Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Amor e paradoxos quânticos no filme “Em Algum Lugar do Passado”, por Wilson Ferreira

Por que um filme tão odiado pela crítica especializada na sua época como “Em Algum Lugar do Passado” (Somewhere in Time, 1980) em pouco tempo tornou-se um novo clássico e um fenômeno cult? Diferente de outros filmes sobre viagem no tempo com forte ênfase social, “Em Algum Lugar do Passado” é uma tragédia amorosa, melodramática sob a trilha onipresente de Rachmaninoff. Porém, há algo mais pulsando por trás de camadas e camadas de romantismo hollywoodiano: o primeiro filme a aproximar o tema do amor aos paradoxos quânticos do tempo, assim como hoje fazem filmes como “Interestelar” de Nolan ou “Amantes Eternos” de Jarmusch. 

Massacrado pela crítica e amado pelo público, o filme Em algum Lugar no Passado é um desses fenômenos cult: produções que na época foram mal vistas pela crítica especializada, depois de uma década tornam-se novos clássicos. Exemplos parecidos não faltam: Ghost, Curtindo A Vida Adoidado, A Vingança dos Nerds etc.

Era um filme sobre amor e viagem no tempo, mas sem tornar-se uma ficção científica. Ao contrário de A Máquina do Tempo (The Time Machine, 1960) ou Um Século em 43 Minutos (Time After Time, 1979), produções com abordagens mais sociais, Em Algum Lugar do Passado é uma tragédia amorosa, uma produção de época com toda pompa e circunstância. Um filme bem conservador, que abre uma década de forte acento de conservadorismo moral e político (era Thatcher-Reagan) marcado pela AIDS e o retorno aos valores tradicionais. O auge dessa década foi o filme Atração Fatal (Fatal Attraction, 1987) – a traição pode ser punida pela ameaça de uma solteirona enlouquecida.

Mas se Em Algum Lugar do Passado fosse apenas isso cairia facilmente no esquecimento. Por que em pouco tempo o filme tornou-se um novo clássico? Para além da onipresente música “Rapsódia sobre um Tema de Paganini” de Rachmaninoff (em nove de cada dez restaurantes da época era possível, a qualquer momento, ouvir essa música) e o drama de um amor impossível com direito a um final estilo Ghost, o filme apresenta curiosas ambiguidades e paradoxos sobre a viagem no tempo.

Além disso, é um dos poucos filmes que aborda o tema da viagem no tempo sem o recurso de máquinas ou tecnologias avançadas – tudo que temos é a auto-hipnose e a caixa preta da mente. O que tornou ainda mais ambígua a experiência no tempo do protagonista. 

O Filme

A narrativa inicia em 1972 acompanhando a estreia de uma peça do jovem dramaturgo Richard Collier (Christopher Reeve) na pequena Millfield. Ele é abordado por uma mulher idosa e misteriosa que aperta em suas mãos um antigo relógio de bolsa e implora: “volte para mim!”.

 Richard passa então a ficar obcecado em descobrir a identidade daquela mulher, até descobrir que era uma famosa atriz do início do século XX chamada Elise McKenna (Jane Seymour).

Hospedado no clássico Grand Hotel, Richard descobre uma antiga foto da atriz exposta no salão histórico e que ali esteve apresentando uma peça teatral em 1912, o que faz aumentar ainda mais a paixão e obsessão. Mas a maior surpresa foi descobrir que aquele relógio que possuía na verdade era dela. 

Intrigado, Richard começa a empreender uma pesquisa sobre as reais possibilidades de se fazer uma viagem no tempo, até conhecer um professor de Filosofia que lhe passa um método simples, baseado em auto-hipnose: tudo que Richard precisa fazer é se isolar em um quarto e remover todos os objetos modernos que lembrem o presente. Vestido com trajes de época e deitado em uma cama, Richard é transportado para aquele momento da apresentação da jovem e radiante Elise, 60 anos atrás no tempo.  

A viagem no tempo através da mente abre a primeira grande discussão para os aficionados do filme: será que houve de fato um transporte real para o passado ou tudo não passou de um sonho? Ou, de fato, houve um deslocamento no tempo, mas através de uma auto-hipnose de regressão a vidas passadas. 

Essa hipótese teosófica é ainda corroborada com o episódio da moeda de 1972 que Richard acha em seu bolso em 1912, quebrando abruptamente o transe temporal fazendo-o retornar involuntariamente ao presente, abandonando a mulher amada. A consciência da moeda lembra as técnicas de sonho lúcido (indução de metalinguagem no próprio sonho). Porém, aqui a meta-consciência quebrou o “encanto” ou a crença que de fato está em 1912.

O paradoxo do relógio

A história de Em Algum Lugar do Passado parece ser auto-consistente, sem o chamado “paradoxo do avô” das viagens no tempo – Richard apenas cumpre a predestinação. Todas as informações que descobriu em 1972 sobre o passado, cumpre em 1912: hospeda-se no mesmo número de quarto, a mesma assinatura no livro de hóspedes do hotel e… devolve o relógio para Elise que voltará a entregar a Richard 70 anos depois.

Essa é a questão que assombra os fãs do filme: onde foi fabricado o relógio? Se o leitor considerar a linha do tempo do relógio, irá formar um circuito fechado muito parecido com um bambolê – Elise teria o “primeiro” relógio em 1912, e em seguida entregaria para Richard em 1972, de modo que poderia dar-lhe de volta em 1912. O relógio existiria sem nunca ter sido criado. Estaríamos diante daquilo que em Física chama-se CTC – Closed Timelike Curve – linha de tempo fechada.

O relógio viaja através de uma CTC e, portanto, carece de qualquer início ou final. Assim parece ter surgido do nada, criatio ex nihilo. A melhor imagem para ilustrar esse conceito tão abstrato são as figuras geométricas paradoxais como a fita de Möbius (que não possui uma lado de dentro e de fora como uma fita normal) ou as imagens recursivas como as escadas ascendentes e descendentes de MC Escher (veja figura abaixo) onde não conseguimos afirmar se os monges estão subindo ou descendo as escadarias do mosteiro.

Por isso, Em Algum Lugar do Passado talvez seja o primeiro filme a fazer uma abordagem, por assim dizer, quântica do amor – o relógio foi o objeto que uniu pessoas tão distantes no tempo. O relógio parece ter sido criado por pura magia – ou pelo amor?

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

18 Comentários

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  1. Excelente.Revi o filme no Telecine Cult essa semana e realmente

    tive a mesma impressão que havia me causado na década de 1980..

    Fico sempre com a sensação de que tudo aquilo aconteceu.

    Talvez essa seja uma explicação para tantos “déjà- vu” em minha vida.

  2. só mesmo o amor em tempos de

    só mesmo o amor em tempos de paradoxos quânticos do náufrago wilson tom hanks para salvar o dia no GGN-NASSIF… para provocar uma epifania joyceana em algum lugar do passado na mítica dublin…

  3. Bela análise, mas nem o filme
    Bela análise, mas nem o filme e nem a interpretação proposta têm nada de quântico. A interpretação do relógio como uma CTC, que é um objeto da relatividade geral de Einstein e não da teoria quântica, é boa.

  4. O filme é

    O filme é ótimo.

    Infelizmente, além de todos os fatores contra viagens no tempo ao passado que são sempre discutidos em artigos (científicos ou não), existe um outro fator que costuma passar despercebido. A viagem ao passado violaria a primeira lei da termodinâmica, que diz que a energia do unverso é constante, ou como diz aquela máxima de Lavoisier: “Na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”.

    Quando simplesmente “aparecemos” em algum lugar do passado, como mostram os filmes, estamos acrescentando matéria (energia “cristalizada”) a um ponto do tempo. Mesmo que ainda não tenhamos nascido naquela época, os elementos que irão compor nosso corpo já existem. O ferro de nosso sangue, o cálcio de nossos ossos e dentes, o carbono, o hidrogênio, o oxigênio, etc. Já está tudo por aí, espalhado pelo planeta. Ao “aparecermos” no passado, estamos duplicando esses elementos, agora combinados em nosso corpo, ou seja, estamos adicionando matéria ao universo. Como Eistein demonstrou, com sua famosa fórmula E=MC2, matéria e energia são equivalentes. Portanto, estamos criando energia do nada.

    1. Essa violação não aconteceria
      Essa violação não aconteceria com as linhas de universo fechadas (CTC). Mas para que tais linhas existissem precisaríamos viver em um universo de Gödel, o que quase certamente não é o caso.

    2. Não simplesmente aparecemos no passado

      Nós na verdade seríamos transportados para o passado, e não aparecer/desaparecer. Quando se viaja por um buraco de minhoca, nossa matéria não some num ponto do tempo-espaço e aparece em outro, e sim é desintegrada, transportada e reintegrada num outro ponto.

  5. Perdi a conta quantas vezes

    Perdi a conta quantas vezes assisti este filme.  Não faz muito tempo comprei o seu DVD, ele se juntou ao meu  antigo LP da trilha sonora do filme.  Esta questão do tempo é o que sempre me intrigou, mas o romance como pano de fundo é que deu a força e sucesso ao filme.  A história de amor que construiram é muito delicada, além da fotografia que é linda!. 

  6. Quem um dia amou verdadeiramente, ama o filme !!!!

    Me vi neste filme querendo voltar para o grande amor da minha vida !!! Silvia Valéria era ela que via a cada minuto do filme em meus pensamentos. Quem um dia amou verdadeiramente, ama o filme !!!!

  7. Critica

    Achei muito egoista da parte da Elise. Ela viveu mais de 80 anos e não dá a mesma chance a ele. Porque dando o relógio para o jovem ele irá viver mais 8 anos só é encontrar com ela já morta. Quem ama abdica da sua felicidade pelo amado. Neste caso Elisa ama a si mesmo. O rapaz é condenado a uma interrupção de sua existência sem ter uma segunda chance de encontrar outro amor. Foi muito triste também ver o ator com saúde sabendo que ele, na atualidade, viveu sob as sequelas de um acidente tão trágico. 

    1. Futuro

      Na verdade, ela apenas vê o amor da vida dela e dá o relógio. Ela não tem como prever o que vai acontecer, não pode saber o que o destino reserva. Tanto que não fez mais nada nos 8 anos seguintes. O único ato foi dar o relógio. È um ato de amor e não de egoísmo.

      1. então, ela ve o amor da vida

        então, ela ve o amor da vida dela aos 80 anos e entrega o relógio.,daí, ele se encanta com a foto e ve na foto o amor da vida dele..daí volta ao passado em auto regressão hipnótica (quase alucinatória-acredito que só ele viva essa sensação, ela nao viveria por nao estar em auto hipnose).,simples assim?., gostaria muito de poder interpretar esse filme da maneira correta mas não to conseguindo..

  8. O relógio não era dela em
    O relógio não era dela em 2012… Senão qndo ele voltou no tempo e olhou a hora ela jamais diria “que lindo! Quem te deu?”. No máximo ela diria “tenho um igual” ou “eu tinha um igual”… Não há explicação para o relógio. Não dá msmo pra afirmar se ele era dele ou dela…

    1. Foi ele quem deu a ela o relógio no passado

      A exclamação sobre o relogio ser lindo, refere-se realmente a ela “ainda” nao conhecer o mesmo que sera dado a ela por ele posteriormente.

  9. O filme e sobre vidas
    O filme e sobre vidas passadas,ne ? Mas como a senhora sabe que o jovem escritor foi o seu antigo amor ? E como ele tinha o mesmo nome e sobrenome na outra epoca ?

    1. Olha, por eu ser evangélica, não acredito em reencarnação, mas eu sei separá o que é ficção e realidade. Adoro ver esses tipos de filme, mesmo não acreditando que aconteça na vida real, mas falando sobre o filme, eu também acho que foi uma regressão, não acredito que tenha sido viagem no tempo. O amor do passado dela, deve ser um ancestral do Richard que deve ter o mesmo nome que ele, tipo um tio bisavô (irmão do bisavô dele, que ele nunca ouviu falar). A cena que ele desaparece que ela fica gritando pelo nome dele, provavelmente deve ter sido o momento que o ancestral dele Richard (o amor dela de 1912) morreu, talvez de um infarte ou outra coisa. Ela abandonou a carreira de atriz e ficou vivendo esse sentimentos por anos. Depois que passou vários anos, o Richard de 1912, deve ter reencarnado num descendente dele… Você perguntou, como foi que ela descobriu sobre ele? Bem, o reencarnado Richard de 1972/1980, era estudante e escrevia peças de teatros, que acabou se transformando em uma peça. Provavelmente, essa peça deve ter saído no jornal e o nome do criador. Ela deve ter visto e o nome deve ter chamado a atenção dela. Quando ela viu ele, e viu que era a mesma fisionomia, deduziu que era ele que voltou. Então se aproximou e entregou o relógio para ele e dizendo “Volta Para Mim”, talvez ela pensou que quando ele morresse se encontrasse com ela. Depois de Richard descobrir tudo e pesquisar e querer voltar no tempo, ele deve ter feito uma regressão através de uma hipnose, e voltou na sua antiga reencarnação, mas tendo noção de quem era ele. Se você assistiu a novela “Espelho da Vida”, acontece exatamente isso com a personagem Ana (não lembro se era esse o nome), para ela descobrir quem foi o assassino da sua antiga reencarnação, Júlia, ela regressou ao passado, no corpo de Julia, mas com a mente da Ana, pois era a Ana que estava atuando e vivendo a vida da Júlia. E deve ter acontecido a mesma coisa com o Richard 1980, que viveu a vida do Richard de 1912, mesmo ele sabendo quem ele era. Quando ele viu a moeda de 1979, foi exatamente no momento em sua antiga reencarnação deve ter morrido em 1912 e por isso ele voltou para o tempo atual. Eu acredito mais nessa ficção do que em viagem do tempo. O relógio deve ter pertencido ao ancestral dele, que deu para ela, e que entregou a ele

  10. Eu já acordei de sonhos que eu não queria que acabassem, e depois achei que dormindo de novo, o sonho continuaria! Esse filme simplesmente fala de um amor impossível, mas é incrivelmente fascinante, principalmente a abordagem de uma viagem no tempo sem a tecnologia da ficção!

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