Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Como parar de fumar em cinco passos do vício ao Holocausto em “No Smoking”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

O primeiro filme de Bollywood (a indústria cinematográfica da Índia) a fazer uma adaptação de uma obra de Stephen King. Definitivamente “No Smoking” (2007) é um filme para cinéfilos aventureiros e amantes do estranho. Parece até que David Lynch encontrou-se com Bollywood – um thriller neo-noir psicodélico, com muito humor negro, surrealismo, um guru irmão bastardo de Hitler e… cigarros. Um arrogante homem bem-sucedido e fumante obsessivo compulsivo é ameaçado pela sua esposa com o divórcio, depois de respirar tanta fumaça. Como largar o vício? “No Smoking” oferece um método de cinco passos: consiga ajuda profissional, envolva familiares e amigos, música, lembrar-se do Holocausto e, finalmente, morra para si mesmo. Além do tema do nazi-fascismo, controle e vigilância da mente e da alma, “No Smoking” faz também um curioso mergulho nas associações simbólicas do tabaco e fumaça associados à alma e consciência.

Um homem está preso em uma casa de madeira no meio do nada, numa espécie de gelado Gulag siberiano. Lá fora, um grupo de soldados russos fortemente armados estão vigiando-o. Na sala há um pequeno monitor de TV PB mostrando um telejornal falado em russo. Através da imensa janela, olha para o deserto gelado e vê no alto da colina uma banheira e, ao lado, um maço de cigarros.

Ele descobre que está ao vivo naquele telejornal russo – vê-se a si mesmo olhando através da janela. Sente uma incontrolável vontade de fumar. Dirige-se à porta e aperta um botão para chamar o guarda. Ao invés do som de uma campainha, ouve uma sirene, dessas da Segunda Guerra Mundial, misturada com a voz de um discurso de Hitler. Pede um cigarro e, como resposta, o soldado russo dispara com um revólver na sua direção.

Desesperado, o homem quebra a janela e corre pela neve em direção daquele maço de cigarros ao lado da banheira, até receber um tiro nas costas de um soldado russo.

Essa é a primeira sequência do filme hindu, altamente metafórico e surreal, chamado No Smoking (2007) do diretor Anurag Kashuap. Um filme para os amantes do estranho. Uma produção poderia ser descrito como o resultado do encontro de David Lynch com Bollywood, a indústria cinematográfica da Índia.

A princípio, No Smoking pode ser descrito como um neo-noir thriller psicodélico. O primeiro filme de Bollywood baseado em um conto de Sthephen King – Quitters Inc. de 1978.  

Embora o filme tenha recebidos aplausos e louvor em diversos festivais pelo mundo, na Índia foi um fracasso de bilheteria. Parece que No Smoking estava à frente do seu tempo na indústria do cinema daquele país por apresentar um enredo obscuro e estranho misturando elementos de surrealismo, fantasia, sonho, realismo, horror, humor negro e muitas sequências musicais (praticamente vídeo clipes independentes dentro do filme), marca registrada dos filmes de Bollywood para conseguir apelo comercial. 

 

Foi desaprovado pelo público e crítica indianos. Os poucos que assistiram ficaram perplexos com uma narrativa incomum na qual não há um tom dominante, confundindo o espectador mais desavisado acostumado a finais felizes e narrativas lineares.

O Filme

No Smoking acompanha um yuppie rico, bem sucedido, arrogante e um fumante obsessivo compulsivo. Sr. K (John Abraham), como é chamado, é capaz de passar horas em sua banheira fumando. E costuma expulsar velhinhas de elevadores que reclamam por ele fumar em lugares fechados. 

A surreal cena que abre o filme é uma síntese alucinada do que veremos nas quase duas horas de projeção, oscilando entre a realidade e a ilusão, explorando o interior da mente de alguém viciado em tabaco. Na verdade o tabagismo é usado como uma metáfora para mostrar como o funcionamento da mente humana torna-se vítima de dispositivos autoritários de vigilância e controle tão insidiosos que são capazes de ir além da mente – alcançam a própria alma.

Em muitos aspectos, No Smoking lembra o filme Vidas em Jogo (The Game, 1997) no qual um entediado banqueiro bem-sucedido participa de um jogo que se torna cada vez mais pessoal, confundindo ilusão e realidade até chegar à paranoia e desespero.

 

Historicamente, sabemos que as primeiras campanhas de propaganda antitabagista foram criadas pelos nazistas na década de 1930 – Hitler, vegetariano e não fumante, acreditava que o cigarro envenenava a própria alma da raça ariana. Mas também sabemos que, para os médicos da SS, o antitabagismo foi um mero pretexto para o controle da população e identificação daqueles que supostamente não preenchiam os requisitos da pureza racial. Caso a Alemanha ganhasse a guerra, o Holocausto se voltaria contra o próprio povo alemão.

Com muito humor negro e surrealismo, No Smoking mostra cinco irônicos passos para abandonar o vício do cigarro. Mas, cuidado! Alguma coisa do velho misticismo e higiene social nazista está sendo ressuscitada em plena Índia…

Primeiro passo: consiga ajuda profissional

Sr. K tem pesadelos com russos negando-lhe cigarros. E sua esposa Anjali (Ayesha Takia), cansada de tanta fumaça, ameaça com o divórcio. Seu amigo Abbas (Ranvir Shorey), um ex-fumante, está ansioso em lhe recomendar uma ajuda profissional – um empresa chamada “O Laboratório”, com um sinistro call center com mulheres vestidas de burca, localizada em uma suja viela em uma favela de Calcutá.

Lá o Sr. K encontra um enigmático vendedor de tapete com um olho de vidro que lhe mostra uma passagem secreta com infinitas escadarias, até encontrar um anão e outra mulher de burca. 

 

Segundo passo: envolva família e amigos

Logo o protagonista encontra um guru que atende por Shri Shri Prakash Guru Ghantal Baba Bengali (Paresh Rawal) que proclama que ninguém saiu dali sem uma cura para os vícios – os vícios são doenças da alma, enquanto o corpo é puro, afirma o guru. Ao mesmo tempo em que o assistente anão lhe traz o contrato para ser assinado.

Na parede um estranho retrato no qual o guru anda de carro ao lado de Hitler – Baba Bengali seria um irmão bastardo do líder alemão. E logo percebemos as insólitas conexões: o programa de reabilitação do “Laboratório” consiste num jogo de punições de amigo e familiares, a cada cigarro que o Sr. K porventura ponha na sua boca. Além da ameaça de ter os dedos cortados…

Sua vida começa a ser monitorada 24 horas e dezenas de fitas VHS são arquivadas para análise no “Laboratório”. 

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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