Lei do Uber em São Paulo: muito além da proibição de aplicativos

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Por Luis Fernando Prado Chaves

Do Justificando

Neste dia 09/09, a Câmara dos Vereadores de São Paulo vota a aprovação do Projeto de Lei nº 349/2014, o qual poderá proibir o funcionamento de aplicativos de mobilidade urbana (como Uber e Lyft) numa cidade na qual, quando chove, os táxis desafiam as leis da física e evaporam. Argumentos contrários a tais aplicativos são construídos em torno do artigo 2o da Lei Federal nº 12.468/2011, que regulamenta a profissão dos taxistas e garante que “é atividade privativa dos profissionais taxistas a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte público individual remunerado de passageiros (…)”.

A “clandestinidade” dos motoristas parceiros desses aplicativos se resumiria ao fato de que é monopólio legítimo dos taxistas o transporte público individual remunerado de passageiros e, portanto, não poderiam tais motoristas exercer a “mesma atividade”. Esse entendimento deixa de notar um detalhe crucial: os transportes que os motoristas que utilizam esses aplicativos fazem não têm caráter público. Aqueles que se posicionam favoravelmente ao banimento, ainda que involuntariamente, estão fazendo uma associação desses apps (inéditos) com os táxis (velhos conhecidos).

Ocorre que a Lei é clara: o monopólio legítimo dos taxistas se limita ao transporte público individual de passageiros. A Uber, por exemplo, é uma empresa privada, os veículos são particulares e adquiridos sem subsídios públicos, a tecnologia que move o modelo de negócio é privada, o capital investido é exclusivamente privado e não há qualquer dispositivo de lei estabelecendo que o serviço prestado pelos respectivos motoristas tem caráter público.

Em regra, a tecnologia impacta determinados interesses de mercado e, quase sempre, gera desconforto àqueles agentes acostumados com os vícios e virtudes de seu modelo de negócio, repetido há várias gerações. Fato é que a inovação tecnológica é vista com maus olhos por quem tem sua clientela potencialmente diminuída por ela. O problema não está na saudável competição entre agentes de mercado que a inovação tecnológica ocasiona por trazer uma opção mais interessante ao público consumidor. A questão preocupante está no fato de o Poder Público não buscar entender o que representa determinada tecnologia, não vislumbrar que ela pode atender ao interesse público, e tentar equipará-la ao que já existe sem realizar qualquer esforço para estudar sua natureza e seus particularidades.

O debate sobre o modelo de negócio objeto do Projeto de Lei em análise, de tão acirrado, ganhou tons de discussões futebolísticas recentemente. Por se falar em futebol, nesse esporte as penalidades máximas não se confundem com as disputas de tiros livres diretos da marca do pênalti. As duas situações são parecidas: um goleiro e um batedor, o árbitro estrategicamente posicionado para fiscalizar eventuais irregularidades e, em ambas, os mesmos objetivos – goleiro deve impedir a conversão e o cobrador concretizá-la. Mas não são situações idênticas.  

No caso das penalidades máximas, a natureza é a de punição. Há um caráter reparador à infração cometida dentro da grande área. Já com relação à disputa de pênaltis, trata-se de recurso de desempate de partida após o tempo regulamentar, que não possui natureza de punição. A partir dessa lógica, as diferenças passam a ser percebidas, tais como possibilidade de advertência do jogador infrator, de prosseguimento ou não do jogo após a cobrança do intento, o cômputo dos gols no resultado do jogo, os registros para fins de artilharia de uma competição etc.

Os motoristas profissionais, parceiros de empresas que mantêm os aplicativos contestados pelo Projeto de Lei, e os taxistas exercem atividades muito semelhantes. O objetivo é o mesmo: transportar passageiros ponto a ponto de forma remunerada. O meio utilizado é um veículo automotor. No entanto, a natureza jurídica das atividades é diferente – a dos taxistas pública, e a dos demais motoristas, privada. A partir desse ponto, vêm à tona as diferenças entre os serviços, tais como a possibilidade (ou não) de utilização de pontos nas ruas, permissão (ou não) de uso das faixas exclusivas, necessidade (ou não) de adequação ao horário de rodízio, opção (ou não) de desconto na aquisição do veículo etc.

Mas o Poder Público, nesse caso, parece fechar os olhos para as nítidas diferenças entre os modelos de negócio dos motoristas que utilizam os aplicativos e dos taxistas. Assim, caminha no sentido de equiparar serviços cuja natureza é distinta. O resultado? Ao invés da regulamentação, a vedação de aplicativos que, por si só, não possuem viés ilícito.

Fato é que a tecnologia, por atingir novos mercados e velhos interesses, ensejará discussões cada vez mais acaloradas. Não é irreal imaginar que, daqui a alguns anos, o debate não será se o transporte remunerado de pessoas pode ser feito por motoristas parceiros da Uber ou apenas por taxistas, mas se poderá ser feito por carros automatizados, sem motoristas. A inovação pode até sofrer um revés legislativo se confirmada a aprovação do Projeto de Lei nº 349/2014, mas não será sempre vencida pelas leis. E, para resolver os futuros embates, simples equiparações não parecem ser a melhor receita.*

* Este texto foi escrito em um teclado de computador, que se assemelha, mas não se confunde, nem se equipara, a uma máquina de escrever.

Luis Fernando Prado Chaves é advogado especialista em Direito Digital e Eletrônico, pós-graduado em Propriedade Intelectual e Novos Negócios pela FGV DIREITO SP e colaborador do Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação (GEPI) da FGV DIREITO SP. 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

11 Comentários

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  1. Exotismo…

    Sucessos no mundo todo, nestas paragens o WhatsApp, UBER e quetais são considerados ilegais.

    Definitivamente, sabemos de algo sobre desenvolvimento que ninguém mais sabe…

    1. Onde o amigo viu ou leu (ou

      Onde o amigo viu ou leu (ou ouviu dizer)  que o WhatsApp é ilegal?… que eu saiba, as companhias telefonicas reclamam – e com um pouco de razão, penso eu – que o aplicativo permite ligações telefonicas gratuítas utilizando suas infra-estruturas.

       

      Paris e a França não deve de estar situada no mundo conhecido do amigo…  porque… 

       

      “UBER annonce la suspension d`UberPop en France des ce soir” – 

      http://www.lemonde.fr/economie/article/2015/07/03/uber-annonce-la-suspension-d-uberpop-en-france_4669011_3234.html

       

       

      1. Paris…

        O amigo não deve conhecer o sistema de táxis em Paris, com um modus operandi similar ao daqui de Sampa: máfias que alugam licenças, motoristas despreparados, mais ocupados em pilotar seus celulares do que prestar atenção ao trânsito, corridas acertadas sem taxímetro, enfim, “la même merde d’ici”… O que ajuda lá é o transporte público coletivo. Enfim, para cada “Paris” que proibir o aplicativo, ainda haverá uma Nova Iorque, Viena, Zurique… onde ele continuará sendo usado.

        Aos que apóiam essta proibição: alguém aí já usou o UBER em Sampa? O que acharam? São melhores ou piores que os táxis?

        Sobre o WhatsApp: não é ilegal, mas a grita das operadoras é a mesma. Elas reclamam da queda de utilzação dos telefones para ligações de longa distância. O mesmo comportamento da época que apareceu o VOIP, com Skype e similares. O caminho não tem volta: proíba o WhatsApp e, no instante seguinte, outro aplicativo de voz será usado (o mesmo Skype, p. ex., em sua versão para celulares) para chamadas de longa distância. Hoje, para fazer estas ligações, elas utilizam a mesma técnica (VOIP), mas choram por não ter o monopólio disso. Mas elas já compensam isso com os preços dos pacotes de dados.

  2. Daqui a pouco….

    Vâo retirar também  o ZapZap pois  está  dando  prejuizo as  telefônicas da peste bubônica !!!

    E  também o Twitter  e o blog do nassif  pois  está dando prejuizo aos jornalões com cara de pastelões !!!

    E  vão proibir o Netflix  pois  está dando prejuízo a  rede Globo, musa  de todos  os bobos !!!

    E por aí vai……Se liga pacato-cidadão !!!  Lemre-se deste poema copiado de Maiakowsky….

     

    Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu.

    Como não sou judeu, não me incomodei.

    No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista.

    Como não sou comunista, não me incomodei.

    No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico.

    Como não sou católico, não me incomodei.

    No quarto dia, vieram e me levaram;

    já não havia mais ninguém para reclamar…

    Martin Niemöller – 1933 – Símbolo da resistência aos nazistas.

    1. Então, meu caro, belas

      Então, meu caro, belas palavras.

       

      Isso é lindo até quando você for afetado, quando uma empresa vem lá dos EUA e força a entrada na sua área e você pode ficar sem o seu sustendo da noite pro dia.

       

      Será que é assim mesmo? Vejam, a telefonia, a saúde, vários setores foram privatizados e são exercidos por multinacionais e nem por isso há qualidade e preços que nos satisfaçam.

       

      Tudo privado. O estado criou as agências reguladoras mas elas defendem o consumidor? Então por que tudo é tão ruim e caro?

       

      Outra: O Uber já está reproduzindo alguns vícios da famigerada “máfia dos táxis” como alguns se referem. São:

       

      1) Aceitar cadatrar carros de terceiros. Reproduz o “mafioso dono de autonomia” que escraviza o motorista com diárias extorsivas. Consequência: Aqui no Rio, miliciandos que comandam a máfia das vans estão migrando para o Uber, comprando carros e botando motoristas para dirigí-los por um percentual do faturamento. De cara, 20% fica pro Uber e dos 80%, uma parte fica pro dono do carro. Vê-se que esse motorista vai trabalhar por prato de comida.

       

      2) O Uber aceita cadastrar um “motorista reseva”. Na prática, equivale ao “motorista auxiliar” dos táxis. De novo, você pode comprar um carro, agregar no Uber e colocar um peão pra dirigir pra você. Com a diferença que você pode colcoar quantos carros quiser. Em São Paulo já criaram até empresas de locação de veículos para trabalhar com o aplicativo.

       

      Pergunta: Não está se formando uma nova máfia no lugar da antiga? Sem nenhuma regra ou fiscalização do estado, com usuário pagando com moeda eletrônica e o dinheiro indo direto para a matriz da empresa, configurando evasão de divisas? 

       

      Tudo muito estranho e quando vejo a Globo defendendo essa empresa, é pra se ficar de olho muito aberto…

       

  3. Tenho certeza de que em

    Tenho certeza de que em havendo um aplicativo para celulares que permita chamar um taxi (e não um motorista particular) nenhum taxista e nem o estado municipal se oporá. A questão, portanto, não é rejeição à tecnologia e sim, pelo lado da prefeitura, de manter fiscalizado pelo estado municipal uma atividade de competência e responsabilidade deste estado, a saber, o transporte público, e pelo lado dos motoristas profissionais, de manterem seus investimentos e seus meios de subsistência.

  4. Antissociais

    Há uma tremenda confusão com o sentido de público. Pensam que público é algo necessariamente estatal, daí se apressam a misturar subsídio “públicos” e todo tipo de preconceits mais…  Muitos acham que só porque o acordo foi realizado entre dois particulares o restante da coletividade não tem nada a ver com o assunto.

    Aliás, “coletivo” pra esses tantos se restringe a ônibus, metrô…

    Não. Público aí deve ser entendido como “aberto ao público”. Não é uma questão trivial mesmo, não. Paul Samuelson colocou a questão com toda seriedade na década de 50. Mancur Olson também mais adiante em “A Lógica da Ação Coletiva” (Editora FGV).

    Uma visada no sistema educacional ajuda (o objeto de Olson era outro). No passado educação era coisa de gente muito rica, que contratava preceptores para as crianças e Professores particulares. Com o tempo foram surgindo estabelecimentos “abertos” ao público, daí o “público”, e bem depois o Estado administraçao desenvolveu um sistema estatal. Que, inclusive, engloba as instituições particulares definindo limites contratuais, curriculares, trabalhistas, previdenciários, etc.

    A questão toda é que um sistema sem nenhuma regulação pode, por efeitos de composição, criar é um “mal publico” em vez de um bem. Só no bestunto de alguns liberalóides que a ordem social pode advir de um fantasioso mercado desregrado. Onde cada um busca seus interesses individuais e o resto que se dane.

    “Cada um por si e Deus por todos”, dizem. Qual Deus, eu pergunto.

    Antissociais. Texto exemplar de ideologia torcendo e retorcendo de modo grosseiro o sentido da Lei.

    Viajam tanto pelo munndo e, parece, só compram bugigangas. Vêm dar exemplo dos EEUU. Com exceção de poucas cidades muito conhecidas quase não se vê sistemas estruturados de transporte público por lá. Cada um que tenha seu transporte individual caso contrário não sai do lugar.

  5. O texto é uma propaganda nojenta do Uber

    E o perigo para os passageiros? Táxis sao vistoriados, têm tarifas determinadas pelas prefeituras, têm seguros para os passageiros. Uber nao tem nada disso, quem “controla” é a companhia que lucra com o serviço, raposa tomando conta de galinheiro.

    Chamar um carro de Uber ou exige o uso de smartphone na rua, o que, pelo menos no Rio, é perigoso, ou que a chamada seja feita em casa antes. Se vc já estiver na rua, nao tem jeito. Para chamar um táxi na rua, basta levantar o braço.

    A vida dos taxistas já é dura, eles sao super explorados pelas companhias, donos dos carros e/ou das licenças, já começam o dia devendo. Andam trabalhando mil horas por dia. Se a coisa piorar ainda mais, vao deixar a profissao, e os passageiros habituais de táxi é que vao sofrer com isso. E, depois dos taxistas serem eliminados da concorrência, quem adivinha o que vai acontecer com as tarifas?

    1. Concordo.

      Como tem gente advogando por uma empresa estrangeira que mete “o pé na porta” e quer impôr seu negócio em nome da “modernidade” e do “direito de escolha” dos usuários.

       

      Não vejo esse emprenho em cobrar qualidade das empresas de ônibus, essas sim, com deveres com o tranporte de massa, feito em geral com péssima qualidade. Deve ser porque eles são muito poderosos e bater no pobre taxista é fácil demais para uma empresa que vale US$ 50 bi na NASDAQ.

       

      O autor do post é advogado. Interessante, queria ver se pudéssemos contratar advogados em qualquer lugar do mundo a preços módicos, abaixo da tabela da OAB. OAB aliás que se bateu contra a medida que dispensava os bachareis formados de prestar prova para obter a liçenca da entidade, podendo exercer a profissão ao obter o diploma.

       

      Aí não vão deixar, pra exercer a advocacia no Brasil, só com a benção da OAB. Ué, e o direito de escolha e a modernidade? Eu não posso usar um aplicativo e contratar um advogado, chinês, indiano, sérvio, etc? Pagando em bitcoins, sem pagar os pesados impostos tupiniquins?

       

      Pois é, no dos outros é refresco…

       

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