Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A gravidez é a alienação do sexo no filme “Antibirth”, por Wilson Ferreira

Há um assustador subgênero dentro dos filmes de terror: protagonistas tomadas por uma assustadora gravidez que pode trazer dentro de si a própria semente do Mal. É um tema recorrente no cinema, passando por clássicos como “O Bebê de Rosemary”, “It’s Alive” ou, recentemente, “Prometheus”. Toda recorrência na produção cinematográfica significa a existência de algum imaginário ou arquétipo que procura expressão audiovisual. O independente “Antibirth” (2016) é mais um filme que se enquadra nessa temática onde a gravidez é representada como algo estranho e invasor, alienado da própria sexualidade. Tema que ganhou espaço no cinema paralelo à revolução sexual e o individualismo e narcisismo da sociedade de consumo. A gravidez se torna a alienação da sexualidade e a própria alienação de nós mesmos. Por isso, no estranho filme noir-psicodélico “Antibirth” pessoas alienadas de seus próprios desejos são candidatos perfeitos para algum estranho experimento.

Há um subgênero dentro dos filme de Terror que já possui uma longa trajetória: a narrativa sobre a gravidez assustadora – O Bebê de Rosemary, It’s Alive, I Don’t Want to be Born, Inside, Alien, Prometheus, Demon Seed etc.

Suas origens estão em um filme de 1960 chamado Village of The Damned: em um vilarejos todas as mulheres geram crianças mutantes com olhos malignos e capazes de fazer coisas terríveis com as mentes das pessoas.

Depois desse filme, o tema passou a ser recorrente por décadas, transformando-se em subgênero. A mãe vive uma relação de estranhamento seja diante forma de concepção (abdução, rapto, estupro, sedução etc.), estranhamento em relação ao pai (o demônio, uma mutação, uma máquina, aliens, experiências) ou estranhamento pela evolução da gravidez (deformação corporal monstruosa, males psíquicos, alucinações, paranoia etc.).

Recorrências temáticas na produção cinematográfica são sempre índices da existência de um imaginário, arquétipo ou espírito de época que procura sua representação imagética na cultura popular. Esse subgênero cresceu paralelo à revolução sexual, a pílula anticoncepcional, o crescimento do individualismo e consumismo, a indústria do sexo e do erotismo e o gozo como um tema transversal do Feminismo até os movimentos LGBT.

Nesse espírito de época, certamente a gravidez tornou-se a alienação do sexo – é um acidente, algo indesejado, implica disponibilidade, dedicação e uma série de obrigações que é o oposto do gozo e do prazer. Precisa ser planejado, calculado os seus riscos e as relações custo-benefício.

O filme Antibirth (2016), na estreia como diretor de Danny Perez, é mais uma produção que atualiza esse subgênero – dessa vez não temos uma narrativa onde encontramos uma inocente heroína que tem sua rotina familiar ou virtuosa quebrada por uma monstruosa ou sobrenatural gravidez indesejada cujo bebê tem uma missão maligna sob o comando paterno. Agora temos uma protagonista que já vive em um inferno de drogas e álcool e tudo só tende a se tornar pior.

Lou (Natasha Lyonne da série Netflix Orange Is The New Black)  é uma mulher motivada apenas pela busca de diversão e prazeres em uma pequena comunidade barulhenta formada por drogados, boozers e veteranos militares quando, de repente, começa a sentir sintomas de gravidez.  Para ela, é certo que não teve relações sexuais nos últimos meses, mas estranhos flashs confusos de memória sobre uma festa psicodélica numa fábrica abandonada a assombram.

Todos os temas desse subgênero são explorados (a paranoia, uma possível conspiração, a gravidez que consome a própria mãe, estranhas deformações corporais etc.), mas em estilo, por assim dizer, noir-psicodélico – todos vivem em um submundo de losers, pequenos escroques e traidores.

Se a alienação do sexo, a gravidez, é conduzida ao exagero do estilo trash, slash e sci-fi, Antibirth vai ainda mais além ao retratar como a própria alienação do desejo transforma-se no campo do domínio do poder – uma gang de traficantes alimenta quimicamente aquela comunidade. Mas sem saberem, poderão ser instrumentos de uma organização de poder ainda maior. E a gravidez de Lou parece ser o epicentro de tudo.

O Filme

Quando assistimos ao filme tudo parece ser uma combinação psicodélica de O Bebê de Rosemary e Alucinações do Passado (Jacob’s Ladder, já analisado pelo Cinegnoseclique aqui). 

Antibirth tem a característica peculiar dos filmes noir: todos os personagens são antipáticos e até repugnantes. Ninguém inspira confiança e todos parecem suspeitos, como nos bons e velhos filmes de detetives noir. Portanto, o filme não obedece a um dos mandamentos dos filmes hollywoodianos: a identificação. Lou, a protagonista, é disgusting. Vive de gin, tequila, bongo, cigarros, trash-foods. Só por isso, o filme merece respeito.

Lou vive em uma comunidade cujo auge da vida noturna é uma pista de boliche dublê de buffet de festas infantil: a Funzone, animada por estranhos palhaços que parecem os personagens dos Teletubbies, só que em uma versão mais sinistra.

Mas houve aquela festa em uma instalação industrial que quebrou a rotina. Dessa festa, Lou teve um estranho black-out com flash-backs que surgem a qualquer momento.

Em um dos seus biscates para ganhar algum dinheiro, trabalhando na limpeza de um motel, conhece uma mulher mais velha chamada Lorna (Meg Tilly). Uma ex-militar que trabalhava com radares até ter uma experiência extraterrestre de abdução cujos resultados abreviaram a carreira no exército. Depois disso estranhas bolhas de pus brotam dos pés de Lou, enquanto a barriga cresce de uma forma estranhamente rápida. Tudo isso enquanto Lou fuma e bebe compulsivamente.

Eventualmente emerge uma conspiração. O útero de Lou estaria sendo usado por forças obscuras para algum fim nefasto. É o que é pior: parece que Lou é a mãe ideal pela intensa contaminação química. 

E a pequena gang de escroques traficantes que abastece aquela pequena comunidade seria apenas instrumento de algum tipo de experimento com uma nova droga estranha e potente. Seu chefe, Gabriel (Mark Webber) vê em tudo isso a oportunidade de “chegar ao topo”. Mas ele é um instrumento de quem? Que experimento é esse e qual o seu propósito? E, principalmente: o que Lou está gerando?

Poder e alienação do desejo – aviso de spoilers à frente

Além de Antibirth ser mais um filme que se insere nesse subgênero que expressa o mal estar psíquico contemporâneo da gravidez sentida como um efeito estranho da sexualidade, Danny Perez ainda deixa outra tema sub-reptício: a alienação do próprio desejo e como os poderes vão explorar esse campo como oportunidade de dominação.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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