Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Carma e atração gravitacional no filme “Gravidade”

Desde “2001: Uma Odisséia no Espaço”, nunca um filme como “Gravidade” (2013) do mexicano Alfonso Cuarón, conseguiu representar tão bem a vastidão do espaço e seu vazio obliterante. Indicado ao Oscar de filme, direção, atriz entre outras categorias técnicas, o filme é elogiado pela crítica pela narrativa direta, crua e de grande verossimilhança científica, diferente dos blockbusters recentes, sempre envolvidos em complexas mitologias. Porém, por trás das alucinantes sequências de destruição por detritos espaciais que obrigam a abortar a missão de reparos no telescópio Hubble, há um poderoso núcleo místico-religioso que o próprio diretor admite em entrevistas: morte e renascimento. Mas o filme vai mais além, ao simbolicamente aproximar a lei da gravidade (o mais importante personagem do filme) com a Lei do Carma, atração gravitacional com a reencarnação.

Você está solto no espaço a 375 milhas acima da Terra, o oxigênio está se esgotando, a comunicação foi perdida, uma nuvem de restos catastróficos de satélites está voando na sua direção a 32 mil km/h e não há nenhuma esperança de resgate. O que você faz? O filme Gravidade dirigido pelo mexicano Alfonso Cuarón vai direto ao assunto: sem introduções ou apresentações dos personagens, apenas uma legenda inicial que nos informa que a vida no espaço é impossível. Corta para o exterior onde sempre é noite, a não ser pela enorme nimbus azul-cinza da curvatura da Terra, uma presença constante que representa a força literal da nossa casa: a atração gravitacional, o grande inimigo e ao mesmo tempo aliado com o qual os astronautas terão que lidar para sobreviver.

Uma equipe da NASA está em um passeio espacial de rotina fazendo reparos e atualizando o sistema de computadores do telescópio Hubble. A engenheira Dra Ryan Stone (Sandra Bullock) é a especialista da missão responsável pelos reparos no telescópio enquanto Matt Kowalski (George Clooney) é o experiente líder em sua última missão antes da aposentadoria, coordenando os trabalhos e voando em torno do ônibus espacial. Até que o inesperado acontece: do outro lado do planeta um míssil russo destrói acidentalmente um satélite cujos destroços produz uma reação em cadeia de destruições de outros satélites, criando uma mortal nuvem de destroços.

O controle da missão de Houston começa a gritar para abortar a missão, mas já é tarde: metal pulverizado, pórticos em espiral e um turbilhão caótico de detritos criam caos e destruição, arremessando os astronautas para o espaço escuro. Só depois desses 10 minutos iniciais temos o primeiro corte de plano. Não há mais horizonte natural para corrigir nossos sentidos e o 3D só aumenta a desorientação. Corta para um extremo close up no rosto de Bollock, balançando em 180 graus, rígida de terror e com um aviso sonoro de que o oxigênio está a 10%.

Desde 2001, Uma Odisséia no Espaço (1968) de Stanley Kubrick, nenhum filme conseguiu expressar tão claramente como em Gravidade o caráter absoluto do espaço – a vastidão impossível, o vazio obliterante. A câmera de Alfonso Cuarón consegue colocar o espectador no centro do mais inimaginável e extremo perigo – ficar à deriva no espaço.

Muitos críticos vêm apontando que a grande virtude do filme é a sua narrativa crua, direta e realista (o filme seguiria à risca as leis científicas da astrofísica e astronáutica – o que desmente o astronauta brasileiro Marcos Pontes que trabalha na NASA – clique aqui sobre isso). Algo que os blockbusters atuais teriam perdido, por estarem sempre imersos em complexas mitologias como em Avatar.

Esse blog acredita que a verdadeira virtude de Gravidade não é o seu “realismo” ou crueza narrativa. Os supostos “erros” científicos do filme apenas confirmariam que , ao contrário, a virtude do filme estaria no plano do imaginário e da mitologia. Em entrevistas o diretor mexicano confirma que a inspiração do argumento e roteiro veio “quase tudo da religião” (veja “Gravity – Entrevista a Alfonso Cuarón: “Los cineastas que trabajamos la fantasía estamos en eterna deuda con ‘Avatar'” In: Sensacine).

Misticismo oriental

Em dois momentos o filme faz alusões ao misticismo oriental: no primeiro quando Kowalski está solto no espaço e, conformado com o seu destino fatal, fala para a Dra. Ryan: “como é lindo ver o por do Sol no rio Ganges daqui de cima!”. E o segundo quando a Dra. Ryan finalmente entra na salvadora estação espacial chinesa e senta diante do painel para iniciar os procedimentos de reentrada na atmosfera, vemos o plano em que a câmera enquadra uma pequena estátua de Buda sobre uma saliência – veja foto abaixo.

Em outras palavras, Gravidade faz uma surpreendente aproximação entre a lei da gravitação universal, Carma e reencarnação. Como o próprio diretor afirmou em entrevista, o grande tema do filme é o renascimento, não só como superação das dificuldades da vida, mas também da própria morte.

Isso fica evidente em dois momentos do filme: quando finalmente a Dra. Ryan consegue entrar na câmera de vácuo da Estação Internacional após ficar à beira da morte já sem oxigênio, ela retira sua roupa de astronauta e se coloca, flutuando, em posição fetal. A câmera a enquadra em plano geral e a composição remete explicitamente ao feto e o cordão umbilical; e o outro momento é a simbólica sequência final onde a protagonista como que renasce, numa analogia entre a água, líquido amniótico, nascimento e a reaprendizagem em manter-se em pé e caminhar.

Lei da Gravidade e Reencarnação

Dentro da tradição espiritualista e do misticismo oriental há um entrelaçamento bioenergético entre a lei da gravidade, a lei do Carma e a reencarnação. Termo sânscrito, Carma exprime o encadeamento das causas e efeitos, garantia da ordem do Universo. A esse sentido cósmico, acrescenta-se uma significação ética: os atos humanos estão ligados a suas consequências, e essas ocasionam situações pelas quais os autores desses atos foram responsáveis.

Se a Lua gravita em torno da Terra devido às condições de gravidade e velocidade tangencial (as leis maiores), nossos atos e eventos menores como nascimento, vida e morte de cada indivíduo estariam contidos nessas leis.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

12 Comentários

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  1. Aguardei ansioso por esse

    Aguardei ansioso por esse post dado que aprecio as análises e críticas do Wilson Ferreira.

    Pela primeira vez discordo dele. Aliás, discordar é muita pretensão. Quem sou eu para ter a petulância de arrostá-lo numa área que é mestre?

    Afirmaria apenas, com todos os reguardos possíveis:

    Não observei, nem assimilei, nenhum dos aspectos místificos aludidos. Ao contrário: minha decepção foi grande considerando que esperava uma obra pelo menos parecida com – essa sim – obra-prima 2001-Uma odisséia no espaço. Em termos de efeitos espaciais, fotografia, salva-se. Mas de resto, nada. Achei pífia a atuação dos dois protagonistas e fiquei com a impressão de que faltou exatamente a profundidade que o analista aponta. 

     

    1. Eu discordo de vc. Acho que

      Eu discordo de vc. Acho que ele tem razão.

      Eu não fiz uma análise profunda do filme, apenas assisti. MAs da para notar toda a simbologia de um ‘algo” a mais na história.

      Nesta foto mesmo, assim que volta do espaço exausta, a protagonista dorme e fica no formato uterino. Renascimento!

       

      No fim, a saída da água é como outro renascimento.  O andar trôpego, outra analogia ao aprendizado da caminhada.

       

      Deve haver outras…

       

      Achei os protagonistas So So. Fizeram bem o trabalho mas sem qualquer brilhantismo. Com brilhantismo seria barbada para o Oscar.

    2. Uma leitura controvertida

      De fato, a leitura feita sobre o filme no artigo pode parecer controvertida. O que intuitivamente chamou-me a atenção foi a sequência final quando a protagonista como que renasce e reaprende a se erguer e a caminhar, tal qual um simbolismo do nascimento e crescimento de uma criança… As entrevistas do diretor confirmaram essa suspeita de um simbolismo mistico-religioso por trás das sequências de ação e perigo.

      Num enfoque sincromístico, é grande a coincidência entre as metáforas de morte e renascimento admitidas pelo diretor e a tradição esotérica e espiritualista de uma conexão entre as grandes leis da natureza e as “leis menores” da vida de cada um de nós – a lei do carma. E principalmente a luta contra a lei da gravidade que, segundo essa mesma tradição, está associado às forças que nos empurram para o útero materno do Plano Astral para a reencarnação.

      Como toda análise sincromística, é bem polêmica e controvertidas. Abs!

      1. O correto mesmo(na cena)

        O correto mesmo(na cena) seria mostrar a Sandra Bulock peladinha saindo da água como veio ao mundo… mas, não foi dessa vez, hehehe.

        Tirar só o traje russo deu pro gasto.

      2. Como já fiz vária vezes,

        Como já fiz vária vezes, Wilson, vou assistir novamente após as tuas ponderações. Não sou cinéfilo nem tampouco domino a área em que és perito. 

        Só os experts e os mais atentos tem a capacidade de captar a verdadeira essência ou “mensagem” de um bom filme. Sou muitgo ansioso e procuro, de cara, encontrar nuances e detalhes que decerto requerem mais atenção e acuidade.

        Assim, como já fiz em diversas. vou rever o que está em foco à luz das tuas ponderações. A primeira impressão pode ser a que fica, mas é também bem provável ser a errada.

        Ressalve-se, entretanto, que não sou tão bronco conforme o Athos deixava em entrever nas suas recorrentes ironias.

        Só numa coisa não mudo de opinião: 2001, a despeito da opinião negativa de um comentarista que me antecedeu, é um belo e envolvente filme talvez em função do enredo envolver outros dimensões, a exemplo de vida extraterrena, inteligência artificial e vida/morte.

         

    3. Bela droga

      Discordo completamente do comentarista. 2001 é uma bela droga. O filme nao tem sentido nenhum, e a sequencia das luzes faz qualquer um dormir. Assisti quando era novo e tentei assistir novamente depois de adulto para ver se minha percepçao mudava e me decepcionei.

      2010, nesse sentido, é um filme muito mais completo.

      E Gravidade também. Um belissimo filme, assisti duas vezes e gostei em ambas.

  2. sem rigor cientifico

    Nessa eu não vou com o Wilson. O filme vale pelas imagens e pela fotografia, deslumbrantes.

    Quem espera o rigor cientifico de 2001 uma odisséia no espaço, fica decepcionado. O filme é recheado das tradicionais marmeladas hollywoodianas, com direito a astronauta pulando de uma espaçonave para outra.

    Também não reconheci grande profundidade no filme. Roteiro de filme de aventura de sessão da tarde. 

  3. O melhor foi a frase final do

    O melhor foi a frase final do Carl Sagan… O universo não foi feito à medida do Homem, ele simplesmente o ignora…

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