Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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“Complicações do Amor”: pode algo tão bom não funcionar mais?, por Wilson Ferreira

Por Wilson Ferreira

Não se perca no infeliz título em português, que faz parecer uma comédia romântica de sessão da tarde. “Complicações do Amor” (The One I Love, 2014) é uma crítica ambígua e até sombria (ao melhor estilo das atmosferas da série “Além da Imaginação”) contra todo aparato fármaco, psicoterapêutico e neurocientífico atual mobilizados para supostamente nos fazer felizes. Porém o efeito colateral prático é viciosidade, dependência e compulsão. Afinal, é a alma do negócio para manter todos sob controle – as chamadas “tecnologias do espírito”. Um casal em crise terminal procura um terapeuta para tentar resgatar os momentos felizes que foram perdidos no passado e que fizeram Ethan e Sophie ficarem juntos. O terapeuta sugere um final de semana a sós em uma remota casa de campo onde tentem resgatar o que foi perdido na relação. O problema é que lá encontrarão uma espécie de sala de espelhos cada vez mais perturbadora com resultado imprevisível e ambíguo  – e até elementos CosmoGnósticos. Matrix nas relações conjugais?  

“Será que uma coisa tão boa
Pode simplesmente não funcionar mais?”
(“Love Will Tear Us Apart”, Joy Division)

 

Em 2004 o filme Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças abria o século XXI mostrando até onde poderiam chegar as chamadas “tecnologias do espírito” (autoajuda, neurociências, psicoterapias etc.) e a sua popularização por meio da “cultura Prozac” que promete deletar nossas inquietações trazendo para nossa mente e relacionamentos a paz dos cemitérios – um pequeno empreendimento chamado Lacuna Inc. ganhava a vida apagando eletronicamente lembranças das mentes de corações partidos.

Nesse filme, o diretor Michel Gondry focava a crítica às tecnologias do espírito pela questão das memórias e o esquecimento voluntário: para podermos seguir em frente nas nossas vidas, devemos apagar o peso emocional das lembranças. Todo o aparato das tecnologias do espírito (fármaco-eletrônico-neurocientífico) nos concederia o esquecimento voluntário e a alienação de nós mesmos. E o que é pior: transforma tudo isso em troca mercantil.

Já o filme Complicações do Amor (The One I Love, 2016), filme independente dirigido por Charlie McDowell e escrito por Justin Lader, apresenta uma crítica mais sinistra e sombria. Tudo sob a aparência de uma comédia romântica (para começar no horrível título em português) bobinha, dessas de sessão da tarde.

Se Gondry mirava a crítica cínica na questão do esquecimento voluntário e na alienação feliz, McDowell e Lader centram em um tipo especial de memória: a repetição neurótica de lembranças felizes, mas que não estão funcionando mais em relacionamentos conjugais. 

Aqui em Complicações do Amor acompanhamos um casal que busca um terapeuta conjugal para tentar salvar um relacionamento que não está mais dando certo. Eram felizes mais jovens, quando se conheceram. Desesperados, tentam reencenar as mesmas situações felizes do passado mas a química parece que desapareceu – não riem mais juntos e, o que é pior, não fazem mais sexo.

 

Não conseguindo melhor resultado com métodos psicoterapêuticos tradicionais, o terapeuta decide mandá-los para uma casa de campo acolhedora longe da rotina habitual do casal. Ele diz que cada casal enviado para lá voltou “renovado” – expressão ambígua, como o leitor observará no filme.

Mas lá encontrarão uma sinistra armadilha, no melhor estilo da famosa série Além da Imaginação – crítica altamente simbólica de McDowell e Lader sobre as tecnologias do espírito: repetição e dependência, seja dos fármacos, seja do nosso apego neurótico a memórias de prazer exploradas tanto pelas psicoterapias quanto pela sociedade de consumo.

O Filme

Ethan (Mark Duplass) e Sophie (Elizabeth Moss) são um casal que foi muito feliz, divertido e com senso de humor. Mas agora, nada funciona. Nem mais o sexo. Lembram dos momentos divertido do início da relação (pular à noite na piscina de uma casa estranha ou tomar ecstasy no Lollapalooza). Tentam repetir juntos as situações, mas a magia do passado não retorna.

Acreditando que tudo é apenas um problema de comunicação, recorrem a um terapeuta de casais. Mas conversas, jogos, dinâmicas, nada funciona. Até que o terapeuta (Ted Danson) sugere a eles passar um fim de semana em um retiro no campo a curta distância de carro. Uma propriedade completa com casa de hóspedes, piscina e laranjais.

Ethan e Sophie concordam em ir, embora a tensão entre eles persista. Lá ficarão à sós em uma imensa propriedade. Quem sabe voltem ao início de relacionamento, quando eram irreverentes e felizes.

Juntos fazem o jantar. Bebem vinho e fumam maconha. Se soltam. O riso traz o alívio e a sensação de que eles estão voltando para aquelas sensações que fizeram ficarem juntos. Sophie sai para tomar ar e encontra a casa de hóspedes. Para sua surpresa, lá encontra Ethan, dão mais risadas e fazem sexo.

 

Mas no dia seguinte ocorre algo estranho. Quando Sophie menciona que se encontraram na casa de hóspedes e fizeram sexo, Ethan não consegue lembrar. Será que foi a combinação do vinho com a maconha?

Porém, coisas estranhas e anomalias começam a acontecer. Sempre na casa de hóspedes. A partir desse ponto, o filme retoma o tema do doppelgänger (palavra alemã para designar “duplicata andante”, “réplica”) – o confronto do protagonista com o seu duplo como nos filmes recentes O Homem Duplicado (Enemy, 2013) e O Duplo (The Double, 2014).

Ao entrar na casa de hóspedes, cada um deles encontra um duplo de Ethan ou Sophie. Porém, como amargamente observa Ethan, eles são 20% melhores que os originais: parecem ter aquilo que cada um deles deixou no passado. O duplo de Ethan  é irreverente e fala exatamente aquilo que Sophie quer ouvir de si mesma. E o duplo de Sophie parece uma daquelas donas de casa em tons pastéis dos anos 1950.

Anomalia cósmica? Algum golpe? Assustados decidem fugir, mas Sophie não consegue tirar o duplo de Ethan da cabeça. Com a sua insistência, Ethan aceita voltar e resolver o mistério – afinal, o gosto pela curiosidade e aventura eram qualidades do casal no passado. 

Mas o que descobrirão é uma espécie de salão de espelhos cada vez mais perturbador e os mistérios se acumulam novamente.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

2 Comentários

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  1. Nao sei por que
    Nao sei por que mas “e o duplo de Sophie parece uma daquelas donas de casa em tons pastéis dos anos 1950” me fez pensar nas mulheres submissas que as igrejas evangélicas tanto pregam negando meio seculo de liberação feminina.

  2. O amor que desconhecemos
    Não assisti ao filme. A sinopse engana.
    A resenha fala da tentativa fracassada das “tecnologias” de satisfação em resolver um problema conjugal-existencial.
    Aqui vai meu palpite: não terá sido a transformação total das paixões em patologias cientificamente (quase sempre nem tanto “com ciência”, apenas tentativas e, muitos, erros presunçosos) dissecadas e submetidas a intervenção, tratamento e ajustamento social, que subtraiu outras mediações e abandonou aos circuitos comercializados dos “afetos” as pessoas destreinadas de sua própria, e comunitária, lida com as situações e descobertas de sentidos e saídas ou aceitação dos limites intransponíveis em cada faixa de espaço-tempo que nossa memória organiza a seu modo?
    Não somos, ontologicamente, problemas em busca de soluções ou consertos mecânicos (coachings pra vida social, botox pra gravidade de continuar vivo, o sonho de se tornar “bem resolvidos”, “fit for life”, darwinismo em pílulas pra não sofrer, rejuvenescer, não morrer), mas seres à espera/em construção de sentido e/ou de descobertas – as epifanias religiosas e artísticas/culturais, ou sociais em interações não sujeitas ao “deja vu” artificializado pelo controle e repetição de linhas de produção de sensações. Não é de estranhar que a transformação e submissão de todos os aspectos da ciência e produção material na sociedade a estes requisitos, deturpados e tecnocratizados, de controle (de quem/quê sobre quem/quê?), repetição, ordem e reprodução do mesmo e marginalização da diferença em nós e nos outros, chegaria a estes impasses aflitivos ao se espraiar pra territórios sujeitos a outras gramáticas, exercícios, drama-li-turgias e cosmo-a-gonias

    A imaginação criativa e a racionalidade inseparável de sua seiva emocional (A grande “descoberta” em “O erro de Descartes”, de Antonio Damásio) foram substituídos, na vida individual e na organização social, pela previsibilidade medrosa, repetibilidade insensível, experimentação monstruosa (frankstein como modelo e não como lição) e cinismo desdenhoso como critérios de eficiência existencial (a nova “ética obediente ao espírito do neoliberalismo”, uma variante em chiste do título do clássico de Weber).
    Enfim, como não sou psicóloga nem “óloga” de nada, sugeriria ao casal hipotético, como seres pré-históricos quando sofriam de amor, os terapeutas da artes sociais rupestres.

    “O crescente tabu da civilização em relação à expressão de sentimentos espontâneos e fortes trava suas línguas e mãos.” (“A solidão dos moribundos, seguido de, Envelhecer e morrer”, de Norbert Elias, tradução de Plínio Dentzien, Jorge Zahar Editor, RJ,pág. 36-37).

    “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. ”
    1 Coríntios 13:1 (https://www.bibliaonline.com.br/acf/1co/13)

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=lbwdo_fVCx8%5D

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=kub0jNnV80Q%5D

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=iomvx0k9AgU%5D

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=dJYAaclsMcw%5D

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=aoneUSFfCa8%5D

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=Yr8xDSPjII8%5D

    SP, 07/05/2017 – 14:48

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