13 Reasons Why e o diálogo sobre o suicídio e a culpa, por Mariana Nassif

Por Mariana Nassif

O polêmico seriado 13 Reasons Why, baseado no livro homômino de Jay Asher, exibido no Brasil pela Netflix, trouxe há pouco sua segunda temporada. A primeira, para quem não assistiu, apresentou 13 motivos fundamentais para que Hanna, a complexa garota americana de classe média, cometesse suicídio: foram motivos diversos, mas que fundamentalmente giraram em torno de bullyng e abusos sexuais, estupros propriamente ditos, além de conflitos familiares que, naquele momento, estavam em segundo plano – pelo menos aos meus olhos, o foco daquela temporada foi o apontamento de Hanna, testemunhado em fitas cassete, relatando as problemáticas relações com alguns de seus colegas de escola.

Nesta segunda temporada, que devorei em poucos dias porque sou assim, maratonista de episódios, o enfoque aprofundou especialmente estas questões familiares, visto que a narrativa tem como fio condutor a ação judicial que a família de Hanna move contra o colégio, alegando que a garota pediu ajuda aos conselheiros e tentou de diversas formas expor os abusos no ambiente escolar, sem sucesso. Os colegas apontados nas fitas, aparentemente amadurecidos em suas próprias questões, inclusive por conta dos desabafos das fitas, são, em sua maioria, convocados a depor e a elucidar, de certa forma, sua participação no enredo. É interessante a abordagem de alguns deles sobre o suicídio da amiga, transitando hora sobre seu papel na trajetória de bullyng, hora na manutenção das mentiras – especialmente pelo agente abusar, o nojento valentão da escola, protegido pelo esporte, pelo grupo de amigos e, claro pela namorada popular.

Mas o que chamou minha atenção especialmente e com força foram as questões acerca da família. Obviamente a escola não deseja admitir a culpa por ter sido leviana no atendimento à aluna e, então, já inicia um linchamento ao comportamento dos pais de Hanna, os promovendo a relapsos e desatentos e, então, se instaurou em mim um profundo questionamento sobre estes papéis, quase sempre discutidos socialmente em algumas fases da vida das crianças e adolescentes mas que, no tocante à prática, acaba ficando nitidamente perdido na sutil linha de responsabilidades parental e escolar. É deveras difícil formular um veredicto mas, de qualquer forma, acredito que seja válido para todos nós questionarmos nossos papéis como pais, como seres presentes na vida de nossos filhos, obviamente não a ponto de nos culparmos e levarmos o árduo fardo deste tipo de perda como responsabilidade pessoal, mas quem sabe para nos tranquilizarmos, de alguma maneira, sobre termos feito tudo o que podíamos, da melhor forma possível. A culpa também é avassaladora.

Cada vez mais, é solicitado que dialoguemos sobre os limites do respeito à privacidade, do ponto de vista que não somos obrigados a saber exatamente o que se passa na vida daqueles que nos cercam. É claro que alguém que se suicida provavelmente já deu sinais de que a vida não andava bem e mais, mas a pergunta que não me sai da cabeça é: se existisse receita, haveria tantos casos no mundo? Se estar presente, cuidar, orientar, assistir, enfim, se os direcionamentos todos fossem seguidos à risca, não que não os sejam, mas supondo que não haja margem pra erro, onde estaria o lugar do indivíduo, já sufocado pela própria existência, se desenvolver? Não sei.

Certa vez, no auge de minha própria depressão, questionei minha existência neste mundo de forma tão assustadora que não medi esforços para me ajudar: terapias, espíritos, transformações pessoais e uma busca por pensamentos que, mais tarde, viriam a ser sensações relacionadas ao desejo de viver e, ufa, deu trabalho mas sou extremamente grata a este empenho – estou viva, caminhando para a iniciação religiosa, carrego honra e orgulho como mãe e entendo meus erros e equívocos como premissa para meu progresso. É claro que não estou fazendo um julgamento sobre aqueles que, infelizmente, não encontraram este trajeto disponível e se foram, mas confesso que me assustou terrivelmente a ideia de pensar, por um momento que fosse, que não existir pudesse ser melhor que existir, em quaisquer condições que fossem. Rosanna, a terapeuta italiana que me acompanhou no início deste processo, dizia que mais importante do que não pensar em suicídio era pensar e escolher ficar. Hoje, já distante deste momento, consigo observar que este desejo, o de ficar, foi maior do que qualquer episódio tenebroso que tenha se passado comigo, real ou psicologicamente, e também agradeço e amo cada terapeuta e anjo que cruzou meu caminho, trazendo à tona esta escolha de forma consciente. Todo este processo foi de certa forma silencioso e íntimo, compartilhado com pouquíssimas pessoas e, então, não dá pra julgar também os pais e os amigos mais próximos sobre seu envolvimento nisso tudo, é este o ponto central. 

Um singelo episódio em minha própria história me é marcante no sentido de “dar conta de mim mesma”. Certa vez, ainda criança, falei para uma menina do prédio alguma coisa como “foi ela, a pretinha”. Meu pai, mais tarde, me pegou pela mão, tocou a campainha da casa da menina e, com o pai dela também presente, me fez pedir desculpas e, em conversa posterior, dialogou sobre racismo, respeito e algumas coisas que me transformaram ali em alguém que entende consequências. É claro, hoje, que esta lição não ficou só no tocante da questão racial, mas permeou outros momentos da vida onde eu precisei contar comigo mesma e pedir desculpas, inclusive a mim mesma. Crescer nào é fácil, educar menos ainda mas, acredito, valha cada investimento, desde que seja o melhor que cada qual pode fazer no momento. 

A vida de cada um é algo tão precioso quanto íntimo e, então, fortalecernos como indivíduos é caminho quase solitário – mas não necessariamente sozinho. 

Não é algo que seja confortável escrever sobre, mas acredito que seja essencial abrir o diálogo, ampliar as margens dessa conversa, pelo menos para que cada vez mais pais e filhos encontrem e formulem uma convivência saudável, curativa e, no mínimo, possível.

 

Mariana A. Nassif

1 Comentário

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  1. Partindo dos mesmos temas,

    Partindo dos mesmos temas, suicídio e crise existencial na adolescência, é interessante mencionar “The Perkins of being a Wallflower” (“As vantagens de ser invisível”, em português). É uma visão bastante interessante e otimista. Particularmente, li uma entrevista do autor do livro (que também virou filme) se dizendo satisfeito por receber cartas de adolescentes que disseram ter desistido do suícidio após ler a história.

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