Antes de assumir pasta de Doria, Natalini investigava irregularidades

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Enquanto vereador, ex-secretário de Meio Ambiente relatou CPI sobre o caso e entregou dados à CGM pouco antes de ser demitido junto com a Controladora do Município

Jornal GGN – A demissão do ex-secretário do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, Gilberto Natalini (PV), uma semana após a exoneração da então controladora do município Laura Mendes pelo prefeito João Doria, ocorreu em meio a investigações de auditorias da CGM (Controladoria Geral do Município de São Paulo) com o apoio da pasta de Meio Ambiente sobre irregularidades da Prefeitura. O GGN identificou portarias da Prefeitura que facilitaram o setor de Transportes, Habitação e empresas estatais e privadas, e principalmente imobiliárias, a obterem termos de compromissos ambientais.

Entenda o caso

Seis dias antes do anúncio das demissões, uma quinta-feira, 10 de agosto, Natalini e Laura Mendes apresentavam a uma plateia de cerca de 80 servidores públicos e jornalistas o lançamento do “Programa de Integridade Pública e Boas Práticas”.

“É um programa pioneiro, feito com excelência. A meta da Controladoria é melhorar constantemente a comunicação e a colaboração entre os órgãos da Prefeitura. Além disso, é importante ressaltar que o resultado desse projeto não teria sido tão bom se não houvesse todo o empenho da equipe do Verde”, comemorava Laura. “É uma grande felicidade estar aqui hoje. Este é o primeiro caso de um programa de integridade em âmbito municipal que acontece no país. Precisamos expandir ações como essa”, enfatizava Natalini.

Responsável pelas aberturas de auditorias e processos de fiscalização das diversas pastas, subprefeituras e empresas estatais da cidade de São Paulo, a Controladoria Geral ao lado da Coordenadoria de Auditoria Interna (CAIN) traçaram, no início deste ano, um diagnóstico do cenário municipal e quais seriam as atuações do órgão.

Um estudo foi publicado pela CGM e CAIN, apontando uma análise de risco de cada Secretaria, que seria considerada para possíveis investigações, auditorias e até mesmo sindicâncias contra práticas ilegais, corrupção ou outros fatores como falta de transparência. Para tanto, foram atribuídas notas de 1 a 4 a cada Secretaria, sendo 1 a menos frágil e 4 a mais frágil, para efeitos de comparação:


As notas foram estabelecidas com base em dados comparativos de diversas fontes, como o Sistema de Orçamento e Finanças e a Lei de Transparência

No documento (disponibilizado no anexo 1), foi elencado também o peso de cada pasta da Prefeitura no Orçamento, o que influi diretamente no risco de vulnerabilidade para atuações corruptas. Enquanto Educação, Previdência Social e Saúde representavam a maior parte dos investimentos da cidade, com 20,3%, 18,7% e 18,7%, respectivamente, a gestão ambiental ocupa apenas 0,4% do orçamento municipal.

Ainda assim, as atuações da pasta em parceria com a CGM não passaram alheias ao controle da atual gestão do prefeito João Doria. Naquele evento que antecedeu em poucos dias o anúncio da demissão de Laura Mendes Amando de Barros, a Controladoria arrolava o papel de Gilberto Natalini: “Vale destacar que a adesão da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente ao programa [de Integridade Pública e Boas Práticas] foi totalmente voluntária e determinante dos bons resultados alcançados”.

Pesou porque Natalini não estava cumprindo apenas a função de colaborador de boas ações do Município, em nome de uma Secretaria quase irrelevante aos custos da Prefeitura. O histórico do ex-vereador e então Secretário alertava para as ameaças: em dezembro de 2016, Gilberto Natalini (PV) foi o relator da Comissão Parlamentar de Inquérito criada para analisar irregularidades nos cumprimentos dos Termos de Compromisso Ambiental (TCAs).

Vereador investigou caso em 2016

O resultado dessa investigação foi a coleta de diversas denúncias de que o mecanismo de compensação ambiental determinado por lei não estava sendo aplicado de forma adequada, “ou seja, não atingindo plenamente seus propósitos de mitigar e proporcionar ganhos ambientais, que contrabalancem os impactos socioambientais negativos, prejuízos materiais, perda de serviços ambientais, incômodos e transtornos advindos de empreendimentos e obras, de forma transitória durante a execução de obras e de modo permanente durante sua operação, ao longo da vida útil”, apontou o relatório da CPI.

Assim, além de levantar provas das diversas irregularidades e casos em que empresas públicas ou privadas, sobretudo imobiliárias, outras Secretarias de governo, como Transporte e Habitação, conseguiam certificados de compensação ambiental sem seguir as exigências determinadas por lei, ainda na CPI o então vereador ousou comprometer-se a levar o caso à Secretaria do Verde e Meio Ambiente, já sabendo que ocuparia a cadeira no início de 2017 (leia relatório da CPI no anexo 2).

Além de Natalini, os vereadores da Comissão Ricardo Young (Rede), Ari Friedenbach (PHS), Eliseu Gabriel (PSB), Jair Tatto (PT), Jonas Camisa Nova (DEM), Ricardo Nunes (PMDB), Rubens Wagner Calvo (PDT) e José Police Neto (PSD) criaram uma proposta de Projeto de Lei para tentar romper os vícios e brechas no Termo de Compromisso Ambiental que permitiam as irregularidades.

“Sendo o relator [Gilberto Natalini – PV] o futuro Secretário do Verde e Meio Ambiente na próxima gestão, ele se compromete a submeter o PL para avaliação dos técnicos da Secretaria e então apresentar o projeto como iniciativa do Executivo na Câmara Municipal na próxima legislatura”, já dizia o relatório final da CPI.

Programa de Boas Práticas

Oito meses depois, os resultados da Comissão foram encaminhados à controladora Laura Mendes, mais precisamente no dia 3 de agosto deste ano. Os apontamentos “voluntários” da Secretaria à CGM, como frisou o próprio órgão, resultaram na criação do Programa de Integridade e Boas Práticas, com impacto não apenas na pasta ambiental de São Paulo, como também em todas as estruturas internas de gestão do governo de João Doria (PSDB), como admitiram Natalini e Laura durante o lançamento.

Entre os apontamentos nas mais de 100 páginas do Programa da CGM, estão a falta de controle das atividades internas, carências nos registros e fiscalizações dos trabalhos, a “ampla desinformação” sobre o Código de Conduta Funcional dos Agentes Públicos e da Alta Administração Municipal (CCF), a ausência de comitês de ética internos, existência de conflitos internos no funcionalismo, falta de transparência ou transparência ineficaz.

Todas as constatações foram elencadas da página 13 à 23 do documento preparado pela Controladoria Geral do Município de São Paulo, que o GGN disponibiliza na íntegra abaixo (anexo 3).

Paralelamente à atuação da Controladoria, sob o então comando de Laura Mendes, na Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, Natalini avançava sobre o seu compromisso enquanto vereador. Parte das propostas do projeto de lei discutido durante a CPI foi apresentada na forma de uma renovação na Portaria Nº 130/2013/SVMA.

Isso porque críticas debatidas na Comissão Parlamentar foram incluídas, ainda que de forma generalizada e sem aprofundamento, no relatório da CGM que, como órgão de fiscalização do governo, tratou de entregar recomendações para a melhoria. “A nova praça de atendimento já está funcionando e a renovação da Portaria Nº 130/2013/SVMA está sendo feita. Estamos trabalhando duro, ainda não conseguimos implementar todas, mas com certeza vamos conseguir em breve”, assumiu a chefe de gabinete de SVMA, Rose Gottardo, no evento.

A tal portaria (acesse aqui) trata de nada menos que procedimentos e critérios para a compensação ambiental, em caso de obras de infraestruturas, obras ou atividades de utilidade ou interesse público, construções de edifícios, habitações, intervenções de licenciamento ambiental, etc. A mesma temática que o então Secretário afirmava, até há pouco tempo, ter conhecimento de esquemas para a obtenção irregular de certificados, sobretudo envolvendo imobiliárias.

Na Controladoria, o comando de Laura Mendes ia além das irregularidades envolvendo o termo de compromisso ambiental. Foi a partir dessa fiscalização que se desencadeou a suspeita sobre obtenção irregular de certificados. Processos administrativos tramitando em “locais indevidos”, de “modo não convencional”, certificados “sem o pagamento do preço público”, falta de emissão de guias para pagamento ao Fundo Municipal de Meio Ambiente foram denunciadas. Empresas de consultoria que mediavam os processos de licenciamento ambiental também foram acusadas de fazer pressões e ameaças à pasta.

Documentos acessados pelo GGN no Diário Oficial da Cidade de São Paulo dão conta da normalidade com que dezenas de Termos de Compromisso Ambiental eram acatadas e prorrogadas, e poucos negados, diariamente pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo.

Em registro do dia 4 de fevereiro de 2016, por exemplo, pedidos de quatro empreendimentos imobiliários foram acatados pela Secretaria, autorizando o corte de árvores, chamados no documento como “manejo arbóreo”, a compensação ambiental não explicitada e a concessão do Termo de Compromisso Ambiental. Foram beneficiadas as imobiliárias PREMESA S.A., Tiner Empreendimentos e Participações Ltda., Tortue Empreendimentos Imobiliários Ltda. e Sidon Projetos Imobiliários Ltda (anexo 4).

Em outro arquivo do dia 6 de outubro do último ano, no Diário Oficial da Cidade, a construtora Brookfield recebia o certificado ambiental, comprovando que a empresa teria executado “as obrigações e serviços pactuados em compensação” de uma das áreas que a imobiliária construía em São Paulo:

A construtora foi alvo de acusação recente do ex-secretário Gilberto Natalini de ter feito uma narrativa “desleal” para obter a pressa e urgência da liminar que liberava obras. “Diante das graves irregularidades encontradas em relação aos procedimentos envolvendo tanto termo de compromisso ambiental quanto certificado ambiental de recebimento provisório, está ocorrendo maior cuidado e detalhamento na análise dos respectivos requerimentos”, afirmava Natalini nas acusações enviadas à CGM, pouco antes de ser demitido.

No mesmo arquivo obtido pelo GGN (anexo 5), também são concedidos certificados ambientais provisórios e definitivos no dia 6 de outubro de 2016 às construtoras Gafisa S.A, MRV Engenharia e Participações S/A, Aquila Even Empreendimentos Imobiliários LTDA, Lizard Even Empreendimentos Imobiliários LTDA, Aspecto Empreendimentos Imobiliários LTDA, Toliara Incorporação SPE LTDA, Marquês de São Vicente Empreendimentos LTDA, Bela Cintra 561 Empreendimentos Imobiliários LTDA, MAC Rio das Pedras Empreendimentos Imobiliários LTDA e Even – SP 26/10 Empreendimentos Imobiliários LTDA.

Como a investigação tramita na Controladoria, não é possível identificar se tais certificados foram obtidos de forma legal ou se envolveram irregularidades. Após a demissão de Natalini e de Laura pela Prefeitura de São Paulo, ambos informaram publicamente que as suas saídas foram justificadas pela gestão de João Doria como mudanças “administrativas”.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

1 Comentário

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  1. LUIZ Nassif, você se lembra

    LUIZ Nassif, você se lembra daquele processo em que eu requisitava uma terra publica grilada por construtora, em 2010 ?

    Pois é  ..consegui provar e obtive DOIS LAUDOS favoráveos ao pleito, um municipal (da própria defensoria) e outro do MINISTÈRIO PUBLICO (do orgão TECNICO interno deles)  

    mas ainda não adiantou ..continuo lutando contra moinhos de vento  ..a SEHAB, subprefeitura e PROMOTORES continuam fingindo que não é com eles  ..e a sociedade continua aqui SEM a sua praça, ora sendo ameaçada por movimentos alenígenas de SEM TETO  ..ora por empreiteiras SEM MEDO  e por funcionários públicos SEM VERGONHA

    TA dominado, ta tudo dominado  ..e a luta solitária e sem apoio continua  ..ao menos enquanto eu estiver vivo e com saúde

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