Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
[email protected]

A modernidade aguarda o nazismo na série “Babylon Berlin”, por Wilson Ferreira

Por Wilson Ferreira

Com elegância e decadência a modernidade aguarda o nazismo na série “Babylon Berlin”

A série mais cara de televisão alemã, a produção Netflix “Babylon Berlin” (2017-) cria para o espectador uma estranha sensação de atualidade. É ambientada na Berlin do final de década de 1920, coração da modernidade urbana do cinema e dos clubes de jazz. Mas também da hiperinflação, pobreza, racismo, drogas, filmes pornográficos e a ascensão de grupos proto-nazistas. Subprodutos do envenenamento psíquico da República de Weimar na qual comunista e bolcheviques são o pretexto para destruir uma jovem democracia. Um jovem inspetor de polícia dá uma batida e descobre um estúdio de cinema onde eram produzidas versões de contos bíblicos, com muito sexo e pedofilia. Mas o fio da meada que o policial puxará o levará a um obscuro submundo no qual se esconde todo o mal psíquico que fará um país cair nos braços do totalitarismo.

Assistir à série Netflix Babylon Berlin (ainda sem data prevista para estreia na Netflix brasileira) nos traz uma estranha sensação. Muitos comparam a série atual com a clássica de Rainer Fassbinder, Berlin Alexanderplatz, de 1980. Mas se a série de Fassbinder impressionava pela reconstituição histórica da Berlin da década de 1920 (através da visceralidade do diretor), Babylon Berlin impressiona pela atemporalidade – ou melhor, na estranha sensação de atualidade.

Assim como a obra-prima de Fassbinder, a série Netflix, baseada em uma série de romances de Volker Kutscher e que estreou na Alemanha e Inglaterra no final do ano passado, é ambientada na modernidade urbana de Berlin do final da década de 1920 – uma cidade enorme, cheia de contradições: respira a modernidade cultural, artística e tecnológica, mas também está imersa na hiperinflação, pobreza, idealismo, niilismo, ganância corporativa, racismo, filmes pornográficos, tóxico dependência, política progressista e obscurantismo político – a ascensão do nazismo.

Babylon Berlin suscita duas questões: como de uma sociedade tão cosmopolita, sofisticada cultural e tecnologicamente surgiu tanta decadência espiritual e econômica ao lado do nazi-fascismo, misticismo e religião? 

E por que o turbilhão político e a ascensão de movimentos antidemocráticos e de direita da cena alemã do final dos anos 1920 soam ainda como algo muito familiar na atualidade? Haveria uma ressonância da série com a atual crise brasileira? Uma analogia a atual ameaça da frágil democracia brasileira, às voltas com milícias de direita e manifestações de rua clamando por intervenção militar?

 

A doença psíquica da República de Weimar

Babylon Berlin exige do espectador conhecer minimamente o contexto político daquele momento na Alemanha: a chamada “República de Weimar” – designação histórica dada ao período alemão após a derrota na I Guerra Mundial e que durou até o início do regime nazista. Como sistema democrático representativo e semi-presidencial, se aliava às ideias libertárias e revolucionárias da modernidade da virada do século: o cinema, o jazz, a liberdade sexual, o feminismo etc.

Mas, por outro lado, a República de Weimar carregava o ônus da derrota e da humilhação das condições impostas pelo Tratado de Versalhes – imposto pelos vitoriosos que impediam a recuperação econômica da Alemanha.

Ou seja, a jovem democracia alemã já surgiu psiquicamente envenenada pela humilhação, ressentimento e nostalgia – muitos começaram a associar a democracia com fraqueza e humilhação, dando força à nostalgia dos tempos do imperador e da monarquia. Caldo cultural que permitiria mais tarde a ascensão de Adolf Hitler como o visionário do regresso aos supostos “bons tempos” da época imperial e antidemocrática.

 Por isso, Babylon Berlin é um mergulho nessa atmosfera psíquica envenenada através de um mix que lembra a estética noir dos detetives atormentados e às voltas com álcool e drogas (parecem sempre habitar uma estranha região entre a vigília e a inconsciência) e o expressionismo cinematográfico de Gabinete do Dr. Caligari de Robert Wiener e Dr. Mabuse de Fritz Lang – filmes policiais e de mistério que envolviam a metáfora de uma Alemanha transformada em fantoche de hipnotizadores e marionetistas. 

Aliás, filmes banidos pelo ministro da propaganda nazi Joseph Goebbles. Ele temia que essas produções poderiam diminuir a confiança da nação nos seus políticos…

 

A Série

Uma locomotiva avança veloz noite adentro, até ser detida por uma árvores em chamas que cai no meio da via férrea.  A locomotiva para e é tomada de assalto por homens que saem por trás de arbustos. Tiram os uniformes dos funcionários, para em seguida vesti-los, para depois mata-los . Engatam na composição um vagão tanque. Para, em seguida, seguir velozmente em direção à Berlin.

Dessa forma começa a série Babylon Berlin, cuja narrativa girará em torno do misterioso conteúdo dessa vagão-tanque que clandestinamente segue para Berlin, no meio de outros vagões carregados de gás de alto poder letal.

Todos parecem rumar a capital alemã, a frenética cidade no coração da República de Weimar. Um lugar de personagens extremos – hiperinflação, pobreza e desempregados nas ruas, ex-combatentes de guerra com lesões pós-traumáticas e viciados em morfina. 

A extrema direita ganha impulso, juntamente com as organizações proletárias de esquerda. A tensão aumenta com a proximidade das comemorações do Dia do Trabalho, primeiro de maio.

 

Enquanto isso, nas casas noturnas endinheirados e novos ricos pouco se importam com o que acontece. Estão embalados pelo auge da Era do Jazz, no meio de sexo, perversões, álcool, drogas e muito niilismo, como se festejassem a beira do abismo. Tudo parece ser o tic-tac de uma bomba relógio prestes a explodir.

Salta para o primeiro plano da narrativa o jovem inspetor da Polícia de Costumes Gereon Rath (Volker Bruch). Ele veio da cidade de Colônia na pista de um misterioso caso (como sempre no filme noir, o mistério envolverá a si mesmo e a própria família) que desemboca numa batida a um estúdio que fazia filmes pornográficos envolvendo sexo adulto e pedofilia. 

Filmes que fazem releituras de contos bíblicos com muito sexo e perversão. Lentamente a investigação puxará o fio da meada que nos levará a um obscuro submundo: um investigador com rígida educação católica, viciado em morfina (ele próprio, sofrendo de traumas psíquicos da guerra e perpetuamente perturbado) que será conduzido a segredos que terão a ver com grupos proto-nazistas e empresários corruptos – no qual se destaca um brutamontes tatuado, sempre vestido como um padre. Literalmente, ele leva para suas vítimas a “extrema unção”…

>>>>>Continue lendo no Cinegnose>>>>>>>

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1.  
     Cacildes! Não queria

     

     Cacildes! Não queria assinar Netflix, mas agora me sinto tentado.

     Berlin Alexanderplatz, do grande Fassbinder, foi, na minha opinião, a mais incrível obra televisiva de todos os tempos.

  2.  
     Cacildes! Não queria

     

     Cacildes! Não queria assinar Netflix, mas agora me sinto tentado.

     Berlin Alexanderplatz, do grande Fassbinder, foi, na minha opinião, a mais incrível obra televisiva de todos os tempos.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador