Sobre programas secretos de vigilância e repressão antifascista
por Fábio de Oliveira Ribeiro
“Não posso confirmar, nem negar a existência…” do programa governamental secreto de vigilância e repressão aos intelectuais e servidores públicos classificados como antifascistas. A resposta que o Ministro da Justiça deu à Globo News não é apenas ambígua. Ela é potencialmente criminosa.
A Constituição Cidadã garante a liberdade de consciência, proíbe a censura e garante expressamente a privacidade dos cidadãos. O Estado não pode monitorar quem quer que seja por razões ideológicas.
O Sistema de Justiça brasileiro pós-1988 não foi desenhado para a perseguição de pessoas, mas para a investigação de fatos definidos de maneira precisa como criminosos. As faltas cometidas pelos servidores públicos devem ser investigadas de maneira específica através de processos administrativos, garantido o direito de defesa. Em razão das garantias enunciadas na Constituição Cidadã, não há e não pode haver uma lei criminalizando a ideologia de uma pessoa.
No Brasil, os intelectuais são absolutamente livres para produzir conhecimento sem se preocupar se o resultado do seu trabalho vai ou não agradar o governante ou um partido político. O que os servidores públicos fazem durante o trabalho está sujeito às normas do direito administrativo. O que eles fizerem fora de expediente somente provocará consequências funcionais se existirem normas específicas proibindo de maneira específica a conduta dele.
Os três exemplos mais comuns de limitações expressas à conduta de servidores públicos fora do trabalho são:
-o juiz deve manter uma conduta irrepreensível na vida particular (art. 35, inciso VIII, da Lei Orgânica da Magistratura);
– militares não podem ser sindicalizados ou fazer greve (art. 142, §3º inciso IV, da CF/88);
– os policiais militares estão sujeitos às mesmas restrições impostas aos militares quanto à greve e sindicalização (art. 42, §1º, da CF/88).
A Constituição Cidadã faz uma evidente distinção entre conduta e consciência. Essas limitações dizem respeito expressamente à conduta dos servidores e não às opiniões pessoais deles. Portanto, nenhum militar ou policial pode ser obrigados a odiar os sindicatos e/ou os sindicalistas. Mesmo pessoalmente impedidos de fazer greves, policiais e militares não estão impedidos de manifestar apoio privado a movimentos grevistas organizados por trabalhadores. Ao fazer isso fora do trabalho eles não comprometem as instituições a que pertencem.
Essas são questões jurídicas absolutamente triviais que nenhum Ministro da Justiça deveria ignorar. Afinal, o Ministério da Justiça é um órgão estatal e sua atuação é limitada de maneira inequívoca pelos princípios da legalidade, publicidade impessoalidade (art. 37, caput, da CF/88). André Mendonça não pode transformar a pasta que comanda num puxadinho ideológico do presidente da república. Portanto, ao ser perguntado sobre a existência de um programa governamental secreto de vigilância e repressão aos intelectuais e servidores públicos classificados como antifascistas a resposta do Ministro da Justiça deveria ser precisa.
Eis aqui um exemplo de resposta adequada:
“Vou investigar essa denúncia. Caso exista, esse programa deve ser imediatamente interrompido porque é ilegal. Qualquer autoridade envolvida na sua criação, gestão ou tentativa de legitimação pode ser acusado de abuso de poder.”
Outra resposta adequada seria:
“O monitoramento ideológico de intelectuais e servidores públicos é ilegal. Essa denúncia é falsa. O governo não tem e não pode ter inimigos internos; ele cumpre fielmente o que está prescrito na Constituição Cidadã.”
Ao tentar contornar a pergunta do jornalista, André Mendonça se colocou fora da Lei ou acima dela. A carreira dele no Ministério da Justiça começou mal. Se tentar legitimar perseguições injustas com base em critérios ideológicos ele terá que ser pessoalmente responsabilizado pelos seus atos.
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