Sem pressa para a questão indígena, por Rui Daher

Da Carta Capital

Sem pressa para a questão indígena
 
Segundo o ministro José Eduardo Cardozo, a demarcação de terras “não é uma questão de tempo, é uma questão de cuidado”. Talvez, nós, caras-pálidas, pensássemos ser.
 
por Rui Daher 

Pego hoje a pá e volto a escavar em terras indígenas, que demarcadas deveriam estar, embora o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, diz não ser essa “uma situação tão simples”.

Talvez, nós, caras-pálidas, pensásse1mos ser.

Aduz o ministro: “Não é uma questão de tempo, é uma questão de cuidado”.

Entendo. Loja de cristais mantida por dívida histórica, apropriações indébitas oficializadas em cartórios, barafundas da expansão agropecuária, sem que parte da sociedade e as três instâncias executivas de governo atentassem ao disposto em Lei de 1973, artigo 231 da Constituição de 1988 e Decreto-Lei de 1996.

Que eu saiba, estamos em 2014. Sem pressa.

Num ponto há que se concordar com o ministro: dá medo meter a mão em vespeiros políticos. A ferroada pode ser doída.

O Conselho Indigenista Missionário (CIMI), junto com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) na mira da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) e de seus representados na Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, acaba de entregar ao papa Francisco documento mostrando violações aos direitos indígenas no Brasil.

No Congresso, força-se a aprovação da PEC 215, que passa do Executivo para o Legislativo o comando sobre a demarcação de terras. Algo como dar à raposa a guarda do galinheiro.

O foco principal da disputa é a posse de terras valiosas da União, que demarcadas viram usufruto exclusivo de índios, o que não impede a cobiça da especulação imobiliária de garimpeiros, madeireiros, ou até grandes projetos públicos e privados de mineração e energia hídrica.

A argumentação ruralista usa dado do IBGE mostrando 13% do território nacional reservados aos índios. Muito, pois esquecem que 98,5% dessas terras estão na Amazônia Legal.

Entre 2007 e 2010, o Instituto de Terras do Pará fez mapeamento das terras públicas do estado, concluindo pelo cancelamento de 10 mil títulos de propriedade, num total de 500 milhões de hectares.

A área total do Pará é de 125 milhões de hectares. Realismo mágico na Federação de Corporações, certo?

Apesar da precaução ministerial, muitos não veem assim tão difíceis as questões em que a queda de braço fica mais brava.

Produtores rurais dizem ter recebido as terras do governo, de papel passado, apenas Deus não tendo assinado abaixo, como queria Vinícius de Moraes.

Acrescentam ser muita terra pra poucos índios, que nada fazem com elas, na espera de conquistarem celular, moto e, provavelmente, rituais de música e dança ostentação.

Do outro lado, partidos políticos de esquerda e ONGs dedicadas aos direitos ambientais e de minorias acusam a produção agropecuária de ter invadido áreas constitucionalmente pertencentes aos índios.

Em sua coluna na Folha de São Paulo, “Cidadania, e não apito!”, comemorando o Dia do Índio, a presidente da CNA, argumentou:

“Se o problema consiste em terras, que [elas] sejam compradas a preços de mercado. Far-se-ia justiça aos indígenas injustiçados, sem que outra injustiça fosse cometida, expropriando terras de produtores rurais que as compraram legitimamente. Possuem títulos de propriedade que remontam há décadas, se não séculos”.

Parece razoável. Sem dúvida, a solução é demarcação urgente e indenização justa, o que inclui benfeitorias porventura feitas. Aliviaria a tensão nos 1,5% das terras fora da Amazônia Legal, onde vivem 300 mil indígenas.

Bastam recursos bem alocados, reforma na gestão da FUNAI, e firme decisão política.

O que se percebe difícil, no entanto, até fora de cogitação, é estender à sociedade compreensão histórica, sociológica e antropológica para o fato de que estas terras já estavam povoadas antes do aporte colonizador.

Andando um pouco mais, deveríamos entender o valor de se incorporar ao patrimônio do país tais diversidades multicultural e étnica. O mesmo que, na Ciência da Vida, representa a mais rica biodiversidade do planeta, há séculos sendo destruída ou dada de mãos beijadas.

Somente um projeto educacional amplo, que ensinasse os valores protetivos representados na sobrevivência dos índios, em características culturais inatas, mesmo quando em transformação pelo contato com civilizações não tribais.

Índios frequentando universidades, usando calças jeans, andando de motos, falando ao celular, ou preferindo uísque ao cauim, meus senhores, continuam sendo índios.

Talvez por isso, em sua coluna aqui citada, Kátia Abreu, diz orgulhosa: “Minha homenagem pessoal aos povos indígenas eu fiz a cada nascimento de meus três filhos, que, não por acaso, chamam-se Irajá, Iratã e Iana”.

Viram como poderia ser lindo?

 

13 Comentários

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  1. Só querem que fiquem alguns nomes indígenas…

    “A cidade plantou no coração tantos nomes de quem morreu” -Trecho da letra, de Márcio Borges. Pra quem não sabe, as ruas mais centrais de BH têm nomes de tribos indígenas brasileiras, paralelas entre si e perpendiculares quanto às ruas com nomes dos estados do Brasil.

    [video:http://www.youtube.com/watch?v=YnZhthZLHkY%5D

     

  2. Ïndio não dá voto, Rui. Muito

    Ïndio não dá voto, Rui. Muito pelo contrário, os tira. E, diferentemente da CIMI, o PT, o PSDB e outras m*s por aí, não fazem política para promover cidadania, direitos e outras bobagens. Fazem política para ganhar eleições e administrar orçamentos.

    1. Aí está a razão da falta de pressa:

      “Fazem política para ganhar eleições e administrar orçamentos”.

      Por esse motivo, o pt não tem nenhuma pressa em deixar o poder, o negócio é alargar a base política, fazer aliança com a “cumpanhera” Kátia Abreu e outros setores “progressistas” do latifúndio, do agronegócio e das multinacionais envenenadoras; deixar na estrada índios e sem terras, um pessoal que não tem votos no congresso, horário de televisão e não contribui para caixa dois eleitoral. A realpolitik é sempre uma política de direita, mesmo quando praticado pela “esquerda”.

  3. Um dos poucos que ainda luta

    Um dos poucos que ainda luta com afinco pelos direitos indígenas é o Deputado do PSOl Ivan Valente. Ele tem ennfrentado com valentia a bancada ruralista também pedindo a PEC contra o trabalho escravo (que os ruralistas barraram) , e lutou também contra o novo código florestal (?) que autorizava desmate de 50% da Amazônia, mas perdeu também para os ruralistas, por serem em maior número.

    Os ruralistas, na maioria do PMDB, mandam no PT, então nada a estranhar que o Ministro da Justiça, nomeado pelo PT tenha medo de tomar decisões que irritem os ruralistas da base aliada.

    Enquanto isto as decisões relativas aos indios vão para o legislativo, onde os ruralistas vencem sempre por maioria.

    Agora a pergunta: O PSOL está errado em não fazer alianças com qualquer partido? Em ser seletivo?

     

    Ou a gente pula para um lado do muro ou pula para o outro. Em cima ninguém fica.

     

    Já o PT não pode escolher mais com relação a estes temas, pois se aliou aos ruralistas do PMDB, em nome da governabilidade, e só pode fazer vista grossa com relação à questões indígenas, para não irritar seus “aliados”.

    1. Infelizemente, algumas coisas

      Infelizemente, algumas coisas são mais complicadas… O PSOL faz, sim, alianças com qualquer partido. Macapá: aliança com o DEM e beija-mao pro SArney (PMDB. No Rio, Freixo faz acordo com GArotinho para salvar a unica prefeitura do PSOL. Nao é exatamente um exemplo de seletividade.  Sim, talvez seja correto dizer que o PSOL nao faz aliança com ‘qualquer partido”. Nao faz com o PT. Quando houve segundo turno com candidato do PSOL, o PT o apoiou. O inverso nunca ocorre. Em S.Paulo, aliás, o chefe do PSOLdeclarou voto no Serra. O jogo é muito mais complicado. Talvez por isso o PSOL tenha votado junto com o PSDB e o DEM, em S.Paulo, para impedir o IPTU progressivo. Na hora H, o jogo é mais complicado…

  4. “Índios frequentando

    “Índios frequentando universidades, usando calças jeans, andando de motos, falando ao celular, ou preferindo uísque ao cauim, meus senhores, continuam sendo índios”.

    Este ponto eu discordo. Pra mim é descendente de índio. O fato que caracterizaria, em minha opinião, a pessoa ser um índio é justamente não ter a cultura ocidental padrão, e sim o modo de vida peculiar inato dos indígenas.

    Não tenho absolutamente nenhum apreço pela “companheira” Kátia Abreu, (ela é um membro da base de apoio do governo, é bom lembrar), mas índio andando de caminhonente, com jeans, cigarro, e que tais, sinceramente, pra mim não dá.

    Ele possui todos os direitos de qualquer cidadão, mas o índio que ali algum dia existiu, naquela região ou sendo seu ancestral, já não existe mais. Ele já esta imerso em nossa cultura, e não na de seu povo.

    1. Doney

      Seu comentário é como se, com o processo de globalização, franceses não fossem mais franceses, americanos não fossem mais americanos…

    2. Doney,

      Por que os “brancos” (sejam eslavos, latinos, escandinanos, o que sejam; sejam russos, ucranianos, italianos, portugueses, suecos, dinamarqueses, o que sejam) vivem de modo muito diferente do que viviam há mil anos, e os índios têm que viver do mesmo modo que viviam há mil anos? Não tem essa. Índio é quem se reconhece como índio e é reconhecido por outros de seu povo como índio. Ponto. Tenho amigo maxacali que estuda medicina numa universidade federal (e custou a entrar porque não sabia português direito) que não é menos maxacali por isso. Provavelmente vai voltar pra sua aldeia e ser médico lá: brasileiro e maxacali, assim como um sueco é escandinavo, e há muitos séculos era um guerreiro viking. Sacou?

  5. Bobagem e Demagogia nossa, Esperteza de fora

    Para mim o Índio acabou, a não ser num Parque Temático, para gente de fora vir a conhecer como eram os antigos habitantes da América do Sul. O mundo evoluiu. Os meus ancestrais quem sabe já foram bárbaros, provavelmente hunos, que caíram na Europa no século IV e que praticamente acabaram com o Império Romano de Ocidente. Esses visigodos, ostrogodos, eslavos e outros, são hoje os civilizados habitantes da Europa.

    Resisto-me a pensar no índio como se fosse um ser menos evoluído, algo entre um macaco e um ser humano, que há que tratar como menino retardado. Os índios da América do sul já tiveram 500 anos para se adaptar e evoluir. “Brincar de índio” agora só caipira alienado ouvindo canto de sereia do exterior; esperto que quer benesses do Governo; ou para dançar com música da Xuxa.

    Ainda, o mundo global gosta de manter estas reservas de mercado no terceiro mundo, depois que não sobrou nenhum “índio” de lá para contar a história. Anos atrás, a cena do cacique Raoni falando “ingrés” com o Governo de Inglaterra (levado pelo Sting) foi demais, e demonstra como o povo de fora quer a ruptura da nação brasileira caminho à internacionalização da Amazônia.

     

    1. Alexis,

      Leia o que escrevi abaixo, por favor. Nenhum povo, nem o “branco”, se mantém como era há duzentos, quinhentos, mil anos atrás. Nem é esse o objetivo dos índios e dos que defendem seu direito à existência, seu direito de não ter suas terras roubadas por latifundíários e madeireiros brasileiros, ou por grandes empresas estrangeiras, que pra seu governo já estão na Amazônia há muito tempo, como as mineradoras. Os índios têm direito de não serem assassinados, direito à sua cultura tradicional e aos novos hábitos culturais, se assim quiserem. E o Estado brasileiro deve ajudá-los, por serem geralmente desvalidos. Vide principalmente a situação dos guarani, principalmente do MS: cercados por grandes fazendas cujas monoculturas envenenam os rios, vivendo à beira de estradas, na miséria, assassinados e suicidas.

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