Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Assalto a banco, cinema e Comunismo no filme “Closer To The Moon”

Por Wilson Ferreira

Na mais cara produção do cinema romeno, o diretor Nae Caranfil tenta preencher as lacunas da história do maior assalto ocorrido na história do comunismo: em 1959, cinco jovens membros do Partido Comunista romeno assaltaram o Banco Nacional simulando uma filmagem. Diante dos aplausos daqueles que imaginavam ser testemunhas de um filme de ação, foram roubados 250 mil dólares. Fugir do país com o dinheiro era impossível, gastá-lo na Romênia menos ainda. Então, qual foi a motivação do crime? Esse é o filme “Closer To The Moon” (2014) baseado nesse caso real e que tenta responder à questão. Os assaltantes foram capturados e, ironicamente, foram obrigados a reconstituir o crime em um filme do Partido, dessa vez como atores reais.”Closer To The Moon” abre uma curiosa discussão entre os limites da ficção e realidade no cinema e mostra que talvez os jovens romenos foram os precursores de um modelo de ação midiática que culminou nos atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA.

Bucarest, 1959. Na era de ouro do Comunismo, um taxi com cinco jovens intelectuais armados desviam um taxi em direção ao Banco Nacional da Romênia. Chegando lá, rendem funcionários que estão descarregando sacos com dinheiro. Um dos jovens aponta o que parece ser uma câmera e grita “Ação!”. Os outros, portando o que parecem ser armas reais, forçam os funcionários do banco a esvaziar os sacos de dinheiro em um carro de fuga.

A princípio todos as testemunhas pensam estar presenciando uma produção cinematográfica ao melhor estilo dos filmes americanos de gangsters. Havia até uma placa avisando: “Film in Progress”. Depois que tudo acabou e os atores foram embora, ficou evidente que havia algo errado: não haviam luzes ou adereços. Apenas supostos atores que disparavam tiros para o alto no que parecia ser um filme de ação. Mas na verdade, testemunharam o maior assalto ocorrido na história do comunismo.

A quadrilha ficou conhecida como “Esquadrão Iaonid”. Seis intelectuais que ocupavam altos postos no Partido Comunista (uma cientista política, um engenheiro espacial, um jornalista, um professor de História e um oficial do Partido) conseguiram roubar o equivalente a 250.000 dólares do Banco Nacional da Romênia simulando a gravação de um filme. Mas não para viver luxuosamente com o produto do roubo (seria impossível gastar o dinheiro ou fugir do país), mas apenas para criar uma farsa que desmoralizasse o estado despótico em que a Romênia vivia.

O filme Closer To The Moon foi baseado nesse inacreditável caso histórico. Uma das produções mais caras do cinema romeno, dirigido por Nae Caranfil em parceria com Hollywood, conta com Max Strong no papel de Max Radiou no papel do oficial de Securitate (Polícia Secreta) farto do sistema, Alice (Vera Farmiga) como a cientista política, Iorgu (Christian McKay), professor de História, Dumi (Tim Plester), cientista de astronáutica, e Razvan (Joe Armstrong), um respeitado jornalista.

O assalto teve uma motivação religiosa?

Na vida real, o ousado assalto (de cara, uma ofensa ao sistema já que pela propaganda oficial não haveriam crimes nos países comunistas devido a igualdade econômica) tornou-se uma dor de cabeça para o Partido Comunista: como explicar para os romenos a motivação assalto? Seria impossível gastar o dinheiro (o “leu”) em um país com um sistema onde os vizinhos era incentivados a espionar e denunciar. E fora da Romênia o dinheiro não teria qualquer valor de intercâmbio.

Como mostra o filme, o Partido ainda pensou na hipótese religiosa: todos da gang eram judeus. Talvez estivessem ressentidos com a proibição de manifestações religiosas dentro do novo sistema político. Para piorar, todos os integrantes da gang, além de membros do Partido Comunista, tinham desempenhados papéis importantes na Resistência Romena contra o Nazismo na II Guerra Mundial.

Dois meses depois, todos os jovens do Esquadrão foram descobertos pelo Securitate, presos, julgados e condenados ao fuzilamento.

Porém, o fato tinha sido muito perturbador dentro da Utopia comunista. Por isso, o Partido e o Securitate tiveram uma ideia: antes do fuzilamento, o próprio Esquadrão Iaonid reconstituiria o assalto em um filme – um “curta-metragem educativo”. Ironicamente, dessa vez seriam atores de verdade, para reconstituir o assalto não como simulação, mas como dissimulação da realidade: seriam mostrados como supostos assaltantes de verdade que roubaram dinheiro com o objetivo de terem uma vida de riqueza, para comer em restaurantes caríssimos da alta sociedade.

Deveriam ser retratados para os romenos como os verdadeiros inimigos do Proletariado. 

A reconstrução do “crime”

O filme de propaganda original (que é mostrado nos créditos finais de Closer To The Moon) nunca acabou sendo mostrado para o público. O filme foi chamado de “Reconstrução” e acabou sendo assistido apenas pelos membros do partido e intelectuais. No entanto, nunca foi um documentário – o resultado final foi uma pura peça de propaganda.

O filme Closer To The Moon consegue captar muito bem a essência irônica do incrível assalto romeno encenado: as diferenças entre simulação e dissimulação, e a intercambialidade simbólica entre ficção e realidade. Por isso, certamente o filme é uma boa porta de entrada aos conceitos filosóficos de simulacro e simulação tal como desenvolvidos na obra do pensador francês Jean Baudrillard – sobre isso clique aqui.

Mais do que isso, talvez o gênio da simulação de filmagem no assalto romeno de 1959 tenha sido o precursor do próprio terrorismo atual como simulações de ação política, mas que nada mais são do que simulações feitas capturar a atenção da câmeras e criar pânico, como o atentado ao WTC de 11 de setembro de 2001.

Simulação e Dissimulação

Na dissimulação temos a mentira: dizemos que nada temos, quando na verdade escondemos algo. Manipulamos, censuramos e encobrimos a verdade. 

Na simulação temos o inverso: dizemos que temos algo, simulamos a sua existência por meio de um blefe. Mas nada temos para mostrar, a não ser o simulacro de algo que jamais existiu.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

1 Comentário

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  1. Caramba!

    Isso aconteceu na Romênia em 1959?

    Haja coragem e rebeldia.

    Perto desses cinco romenos toda juventude francesa que foi às ruas de Maio de 1968 não passava de um monte de meninos levados fazendo arte.

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