“Em abril de 2017, todos os ‘pratos’ do EHT giraram, viraram-se e encararam uma galáxia distante 55 milhões de anos-luz, chamada Messier 87 ou M87. Há um buraco negro supermassivo no centro dela, e hoje temos o prazer de relatar a vocês, hoje, que enxergamos o que pensávamos ser imposível de enxergar”. Essas foram as palavras do diretor do projeto Event Horizon Telescope, Sheperd Doeleman, imediatamente antes de apresentar no telão do auditório a primeira imagem já registrada de um buraco negro, em entrevista coletiva na sede da Fundação Nacional de Ciência (NSF, na sigla em inglês).

Minutos depois, seu colega Avery Broderick, astrofísico da Universidade de Waterloo, reforçaria, “enxergamos o que era impossível enxergar”, acrescentando a pergunta “agora, o que tudo isso significa?” – e passou a descrever a jornada dos fótons iniciada no ambiente mais extremo conhecido no universo: a vizinhança de um buraco negro. A apresentação de Broderick terminaria com a conclusão, entre outras, de que a Relatividade Geral, proposta por Einstein, em 1915, tinha passado por mais um teste, como mencionamos em reportagem da semana passada, que descrevia os desafios técnicos do projeto. Para entendermos “o que tudo isso significa”, porém, precisamos esclarecer alguns conceitos fundamentais.

O que é um buraco negro?

“Um buraco negro é uma região no espaço que exerce uma atração gravitacional tão forte que nada que chegue perto demais dele consegue escapar, nem mesmo a luz”, contou ao Ciência na Rua Gustavo Soares, doutorando em astronomia pelo Instituto de Astronomia Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP). O conceito vem do século 18, quando o astrônomo inglês John Michell propôs a possível existência de um objeto com a característica de atrair a luz, que ele chamava de estrelas escuras.

“Já a ideia de buraco negro como conhecemos atualmente surgiu mais de 130 anos depois. Em 1916, meses após Einstein publicar a Teoria da Relatividade Geral, o astrônomo alemão Karl Schwarzschild descobriu uma possível solução para as equações de Einstein. Essa solução encontrada por Schwarzschild permitiu que se chegasse, utilizando métodos matemáticos formais, à ideia de uma região a partir da qual não se poderia escapar”, explicou Soares. “Quanto mais nos aproximamos de um buraco negro, maior a atração gravitacional que ele exerce, e maior deve ser a nossa velocidade para escaparmos dessa atração. Entretanto, segundo a teoria da relatividade, não há nada mais rápido do que a luz, e a fronteira a partir da qual nem mesmo a luz consegue escapar é chamada de ‘horizonte de eventos’, e é uma característica determinante de um buraco negro.”.

Para dentro do horizonte de eventos, há uma sombra escura, ou silhueta, e depois o ponto central, chamado de singularidade. Para fora dele, está o disco de acreção, o anel brilhante que vemos, “um disco violento de gás em órbita conduzido inextricavelmente no sentido de um horizonte de eventos”, de acordo com Broderick. “À medida que a matéria é sugada, ela é acelerada e emite radiação. Se essa radiação está sendo emitida antes de a matéria ultrapassar o horizonte de eventos, ela pode ser detectada por telescópios. Essa é uma das maneiras indiretas que astrônomos utilizam para estudar um buraco negro”, explicou Soares.

No caso do M87, há outra maneira de detectar a radiação: jatos relativísticos, “raios estreitos de material efluente se afastando rapidamente do buraco negro quase na velocidade da luz”, segundo Broderick, que explicou ainda que um dos jatos emitidos por esse buraco negro está apontado quase para a Terra. “Nos casos mais extremos, esses jatos podem penetrar a galáxia inteira e muito além. Mas não conseguimos ver a energia que sai com nossos olhos, então, para entendê-los, temos que olhar outros comprimentos de onda, então olhamos com telescópios pelo espectro eletromagnético”, contou na coletiva Sera Markoff, professora de astrofísica teórica na Universidade de Amsterdã.

Alber Einstein, em Pittsburgh (EUA), 1934

O que é a teoria da Relatividade Geral?

Outro conceito importante para entender a importância da imagem do buraco negro no centro da galáxia M87 é o de Relatividade Geral. Sobre ele, Soares esclarece: “é a teoria que explica a gravidade, generalizando as ideias de Isaac Newton, bem como algumas ideias anteriores do próprio Einstein. Segundo Einstein, a presença de objetos massivos distorce o espaço ao redor deles, semelhante a uma bola de boliche sobre um lençol esticado. Essa distorção é sentida na forma da gravidade, e ela é maior conforme a massa do objeto aumenta. Além de explicar a gravitação, a teoria da Relatividade Geral é importante por vários motivos: na astronomia e astrofísica, ela permite a existência de buracos negros estelares, que surgem a partir da morte de uma estrela, e de buracos negros supermassivos no centro de galáxias, cuja origem ainda é desconhecida, mas que são capazes de influenciar toda a evolução de sua galáxia hospedeira. Em cosmologia, há evidências de que o universo está em expansão acelerada. Para explicar isso, é preciso usar as equações da Relatividade Geral. Por fim, uma aplicação prática da teoria é o GPS, que precisa levar em conta alguns efeitos previstos pela relatividade para prover uma localização precisa”.

“Na Relatividade Geral, as ondas de rádio caem, assim como maçãs. Tipicamente é um efeito extremamente pequeno, mas os buracos negros são gravidade enlouquecida”, contou Broderick na coletiva. Ele então explicou que a teoria previa que a sombra escura, ou silhueta, deveria ser circular, com uma pequena variação, e com diâmetro definido apenas pela massa. “No entanto, como em toda viagem de descobrimento, não sabíamos o que iríamos encontrar. Einstein estava errado? O objeto no coração da M87 não era um buraco negro?”. A silhueta poderia nem existir. Mas, com satisfação na voz, Broderick confirmou: “a sombra existe, é aproximadamente circular e a massa inferida bate com estimativas feitas para estrelas 100 mil vezes mais distantes. Hoje, a Relatividade Geral passou em outro teste crucial”.

Galáxia M87 e o jato emitido por seu buraco negro – NASA, ESA and the Hubble Heritage Team (STScI/AURA)

As descobertas