O Programa Espacial e o Acordo de Salvaguardas, por Allan Kardec Barros

Há 50 anos Neil Armstrong pôs os pés na lua. Pouco antes, e ainda sob o impacto do primeiro voo orbital de um ser humano no espaço, Brasil criava a Comissão Nacional de Atividades Espaciais

Faz 50 anos que Neil Armstrong pôs os pés na lua, desembarcando da Apolo 11. Várias publicações estão celebrando o feito enquanto novos desafios estão postos em função do imenso avanço tecnológico do último século. Igualmente, a dinâmica das relações de poder mudou, assim como novos players se integram à realidade aeroespacial, inaugurando uma nova fase de comunicações e revoluções científicas e tecnológicas.

Corria o ano de 1961 quando foi criada a Comissão Nacional de Atividades Espaciais (CNAE), vinculada ao CNPq. Naqueles dias, brasileiros visionários compreenderam que na atividade espacial está uma das maiores janelas de oportunidade para o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação. Ou seja, da soberania. O grande marco histórico seguinte foi a criação, do Centro de Lançamento de Alcântara em 1983.

Basta olhar ao redor para reconheceremos que os desafios postos nos dias atuais nos obrigam a fazer largo uso das tecnologias da informação. Prova disso é que hoje, das cinco maiores empresas do planeta, todas são empresas de informação: Microsoft, Apple, Amazon, Alphabet e Facebook.

Atualmente existem satélites de várias altitudes e órbitas, servindo a diferentes propósitos, sejam eles militares ou civis. Em seu conjunto, a existência de uma constelação de satélites, com distintas funções, pode representar relevante aporte ao planejamento do desenvolvimento tecnológico. Não por acaso, Elon Musk, do Facebook, planeja lançar uma constelação de 12 mil satélites de baixa órbita nos próximos anos.

O Programa Espacial Brasileiro ao longo de quase seis décadas teve muitos êxitos, mas também recorrentes obstáculos. Alguns fatores que travaram o seu desenvolvimento são a inconstância e as insuficiências no financiamento, além de um sistema de governança com unidade precária de propósitos. Por fim, um dos principais impasses é o de natureza social e fundiária, relacionado ao desenvolvimento de sua principal infraestrutura operacional, o Centro de Lançamento de Alcântara.

Cabe também destacar a busca pela formação de recursos humanos de alto nível – um dos fundamentos de um programa espacial exitoso. Em 2018, foi criado, na Universidade Federal do Maranhão, o curso de graduação em Engenharia Aeroespacial. Acrescente-se a este o Mestrado em Rede em Engenharia Aeroespacial formado pelo UFMA, UFRN, UFPE e UEMA, o que uniu o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) ao Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), e à unidade do INPE, no Rio Grande do Norte.

Essas instituições garantem que a formação dos recursos humanos tenha altíssima qualidade. Os dois cursos – graduação e mestrado – aparecem como mecanismo de desenvolvimento do Brasil, dado que são os primeiros da região, atendendo assim a uma demanda de várias décadas e invertendo a lógica de concentração do desenvolvimento através do combate às desigualdades regionais em Ciência e Tecnologia.

É nesse contexto que se insere o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), hoje tramitando no Congresso Nacional. Considerando a nova realidade da exploração do espaço por diferentes países, a proposta do MCTIC é tornar Alcântara um local de exploração comercial de lançamentos de foguetes para exploração do mercado de satélite. Isso implica a inauguração do Centro Espacial de Alcântara (CEA). Se uma empresa, de determinado país, se propuser a colocar em órbita um satélite, o CEA – controlado pelo Estado Brasileiro – poderá fazê-lo, contratando uma empresa lançadora de foguetes. Esta empresa lançadora poderá ser de qualquer país do mundo.

De fato, o AST é um mecanismo de proteção de tecnologias e patentes entre Brasil e EUA contra o uso ou a cópia não autorizada nos lançamentos comerciais. Uma metáfora mais conhecida seria a da Formula 1. Quando uma empresa usa um box brasileiro na corrida, ela tem garantias de reserva de acesso àquele box. Uma vez encerrado o evento, as empresas saem dos sítios que se instalaram provisoriamente. Ou seja, Interlagos continua sendo brasileira assim como Alcântara continuar sendo controlada pelo Estado nacional.

Em síntese, temos uma grande oportunidade de continuar avançando na área espacial. Esse avanço depende, em larga medida, da aprovação de um AST benéfico para o Brasil. Sejamos claros, sem algum entendimento que hoje se traduz no AST, o Programa Espacial Brasileiro tende a apequenar-se ou mesmo inviabilizar-se, pois o país não possui o nível de amadurecimento tecnológico de grandes potências. Temos uma oportunidade de dar um pequeno passo para Alcântara e um grande passo para o Brasil!

*Allan Kardec Barros é Pró reitor de Pesquisa, Pós Graduação e Inovação e Vice-reitor eleito da UFMA.

Redação

1 Comentário

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  1. Sensato e realista, pois sem um TSA/AST o CLA ficaria “travado”, fora do mercado de lançamento de satélites, aliás um dos motivos do fracassado acordo com os ucranianos – um gasto de US$ 200 M – não foi a propalada “crise politica ucraniana”, mas a ausencia do TSA/AST, algo que os ucranianos ( Yuzhinoe & Yuzhimash ) enchiam o saco desde o começo.
    Sem TSA/AST nenhum satélite, não importa a finalidade ou nacionalidade, que tenha qualquer componente norte-americano, lá fabricado ou mesmo licenciado para terceiros., poderia ser lançado.

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