança de que ainda somos capazes de pensar, falar e agir em meio a tudo isso. O processo de luto parece ter sido totalmente restringido dentro do território nacional. Praticamente não se fala dos quase 50 mortos em Beirute no dia anterior, tampouco dos 111 mortos na Palestina apenas nessas últimas semanas. A maioria das pessoas que eu conheço dizem que estão em um “impasse”, incapazes de pensar a fundo sobre a situação. Uma das maneiras de pensar sobre ela talvez venha com a invenção de um conceito de luto transversal – de considerar como a métrica do lamento se dá, como e por que os assassinatos no café me comovem de modo mais intenso que os ataques ocorridos em outros locais. Parece que o medo e a raiva poderão se transformar em um feroz apoio ao estado policial. Talvez seja por isso que prefiro aqueles que dizem estar em um impasse: significa que levarão um certo tempo para pensar a situação. É difícil pensar no espanto. É preciso ter tempo, e ter companhia para atravessar esse tempo – há, talvez, espaço para que isso se dê em um “rassemblement” não autorizado.

       

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