Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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As oportunidades perdidas na série “Under The Dome”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Tinha tudo para dar certo: uma adaptação de livro do célebre Stephen King e narrativa repleta de alusões gnósticas, esotéricas e políticas. De repente, de um profundo céu azul, cai sobre Chester’s Mill uma gigantesca redoma invisível que isola a cidade do resto do planeta. A redoma testará seus habitantes, retirando deles o melhor e o pior que a natureza humana pode oferecer. Essa é a série “Under The Dome” (2013-2015), do mesmo produtor de “Lost”. Mas o intrigante argumento (com a marca de King ao explorar culpa, medo e o pecado dos personagens) não suportou ao roteiro: uma colcha de retalhos repleta de eventos aleatórios e ricas alusões gnósticas e religiosas que foram apenas jogadas para esticar a série por três temporadas, sem desenvolver de forma consequente nenhuma ideia. O “Cinegnose” analisa as oportunidades perdidas de uma adaptação mal sucedida de Stephen King.

Under The Dome tinha todos os ingredientes para ser uma excelente série: uma adaptação do livro de Stephen King, a exploração de algo misterioso e absolutamente non sense (do nada, uma redoma, ou esfera, cai sobre uma cidade inteira aprisionando todos os habitantes), a narrativa recheada de alusões políticas (o protofascismo que emerge na psicologia das massas em situações de crise), místicas e esotéricas que lembravam os bons momentos da antiga série Lost.

Foi doloroso para esse humilde blogueiro acompanhar o mergulho da série em personagens que tornavam-se não-personagens, eventos aleatórios usados para arrastar as temporadas e um roteiro que constantemente se utilizou daquilo que se chama “Deus ex-machina” – termo usado para designar soluções arbitrárias, sem nexo ou plausibilidade para solucionar becos sem saída encontrados em roteiros mal conduzidos.

O episódio piloto e a abertura da série são impactantes: do profundo céu azul, de repente cai uma gigantesca redoma invisível sobre uma pequena e pacata cidade chamada Chester’s Mill. Nos limites da redoma as imagens são impactantes: uma vaca é cortada ao meio, casas destruídas e aviões que sobrevoavam a região naquele momento colidem na misteriosa redoma.

A locução que abre cada episódio é poderosa: 

“há algumas semanas uma cúpula invisível caiu sobre Chester’s Mill cortando-nos do resto do mundo. O porquê da cúpula estar aqui e seus mistérios, não sabemos. Todos os dias testa nossos limites, trazendo à tona o melhor e o pior de nós. Dizem que ficaremos presos para sempre. Mas nunca pararemos de lutar para descobrir uma maneira de sair”.

O próprio argumento e o pôster da série lembram a imagem símbolo do Gnosticismo que mostra um monge tentando observar o que existe além do mundo. Na verdade uma imagem de Camile Flammarion de 1888 que representa a cosmologia medieval. Uma metafórica ilustração que representa ao mesmo tempo as questões místicas e científicas do conhecimento.

Chester’s Mill transforma-se em microcosmo ou uma cidade-prisão como tantas tramas gnósticas como a Seaheaven de Show de Truman ou a cidade-laboratório dos aliens que confinavam seres humanos em Cidade das Sombras (Dark City, 1998).

Um início promissor

Como em todas as obras de Stephen King, em Under The Dome estão presentes os seus temas mais caros: culpa, pecados e punição. Um dos temores dos habitantes da cidadezinha é de estarem sendo punidos pelos céus pelos seus pecados e corrupção de seus líderes.

Por isso, a primeira temporada da série foi promissora: alienígenas queriam criar uma espécie de cidade-aquário para observar os seres humanos? Seria tudo um projeto secreto militar mal sucedido?

Na primeira temporada, o roteiro optou por um caminho que lembrou bastante narrativas como a de Guerra dos Mundos com Tom Cruise: aos invés de focar em batalhas e conspirações épicas (as ações externas do exército para destruir a redoma e a repercussão midiática mundial é apenas sugerida em passagens rápidas) a série concentra-se nos conflitos pessoais em Chester’s Mill – o incidente apenas acirra desavenças e vícios pré-existentes e ocultados no dia-a-dia.

Ao invés de se reinventar (como consegue fazer a segunda temporada de Mr. Robot, depois de praticamente esgotar todos os trunfos da primeira temporada), Under The Dome  se arrasta na segunda temporada mantendo o mistério do porquê da redoma. Por isso, a cada episódio, são criados soluções, novos personagens e “revelações” das formas mais arbitrárias.

“Deus ex-machina”

Por que Angie é assassinada a golpes de machado? Por que Sam viu nos quadros pintados pela esposa de Big Jim (prefeito da cidade) essa “metáfora” e acreditou que matando-a a redoma iria embora. Por que a redoma apareceu sobre Chester’s Mill? A esposa de Big Jim (Pauline – Sherry Stringfield) teria “profetizado” o bizarro acontecimento e tudo o que viria depois em uma série de pinturas, por assim dizer, “mediúnicas”. Alguns personagens tentam fazer a interpretação ao pé-da-letra das enigmáticas pinturas criando efeitos catastróficos.

Em um episódio há uma praga de lagartas – alusões a pragas bíblicas são feitas, mas logo é esquecido; no outro a redoma move-se acelerando as estações do ano; de repente a redoma começa a encolher; inesperadamente a redoma começa a ficar opaca… em outra calcifica… em um episódio cidadãos comuns, orientados por uma professora de ciências escolar, constroem em uma hora um enorme eletroímã em um moinho de vento para combater uma anomalia eletromagnética; e assim por diante, numa sucessão inacreditável de “Deus ex-machina”  que faria corar qualquer roteirista.

E o pior fica para a terceira temporada em uma miscelânea de realidade alternativa, chuva de meteoros e planos malignos alienígenas associado aos propósitos inconfessáveis de uma empresa energética que vê na redoma uma fonte inesgotável de energia.

O protofascismo de Big Jim

Portanto, Under The Dome deve ser analisado em torno das oportunidades que foram perdidas para desenvolver temas bem interessantes.

Para começar, as manipulações e fabulações do personagem Big Jim (Dean Norris). Ele parece ser o representante daquilo que pior a natureza humana pode oferecer em momentos de crise. No fundo, Big Jim não tem nenhuma curiosidade metafísica sobre a redoma. Ele vê na crise a situação perfeita para manipular o medo e a ignorância para tornar-se um líder ditatorial.

Em uma das crises tiradas da cartola dos roteiristas, uma praga de lagartas ameaça dizimar as plantações, matando Chester’s Mill de fome. Big Jim acredita que somente ele deve decidir que vive e quem morre. Decisão difícil, com a comida rareando. 

Mas entra em ação Rebeca, a professora de Ciências escolar que desenvolve um vírus que, espalhado na água, faria todos adoecerem. Somente os mais fortes sobreviveriam, criando, dessa forma, um controle populacional por seleção natural. 

Essa é apenas uma das maquinações de Big Jim, sempre em busca do poder inquestionável, criando golpes e crises para criar unanimidade em torno de si.

Big Jim é o típico “Red Neck” proto-fascista do Meio Oeste norte-americano. Mas também representa a genérica psicologia de massas fascista que emerge em crises sociais e políticas – a busca de uma liderança autocrática que aponte o culpado, o bode expiatório para o mal estar coletivo.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

4 Comentários

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  1. O livro é várias vezes melhor

    O livro é várias vezes melhor do que a série, e como podem ver no artigo a série pouco têm a ver com a história contada no livro.

    1. Ele eh excelente!

      Ja li uns 15 livros de Stephen King e o unico que eu nao gostei foi “It” -a cena principal eh uma orgia de pre-adolescentes(!!!).

  2. Também me decepcionei

    Assisti a primeira temporada da série e desisti no primeiro episódio da segunda, quando ocorre um assassinato esdrúxulo e sem sentido para a história.

    Tive a mesma impressão do autor, a série poderia ter tomado ótimos caminhos (o do fascismo, por exemplo, estava gritando na nossa cara), mas foi se desmilinguindo em um nada.

  3. Ainda bem que ja nao assisto

    Ainda bem que ja nao assisto televisao, Wilson, mas sabe que serie caiu aos pedacos do comeco ao fim logo no segundo ano?  Xena.  Era desastre apos desastre nos scripts, dava ate pena!

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