Série Riocentro: Novas provas, busca por suspeitos e dificuldades

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – “Toda transição é diferente. Todavia, não importa onde se concretize, a verdadeira justiça de transição só se realiza quando traz justiça para as vítimas”. Essa é a abertura do relatório do Grupo de Trabalho Justiça de Transição, criado pelo Ministério Público Federal para investigar os crimes da ditadura militar. Um dos braços fortes de atuação está no Rio de Janeiro, onde vem desenvolvendo um meticuloso trabalho com esse impulso: trazer a verdade e promover a justiça sobre o caso Riocentro. (anexo 1)

Depois de conversar com Procuradores da República e do acesso a documentos de investigação do MPF, o Jornal GGN traz com exclusividade detalhes da luta diária por provas e dos bastidores, até que o GT do Rio de Janeiro conseguisse reabrir e recontar uma história guardada há 33 anos, e intocada há 15.

Leia, na primeira reportagem da Série Riocentro: O trabalho incansável do Ministério Público Federal, como ocorreu a reabertura do caso, as investigações anteriores e os primeiros passos do grupo.

Na segunda matéria, contamos detalhes da metodologia investigativa, com o uso indispensável de livros, fotografias e bancos de dados, até como os procuradores enfrentaram a resistência das Forças Armadas para conseguir documentos.

A seguir, entenda como o grupo conseguiu chegar aos suspeitos, depois de identificar os codinomes e nomes de Guerra, acompanhe casos de depoimentos que foram decisivos e o trabalho dos procuradores, que ainda não terminou.

Segundo passo: com nomes verdadeiros, identificar pessoas

Interior do carro com a explosãoEm muitos casos existiam homônimos. Para solucionar esse problema, foi necessário acessar bancos de dados eletrônicos de investigação. Como exemplo, um procurador citou que, descobrindo que o nome era Patricia dos Santos, apareceria milhares no registro eletrônico. Era preciso descobrir se era Patricia dos Santos Cardoso, ou Lima, explicou o procurador.

E, para tanto, havia necessidade de se voltar ao almanaque da BibliEx, ou descobrir por informações documentais das Forças Armadas. A partir daí, restando alguns homônimos, eles comunicavam todas as Patricia dos Santos Cardoso, por exemplo, chamavam testemunhas que teriam visto o investigado, e mostravam cada uma das suspeitas. Isso também era feito por reconhecimento fotográfico.

A dificuldade de se revelar algumas pessoas prejudicou as investigações em diversos momentos. Em um deles, o grupo perseguiu uma pessoa conhecida como doutor Sidney.

O fato repercutido na época é sobre um amigo do capitão Wilson, que estava ferido no hospital, e que, a pedido da família, foi visitá-lo para tentar obter mais informações. Mas nem a família, nem o capitão Wilson conseguiram acesso ao hospital, sendo blindados pelo Exército.

Na busca pelas informações, a família pediu a outro amigo deles de escola militar, para ir ao hospital tentar descobrir sobre a saúde dele. Mas na porta do hospital Miguel Couto havia uma concentração de jornalistas, e um deles apontou para esse amigo dizendo: “esse é o doutor Sidney do DOI”. Nas capas dos jornais, o sujeito saiu como se fosse o doutor Sidnei.

Capitão Wilson no hospital

Os fatos foram divulgados de forma errada e atrapalharam as investigações. De acordo com os procuradores, o investigado não era referido como doutor Sidney, inclusive na agenda do Molinas, era indicado pelo nome incompleto e pelo o nome de Guerra. Ao contrário dos outros militares da investigação, ele não era do DOI, nunca foi de órgão de inteligência, e quando perguntavam para as testemunhas quem era o doutor Sidney, ninguém se lembrava do seu codinome. Por isso, até hoje, os procuradores não sabem se o doutor Sidnei existiu.

Instrumento 4: depoimentos

Para o caso do Riocentro foram feitas 44 oitivas, sendo 42 usadas na ação penal acatada pela Justiça e duas não utilizadas. Não é possível afirmar quantas oitivas foram necessárias para revelar cada um dos nomes, porque – como mostrado – vários foram os instrumentos para a investigação.

As provas foram sendo descobertas à medida que novos fatos apareciam, uma prova guiando a outra. E a revelação de novos nomes levava à intimação dessas pessoas para depor. Depoimentos que foram decisivos e reveladores.

Ao depor, um dos acusados, Divany Barros, cujo codinome era doutor Áureo, confessou para o MPF que havia suprimido documentos que tinham desaparecido até 1999, outros até hoje. A informação inicial veio da agenda do Molinas, que dizia que o doutor Áureo estava com a documentação recolhida no local. E foi por outros depoimentos que descobriram que o codinome era do major Barros.

Enterro do Sargento Guilherme

Também foi em depoimento que a viúva de Guilherme Pereira do Rosário, a senhora Suely, revelou informações novas, não confessadas nas intimações anteriores, dos inquéritos de 1988 e de 1999. Suely disse que foi ameaçada de morte dentro de sua própria casa, e que, depois da morte de seu marido, militares entraram na sua casa e queimaram documentos.

No áudio do depoimento, Suely conta que nunca tinha falado sobre isso porque tinha medo, era mãe sozinha de dois filhos e que sentiu receio de contar qualquer coisa. Ao contrário do ambiente que o Ministério Público passava de segurança a ela, no segundo inquérito do Exército era uma sala grande, com pessoas entrando e saindo, sem a devida atenção e preparo para as suas delações.

Trabalho pela frente

Depois de dois anos incansáveis de buscas e investigações, a denúncia dos cinco militares e do delegado ainda não significou um fim. Muitos dados ainda precisam ser esclarecidos e mais nomes revelados e, consecutivamente, levados à Justiça.

No mesmo dia em que um dos procuradores conversou com o Jornal GGN, novos documentos chegaram à sede do MPF-RJ e estavam sendo apurados. Entretanto, os procuradores são impedidos de informar qualquer dado, ainda nesse momento de investigação, podendo atrapalhar o processo.

Mas alguns indicativos estão presentes, tanto nas notas de rodapés da denúncia enviada, quanto nos áudios das testemunhas. Um desses fatos a ser esclarecido é que Newton Cruz poderia ter conhecimento do atentado no Riocentro um mês antes, ao mesmo tempo em que o chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações), Octávio Medeiros, e o então presidente Figueiredo – fatos comprovados nos áudios enviados pelo STM.

Outra investigação que tramita é de casos de explosão de bombas paralelos. O que teve vítima fatal – a morte de Lyda Monteiro – na sede da OAB, também no Rio de Janeiro, é uma investigação conexa a do Riocentro. Por serem atentados orquestrados, o MPF acredita que identificar determinadas pessoas do caso Riocentro pode ajudar diretamente neste último caso também.

Também ainda estão em curso as delações premiadas e a solicitação na Justiça pelo MPF de documentos e áudios arquivados no Superior Tribunal Militar.

Muito trabalho, pouca mão

Diante de tantas barreiras e dificuldades, o trabalho realizado pelo Grupo de Transição do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro parece exigir uma equipe e estrutura grandes. Mas a o GT conta com um secretário, o procurador da republica, um analista processual e dois estagiários, apenas.

Além disso, o compromisso da investigação do Riocentro foi um adendo a tudo mais que o gabinete investiga diariamente – entre crimes financeiros, lavagem de dinheiro, mercado de capitais, crimes de colarinho branco, operações policiais, casos que envolvem desde indígenas a grandes empresários, tráfico de drogas, renegação de imposto, tentativa de golpe com falso documento, e a lista é sem fim.

Em comprometimento ao ideal de que “a verdadeira justiça de transição só se realiza quando traz justiça para as vítimas”, os procuradores têm que aliar à todas as dificuldades, o cansaço mental, custo pessoal de trabalhar aos fins de semana, viagens, ouvir testemunhas fora do Rio de Janeiro, em um cenário de quase 100 investigações só de ditadura militar.

No final, com a denúncia redigida, com os dois anos de sufoco em pouco mais de cem páginas, o desgaste é compensado quando a Justiça aceita a ação, e a Transição se vê concretizada.

***

Anexo 1: Série Relatórios de Atuação – Grupo de Trabalho Justiça de Transição – Atividades de Persecução Penal desenvolvidas pelo Ministério Público Federal) 2011-2013
 
Anexo 2: Manifestação anexa da denúncia dos cinco militares e um delegado pelo Ministério Público Federal à Justiça
 
Anexo 3: Áudio do Depoimento de Suely José do Rosario

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