Estudo da USP elabora método estatístico para identificar covid-19 entre casos suspeitos

Método usa dados coletados no dia a dia da assistência médica para predizer a ocorrência da doença quando há notificação de casos suspeitos

Pesquisadores atuam em três frentes: criação de modelo para prever a ocorrência de covid-19 entre casos suspeitos notificados pelos serviços de saúde; desenvolvimento de método para predizer a evolução da doença em pacientes hospitalizados; metodologia para verificar qualidade de ensaios que avaliam possíveis tratamentos – Dados Covid – Foto: Arte

do Jornal da USP

Estudo da USP elabora método estatístico para identificar covid-19 entre casos suspeitos

por Júlio Bernardes

Dados coletados no dia a dia da assistência médica são usados na criação de ferramentas de diagnóstico da covid-19 em pesquisa da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. Os métodos em desenvolvimento no estudo servirão para predizer a doença entre casos suspeitos notificados. Numa análise preliminar, feita a partir de dados oficiais de vigilância em saúde pública, o modelo de predição da covid-19 alcançou uma precisão de 89,47%. A pesquisa também vai incorporar métodos para estimar a evolução do quadro clínico dos pacientes e verificar a qualidade dos ensaios que avaliam tratamentos para a doença.

A pesquisa é baseada no método de evidência do mundo real (RWE, sigla em inglês para Real World Evidence). “A RWE deriva da análise de dados coletados em um ambiente de assistência médica, fora do contexto de ensaios clínicos randomizados (ECRs) prescritivos”, explica ao Jornal da USP o professor Fredi Diaz Quijano, um dos coordenadores do estudo. “Um dos principais objetivos da técnica é entender observações e eventos em pacientes na prática clínica de rotina.”

Fredi Alexander Diaz Quijano, professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP – Foto: Arquivo pessoal

De acordo com o professor Diaz Quijano, o projeto possui três componentes. “O primeiro visa obter e validar um modelo preditivo de diagnóstico da covid-19 baseado em dados de vigilância em saúde pública do Brasil”, relata. “O segundo foca pacientes hospitalizados e pretende otimizar o uso de informações rotineiramente coletadas nos serviços de atenção para predizer, além do diagnóstico, desfechos como internação em UTI e morte.”

O terceiro componente do estudo envolve a revisão crítica da literatura sobre ensaios clínicos que avaliam a efetividade de intervenções para o tratamento da doença. “Essa avaliação envolverá aspectos como a qualidade dos relatos, risco de vieses, validação de desfechos compostos e a heterogeneidade dos efeitos”, afirma Diaz Quijano.

Os pesquisadores pretendem criar métodos para predizer a doença entre os casos suspeitos notificados ao sistema de vigilância, hospitalizados ou não. “Isto será feito com a obtenção e aplicação de funções estatísticas em informações coletadas rotineiramente, como idade, antecedentes e algumas manifestações clínicas”, diz o professor Quijano. “Esse resultado poderá fornecer estimativas da quantidade total de casos detectáveis, e informações relevantes sobre as características dos pacientes para apoiar sua detecção precoce e medidas preventivas focalizadas”. Uma análise preliminar feita a partir dos dados dos primeiros meses de vigilância no Rio de Janeiro e São Paulo, divulgados pelo Ministério da Saúde, foi publicada em pre-print (versão prévia de artigo a ser publicada em revista científica), no site Medrxiv. A precisão na detecção da covid-19 chegou a 89,47%.

Previsão
Adicionalmente, em pacientes hospitalizados, que contam usualmente com mais medições de variáveis fisiológicas e bioquímicas, serão desenvolvidos algoritmos de Inteligência Artificial para predição de diagnóstico e prognóstico de covid-19. “Para esse segundo componente as análises serão realizadas com dados fornecidos por hospitais e os resultados serão validados com dados novos”, declara ao Jornal da USP o professor Alexandre Chiavegatto Filho, que também coordena o projeto.

Alexandre Dias Porto Chiavegatto Filho, professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP – Foto: Arquivo pessoal

“A partir da predição para cada paciente, vamos comparar com os resultados reais e com isso conseguir avaliar o nível de acerto dos algoritmos”, descreve Chiavegatto Filho. “O objetivo desse estudo é desenvolver algoritmos que possam ser usados por meio de aplicativos pelos médicos e gestores de saúde para tomarem decisões sobre condutas clínicas e alocação de recursos físicos e humanos nos hospitais.”

O projeto terá duração de três anos, porém a equipe de pesquisadores já divulgou resultados preliminares dos estudos com algoritmos, na forma de pre-print, em texto publicado no site Medrxiv. “Os resultados indicam um bom poder preditivo desses algoritmos”, destaca o professor Chiavegatto Filho. “A predição de diagnóstico de covid-19 pode auxiliar os médicos sobre prioridades para realização de testes para detectar a doença, que em muitas cidades brasileiras têm demorado muito tempo devido à alta demanda.”

“Além disso, o conhecimento rápido sobre o risco de cada paciente ter de fato covid-19 pode auxiliar médicos sobre decisões de isolamento de pacientes e sobre medidas preventivas”, acrescenta Chiavegatto Filho. “Os algoritmos para predizer prognósticos ruins da doença, como risco de internação em UTI, uso de ventilação mecânica e morte, irão auxiliar médicos e gestores de saúde sobre as prioridades de internação em UTI e de destinação de recursos físicos e humanos dos hospitais.”

O estudo é realizado no Departamento de Epidemiologia da FSP e as pesquisas com estratégias de Inteligência Artificial (machine learning) terão a participação de pesquisadores vinculados a instituições de saúde que possam fornecer dados para os modelos preditivos. “O projeto também visa à participação de alunos de pós-graduação e pesquisadores em pós-doutorado como contribuição à formação de talento humano para fortalecer as capacidades de resposta em pesquisa do País”, conclui o professor Diaz Quijano.

Mais informações: e-mails [email protected], com o professor Alexandre Chiavegatto Filho; e [email protected], com o professor Fredi Diaz Quijano

Redação

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  1. “Superintendente do Hospital das Clínicas da FMRP abre processo administrativo disciplinar contra servidores que denunciaram falta de equipamentos de proteção e pediram testes contra Covid-19”
    26 Maio 2020 Última Atualização: 27 Maio 2020

    Alvos do PAD instaurado em abril, Edson Fedelino e Lurdinha Farias são diretores regionais do SindSaúde. A perseguição aos sindicalistas foi revelada pelo Sintusp, que oficiou à Superintendência do HC pedindo o cancelamento do processo

    Fonte: site da ADUSP – https://www.adusp.org.br/index.php/defesauniv/3679-hcfmrp-pad

    A Diretoria Colegiada do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) enviou no último dia 20/5 um ofício à Superintendência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (HC-FMRP) no qual requer o cancelamento imediato do processo administrativo aberto em abril contra os servidores Edson Fedelino e Lurdinha Farias.

    Fedelino e Lurdinha, diretores regionais do Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo (SindSaúde-SP), foram transformados em alvo de sindicância e processo administrativo após cobrarem o fornecimento dos equipamentos de proteção individual (EPIs) necessários aos servidores do HC de Ribeirão Preto para prevenção contra a Covid-19.

    Como ressalta o ofício do Sintusp, os trabalhadores “vivenciam um grave momento da nossa história, submetidos a condições de trabalho estressantes, muitas vezes sem as condições ideais e, mesmo sob enorme pressão, cumprindo o seu indispensável papel social”. É preciso, portanto, que “tenham proteção e condições físicas e mentais” para exercer suas funções.

    Em meados de abril, após o recebimento de denúncias quanto à falta de EPIs para todos os trabalhadores, os diretores do SindSaúde fizeram uma panfletagem nos corredores da Unidade de Emergência do hospital e conversaram com alguns servidores individualmente, evitando aglomerações. Fedelino, que trabalha no hospital há vinte anos, também deu uma entrevista à EPTV, afiliada local da Rede Globo, cobrando a entrega dos equipamentos e a realização de testes rápidos em todos os funcionários.

    A seguir, o superintendente do HC, professor Benedito Carlos Maciel, docente da FMRP, procurou a imprensa para contestar as declarações dos diretores sindicais e, no dia 23/4, instaurou processo administrativo contra eles, além de ter aberto também um processo civil contra o SindSaúde-SP.

    “Para não dizer que estávamos mentindo, todas as medidas relativas à entrega de EPIs e outros procedimentos para evitar aglomerações, por exemplo, foram tomadas depois das nossas ações e das entrevistas”, relatou Edson Fedelino ao Informativo Adusp. “Os EPIs agora existem, mas nem em todos os locais são os mais adequados. Há alguns dias o material foi recolhido em alguns andares porque era inadequado e foi trocado. Ou seja: estávamos corretos nas nossas denúncias.”

    O servidor diz compreender que a Covid-19 é uma doença nova e que os EPIs necessários são diferentes daqueles utilizados anteriormente. “Mas o que estávamos cobrando é que as coisas fossem regularizadas”, defende.

    “Não há diálogo com a direção do hospital”, diz servidor

    Fedelino e Lurdinha ainda não foram ouvidos na sindicância aberta pela superintendência. O servidor considera “um absurdo” sofrer um processo administrativo por exercer sua atividade sindical. “Sou representante sindical em outros hospitais do Estado em Ribeirão Preto. Se vou a um deles e faço alguma atuação enquanto diretor do sindicato, não posso ser processado administrativamente. Se for o caso, o processo é aberto contra o sindicato”, afirma.

    Na avaliação de Fedelino, a representação do SindSaúde e a Superintendência do HC poderiam conversar para resolver os problemas. “Mas não há diálogo com a administração do hospital, que é muito autoritária”, diz.

    O servidor lembra ainda que o HC-FMRP é o único da cidade em condições de receber os pacientes mais graves da Covid-19. No momento, o espaço destinado a esses pacientes está com 40% de ocupação. “Por enquanto, estamos bem e a situação ainda está controlada, mas temos que estar realmente preparados para quando chegar o pico alto, o que ainda não aconteceu aqui em Ribeirão Preto”, considera.

    O Informativo Adusp solicitou à Assessoria de Comunicação do HC de Ribeirão Preto uma manifestação da Superintendência do hospital sobre a motivação do processo administrativo e sobre o ofício enviado pelo Sintusp. “O HCFMRP-USP não se manifestará de forma específica sobre os fatos relacionados ao processo administrativo mencionado, para evitar maior exposição dos servidores envolvidos”, respondeu a Superintendência, em “nota de esclarecimento” encaminhada nesta quarta-feira (27/5).

    “O hospital, como instituição pública, não faz nenhum tipo de pré-julgamento, ao contrário, todos os fatos reportados são apurados em processo no qual se assegura o pleno exercício do direito de defesa. A abertura de um procedimento não representa a atribuição prévia de culpa, ao contrário, significa que no curso da instrução deverá se formar a convicção sobre a existência ou não de infração administrativa”, prossegue a nota.

    “Independentemente do caso relatado, o hospital não cerceia, tampouco pune servidores que expressem suas opiniões ou mesmo exerçam as atividades sindicais. Entretanto, a instituição tem o dever de apurar quando, eventualmente, o exercício do direito de manifestação ultrapassa a fronteira da verdade e quando o exercício da atividade, sindical ou não, se dá em detrimento do funcionamento da entidade ou colocando em risco servidores”, finaliza.

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