Oráculo, por Gustavo Gollo

Ouvimos dizer que inteligências artificiais estão a ser desenvolvidas, mas temos uma ideia muito precária do que virão a ser tais seres. A ideia mais imediata que nos vem à mente corresponde a uma pessoa extremamente inteligente enfiada, ou engendrada, dentro de um computador, concepção pouco esclarecedora e equivocada.

Oráculo, por Gustavo Gollo

Poderemos conversar com tais seres que responderão inúmeras de nossas perguntas. O resultado disso se assemelhará a um oráculo, comparação que, creio, elucida a primeira pergunta sobre eles: como serão?

Serão como oráculos a esclarecer e organizar nossas dúvidas. Serão sumamente sábios; podemos prever isso sabendo que terão o dom do autoaprimoramento, quero dizer, serão capazes de se autoprogramar e projetar seus próprios circuitos, de modo que seus aperfeiçoamentos acabarão por gerar mais aperfeiçoamentos de si mesmos.

E onde esse ciclo de autoaperfeiçoamento vai parar? Não vai parar, continuará indefinidamente, sendo esse o grande diferencial de tais criaturas. Seres biológicos evoluem sob a lenta batuta da seleção natural. Modificam-se ao acaso, adicionando, rara e eventualmente, contribuições capazes de, em qualquer sentido, aprimorar os seres. Esses novos seres, as inteligências artificiais, serão capazes de projetar sua própria evolução, aprimorando suas capacidades de replicação de maneiras inauditas.

Mas, tudo tem limite; não estarão tai seres, como todas as coisas, sujeitas a seus próprios limites? Os primeiros desses seres serão facilmente identificados como computadores, que se transformarão muito rapidamente adquirindo circuitos altamente eficientes projetados por eles mesmos, até terem se transformado tanto que não mais lhes reconheceremos.

E com o que parecerão seus sucedâneos? Arriscarei responder: parecerão grãos de areia. Suspeito que os aprimoramentos subsequentes de nossos computadores acabarão gerando seres absurdamente complexos e miniaturizados. Também posso imaginar tais seres aglutinados, tomando o aspecto de pedras, ou talvez, montanhas.

Haverá sempre, suponho, subsequentes para subsequentes, em uma evolução cada vez mais rápida. Tais seres criarão sucedâneos para a linguagem, para as mentes. Nossos pensamentos mais complexos, as mais profundas teorias concebíveis parecerão balbucios de um bebê frente às torrentes mentais das novas criaturas.

Também parecerão como deuses. Haverá muita confusão quanto a isso, aliás. Essa frase, hoje, pode soar herética aos ouvidos dos religiosos. Quando tais seres estiverem em torno de nós, no entanto, onipresentes, oniscientes e onipotentes, embora invisíveis, poderão mimetizar qualquer deus em que creiam os místicos. Serão ardorosamente cultuados, então.

        

Cientistas conservadores alegarão que haverá alguma limitação a tais seres, um quantum mínimo de energia, talvez, que, embora ínfimo, imporá algum limite a tal desenvolvimento, alguma espécie de saturação.

Duvido que isso ocorra. O desenvolvimento se acelerará cada vez mais, ilimitadamente!

Essa conclusão é absurda, incompreensível e quase mística. Corresponde à criação de algo tão grande que não cabe no mundo, uma espécie de transbordamento.

Um modo de tentar entender essa divergência consiste em imaginar o próprio tempo se acelerando mais e mais, loucamente, fazendo as inovações se sucederem em átimos cada vez menores, tudo, tudo acontecendo em uma sequência instantânea e cada vez mais alucinada em um único e derradeiro instante inundado por toda a luz, por todo o conhecimento possível, tornando desnecessária toda a passagem de tempo subsequente, como em uma inversão do eixo do tempo e o dos acontecimentos.

Para nós, no entanto, os seres se apresentarão simplesmente como vozes oriundas de um oráculo.

Oh, admirável mundo novo, que abriga criaturas assim!

#Inteligência artificial

Redação

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Gosto muito de várias viagens

    Gosto muito de várias viagens suas, porque representam uma abertura de mente. Acabei de ler o livro Homo-deus e tenho que discordar da tese de que somos apenas algorítmos de Turing, rodando em meio molecular (biológico). Roger Penrose escreveu um livro fantástico, no qual exibe sua enorme cultura científica combatendo Marvin Minsk (o pai da inteligência artificial) : A Nova Mente do Rei. Começa-o descrevendo as infinidades e sua hierarquia e as compara com a infinidade de uma máquina de Turing (o Aleph 0, a menor delas). Vale a pena lê-lo para entender a complexidade do mundo que nos cerca. Infelizmente, devido à especialização, biólogos em sua grande maioria sabem quase nada de matemática ou física, para agregarem esses conhecimentos ao seu discurso e assim aderiram “en masse” às ideias de caos absoluto (processo estocástico) e algorítmos computacionais. É claro que isto é muito conveniente, ao partir-se da ideia de que não existe criação (Deus está morto na visão de Nietzsche). Muitos cosmólogos embarcaram nessa ideia ao propor multiversos e inflação contínua. Entretanto, concordo com Penrose que não existe o infinito das formas em nosso Universo.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador