Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Cineteratologia: a ciência dos monstros no Cinema, por Wilson Ferreira

Assim como a Teratologia, ramo da ciência médica conhecida também como “ciência dos monstros” (o estudo de como o meio ambiente pode produzir deformações pré-natal), seria necessário um estudo sobre como as transformações dos ambientes sócio-culturais alteram as expressões da monstruosidade e a sensibilidade ao terror e o horror no cinema e audiovisual – a Cineteratologia. A partir de “A Noite dos Mortos Vivos” (1968), de George Romero, acompanhamos a quebra o paradigma da monstruosidade clássica e a criação de uma nova galeria de monstros com mudanças estéticas (não são mais “disformes”, mas agora “informes” – os chamados “monstros moles”) e éticas – o comportamento violento é inimputável de qualquer julgamento moral. São apenas manifestações virais ou predadores que lutam para sobreviver. Por que essa alteração na natureza da monstruosidade moderna?

Desde o clássico de filmes de zumbis A Noite dos Mortos Vivos (1968) de George Romero acompanhamos a criação de uma impressionante nova galeria de monstros que quebra o paradigma da monstruosidade clássica: monstros proteiformes como The Thing (1982) de Carpenter; o cruel Alien (1979) com uma morfologia híbrida envolta em gosma que serviu de modelos para todos os futuros aliens e seres híbridos resultantes de manipulações genéticas; Um Lobisomem Americano em Londres (1981) que inicia a contemporânea visão do Lobisomem centrada na transformação e instabilidade morfológica dos efeitos especiais; zumbis de todas as espécie e variações como feridas e pústulas ambulantes que deixam para trás pedaços dos próprios corpos etc.

Essa alteração do gosto e da estética da monstruosidade certamente é a expressão de uma alteração na sensibilidade cultural contemporânea. 

O grande princípio fundador da teratologia, ou ciência dos monstros, é buscar estudar a irregularidade, ocupar-se da desmesura. 

A monstruosidade clássica

Desde a Antiguidade até os nossos dias, os monstros são sempre vistos como aquelas criaturas excedentes ou excessivas em grandeza ou pequenez: gigantes, centauros, ciclopes; anões, gnomos, pigmeus; com muitas partes em falta como os gastrópodes, isquiópodes etc. A teratologia clássica baseava-se em categorias como o disforme, o mau, o feio, o disfórico. 

Os monstros clássicos eram vistos como criaturas que fugiam das homologações de categorias de valores éticos, morfológicos ou estéticos. Em outras palavras, tinham uma forma que tendiam ou para o excesso (gigantismo e deformação) ou para a falta (a pequenês representado por anões e homúnculos). Além do hibridismo das próprias formas como a somatória de propriedades por norma inconciliáveis entre si, mas apesar de tudo ainda reconhecíveis: asas de morcego, cabeça de leão, corpo de lobo, cauda de réptil, garras de ave de rapina. 

Além dessa deformidade e hibridismo, os monstros clássicos eram dotados de uma espécie de “excedência espiritual”: eram seres maus e negativos, moralmente abomináveis e comandados por desígnios malignos dos propósitos infernais. Em síntese, os monstros clássicos poderiam ser chamados de “monstros duros”, seja com uma forma híbrida ou humanoide deformada – haviam ainda parâmetros para se medir a “monstruosidade” da criatura: a morfologia e a moral. O monstro é o disforme, o mau e o feio. 

O divisor de águas… ou de sangue

No cinema, até o divisor de águas (ou de sangue) de George Homero em A Noite dos Mortos Vivos temos a representação clássica do monstro como nos filmes de terror inglês da Hammer com clássicos sobre Drácula, estripadores e lobisomens ou ainda narrativas inspiradas em contos de Edgar Alan Poe.

Podemos definir a monstruosidade clássica a partir de um quadro de categorias de valores como: o disforme, o mau e o feio. Todos os protótipos de monstros vão ser construídos como desvios desse quadro de valores. Daí a origem etimológica da palavra “monstro” como aquilo que se mostra para além de uma norma (“monstrum”). São monstros antropomórficos ou quimeras mas, de qualquer maneira, com uma morfologia que pode ser julgada a partir de valores como a conformidade e beleza. 

“A Noite dos Mortos Vivos”, 1968

Monstruosidade atual: informes e “moles”

Ao contrário, os monstros contemporâneos, a partir dos zumbis de Romero estão longe de adaptarem-se às categorias clássicas de valores, mas suspendem-nas, anulam-nas e neutralizam-nas. São os monstros caracterizados pelas instabilidades e metamorfoses. Poderíamos chamá-los de “monstros moles”.

Para começar os monstros pós-modernos não são disformes, mas informes: eles estão se despedaçando ou se deformando e precisam devorar o outro para se reconstituir; A Coisa (1982) de John Carpenter que assumia a forma humana de cada uma das vítimas na base polar na Antártida; ou no filme espanhol REC (2007) no qual o “zumbismo” tem origem viral, isto é, o vírus como modelo de informidade por excelência: ele assume a forma que quiser de acordo com o seu hospedeiro. Há uma suspensão morfológica. 

Do ponto de visto ético os monstros atuais não são nem bons nem maus: tratam-se de predadores que, do ponto de vista da performance evolutiva, são fascinantes máquinas de sobrevivência. Em Alien, por exemplo, um dos membros da tripulação tenta salvar o espécime alienígena por ser um fascinante modelo de adaptação e evolução. Há uma neutralização ética: ele não é mais um desvio da moralidade, mas o aprimoramento racional da performance de um ser que na sua evolução transforma o ser humano em presa.

Tomemos, por exemplo, filmes sobre zumbis: não podemos considerá-los como entidades moralmente más. O comportamento raivoso e violento é inimputável de qualquer julgamento moral. São apenas manifestações de um vírus mutante, um problema de epidemiologia.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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