A aposta numa cidade inviável

Enquanto o prefeito Fernando Haddad aposta no adensamento das regiões centrais da cidade, a especulação imobiliária avança em sentido oposto. Cria grandes “ilhas urbanas” que só contribuirão para o aumento das centenas de quilômetros de congestionamento que ocorrem na cidade durante várias horas do dia. O planejamento das incorporadoras e dos grupos associados à elas escolhem grandes áreas, contíguas ao centro urbano, situadas em sua maioria próximas às marginais. Estes locais possuem uma característica comum, o acesso feito, quase obrigatoriamente, através de veículos particulares.   

Escolhe-se locais de difícil acesso, de menor custo, com péssimo transporte urbano, que irão pressionar o poder público a criar uma infra estrutura ainda inexistente. Da-se em troca, minúsculas contrapartidas à cidade, que muitas vezes ainda tem que ser cobradas na justiça para sua execução. Assiste-se em razão disto a deterioração constante da região central e entornos, que já foram considerados o coração da cidade. 

São Paulo se torna cada dia mais inviável. As incorporadoras e a especulação imobiliária são uns dos grandes responsáveis por isto. Transformam o nosso prejuízo cotidiano, as horas perdidas em nossa locomoção diária, em polpudos lucros gerados por sua ânsia inconsequente e imediatista pelo lucro. A análise de impacto destas obras precisam receber uma melhor avaliação e contar com a opinião de profissionais e órgãos qualificados e desvinculados dos interesses envolvidos. É necessário rever procedimentos com urgência. É ridícula a compensação dada à cidade para absorver os problemas que estas obras geram.

Publico abaixo duas reportagens da Folha sobre o assunto, a primeira mais crítica e a segunda apresentada como uma “solução”, mais parecendo matéria paga pelas incorporadoras. Refletem bem, as duas visões distintas sobre o papel das cidades e dos grandes centros urbanos.

 

Da Folha

11/10/2013 – 04h00

 

Marginal Pinheiros terá novo shopping, torres e mais três faixas

 

 

JAIRO MARQUES
DE SÃO PAULO

 

Uma das últimas grandes áreas livres ao longo da marginal Pinheiros começará a receber neste ano as obras de um Empreendimento bilionário que terá impacto tanto na paisagem como no trânsito complicado da zona sul da cidade de São Paulo.

A estrutura completa contará com cinco torres residenciais, hotel, shopping e prédio comercial até 2020.

Análise: Projeto na marginal pode ser comparado a uma ilha

Mas, dentro de quatro anos, já é programada a entrega dos prédios de moradia -prazo em que a empresa também terá que construir três faixas de uma nova pista local de dois quilômetros de extensão na marginal, no sentido da zona sul, no trecho da ponte do Morumbi ao Parque Burle Marx.

O acordo foi fechado com a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) para atenuar os transtornos do empreendimento, localizado num terreno de 217 mil metros quadrados -tamanho equivalente a cerca de três estádios do Pacaembu.

Atualmente, a região onde as obras serão erguidas, com expectativa de vendas de R$ 8 bilhões, já fica parada de carros nos horários de pico.

O projeto almeja a criação de um “bairro”, na contramão do que deseja a gestão Fernando Haddad (PT) no futuro Plano Diretor da capital -de adensar áreas da cidade onde já existe boa rede de transporte e infraestrutura.

As empresas responsáveis pelo projeto, Bueno Netto e Related Brasil, prometem compensações milionárias e alegam estar prevista no local uma estação de monotrilho da futura linha 17-ouro.

A primeira fase dessa obra sobre trilhos, entre a marginal e Congonhas, é prevista para 2014. Mas a segunda etapa, que pode chegar ao empreendimento, não tem ainda contrato nem licença.

  Editoria de arte/Folhapress  

OITAVO SHOPPING

Além das três faixas extras na marginal Pinheiros, já está acertada a doação de cerca de 15 mil mudas de plantas e um repasse de R$ 4,2 milhões para a restauração do prédio da Secretaria Estadual da Justiça, no centro.

“Estamos negociando com a prefeitura e vamos contribuir pesadamente para a construção da nova ponte no Panamby [orçada em R$ 130 milhões]. Estamos também desenvolvendo projeto de segurança que vai monitorar todas as ruas da altura do shopping Jardim Sul até a avenida Morumbi”, diz Luciano Amaral, diretor do Bueno Netto.

O novo shopping previsto na marginal (o primeiro erguido pela empresa na cidade) será o oitavo em um raio de cerca de seis quilômetros.

“Vamos fazer uma conectividade do shopping, das torres residenciais e comercial com os bairros da região por meio de vias para carros, bicicletas ou a pé. Assim, evita-se acessar a marginal”, afirma Amaral.

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Da Folha

29/09/2013 – 01h30

 

Empreendimentos multiúso apostam no apelo de evitar deslocamentos

 

 

DANIEL VASQUES
DE SÃO PAULO

 
 

O trânsito intenso e o transporte público cheio em horário de pico viraram argumento de venda para os empreendimentos multiúso que vêm sendo lançados pelas incorporadoras em São Paulo.

O apelo das empresas ao comprador é que ele precisará se deslocar menos pela cidade, já que centros de compras, restaurantes e salas comerciais farão parte do mesmo terreno em que ficam os prédios residenciais.

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Em relação a grandes complexos, como o Parque Global (zona sul), a ser lançado neste mês, o Parque da Cidade (também na zona sul) e o bairro planejado Jardim das Perdizes (zona oeste), já lançados, a aposta é que se tornem polos de serviços.

Todos eles ocupam amplos terrenos. A área dos três somada atinge cerca de 550 mil metros quadrados, o equivalente a um terço do parque Ibirapuera.

Já a soma de todas as unidades vendidas nesses três projetos é estimada em R$ 17 bilhões -aproximadamente o PIB (Produto Interno Bruto) do Tocantins em 2010 (dado mais recente).

O público-alvo são compradores de alta renda -o metro quadrado, em geral, varia de R$ 10 mil a R$ 15 mil (ante R$ 7.900 do preço médio da cidade)-, que buscam morar ou investir em áreas valorizadas, próximas a polos corporativos e a importantes vias de acesso, como a marginal Pinheiros.

INVESTIMENTO

A aposta das incorporadoras em complexos multiúso atrai investidores que veem nesses empreendimentos uma forma de conseguir renda com aluguel ou lucro com uma revenda.

Um dos motivos é que, além do apelo de conjugar moradia, trabalho e lazer em um mesmo espaço, os empreendimentos se localizam em bairros que, segundo analistas do mercado, têm perspectiva de valorização do metro quadrado, como Barra Funda (zona oeste) e Chácara Santo Antônio (zona sul).

Essas antigas regiões industriais têm preço acima do valor médio cobrado na cidade, mas ainda é mais barato comprar lá do que em bairros vizinhos, como o Itaim Bibi e Perdizes (zona oeste).

Com a paisagem dessas regiões mudando, os investidores esperam que a diferença de valores em relação aos bairros mais caros diminua.

Embora edifícios multiúso já existissem na cidade, como o Conjunto Nacional, na avenida Paulista, concluído na década de 1950, e o Brascan Century Plaza (zona sul), um interesse mais acentuado por esse tipo de produto é recente, afirma Bruno Vivanco, vice-presidente comercial da imobiliária Abyara Brasil Brokers.

“Caíram os juros e muita gente tomou tombo na Bolsa. Aumentou muito a demanda para o mercado”, diz.

Do lado das construtoras, a abertura de capital de boa parte das empresas, a partir de 2007, propiciou “dinheiro abundante para investimentos”, o que levou a um incremento nos lançamentos imobiliários nas áreas mais nobres da cidade.

Segundo Vivanco, o investidor hoje é o “pequeno poupador”, que passa a investir em apartamentos compactos, pequenas salas comerciais e nos multiúso, para compensar o menor rendimento com aplicações financeiras em razão dos juros mais baixos.

“Uma coisa ajuda a outra. Você lançar uma torre residencial é uma coisa. Lançar com ela uma comercial agrega valor”, afirma João Henrique, diretor de atendimento da imobiliária Lopes.

  Editoria de Arte/Folhapress  

 

Redação

1 Comentário

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  1. cidade inviável

    Além de tudo o local era uma das maiores áreas verdes da região… e poderia muito bem ser transformado em um parque próximo ao rio Pinheiros. Incrível como só a especulação imobiliária mais selvagem dita os rumos da nossa cidade!

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