Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Em “Await Further Instructions” a TV nos contamina com insanidade e obediência cega, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Uma família tenta se reconciliar na noite de Natal depois de anos de estranhamento. Mas em breve, encontram-se presos e incomunicáveis com o mundo exterior em sua casa suburbana. Há algum tipo de entidade não identificada que se comunica exclusivamente através da televisão, por meio de teletextos (que lembram os velhos videogames de 8 bits) com ordens ambíguas que progressivamente provocam discórdia, histeria e violência. Será que tudo não passa de algum reality show televisivo? Um ataque terrorista? Ou algo pior? Ao lado de “Videodrome” (1982) de David Cronemberg, “Await Further Instructions”(2018) é um filme que nos mostra que a TV há muito deixou de ser uma janela aberta para o mundo para se converter em tela que nos passa comandos. Nós não temos ideias, mas é as ideias que nos têm, nos transformando em hospedeiros virais para replicar a insanidade e a obediência cega. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende. 

Talvez até aqui, na história do cinema, o filme que melhor representou como a tela de TV se transformou na própria retina humana em nossa sociedade tenha sido Videodrome (1983) de David Cronemberg. Neste filme, Cronemberg transformou em terror o célebre insight do pesquisador Marshall McLuhan de que os meios de comunicação são extensões do homem – a tela de TV se transformava numa grande boca feminina como se quisesse devorar o telespectador. Enquanto esse, se transformava num aparelho videocassete com uma fenda no abdômen na qual era inserida uma fita VHS pulsante – clique aqui.

Até aqui, pois a produção britânica Await Futher Instructions (“Aguarde novas instruções”, 2018) pelo menos ombreia com as especulações sobre a natureza da televisão de Cronemberg. Porém, a dupla do diretor Johnny Kevorkian e do roteirista Gavin Williams vai por um caminho diferente, com forte acento de crítica social. Diferente de Videodrome, uma reflexão metafísica-tecnológica da TV.

Await Further Instructions vai pelo caminho de um drama sombrio de ficção-científica/horror com um evidente pano de fundo ao qual quer servir como parábola: a xenofobia que esteve por trás da decisão do Brexit, atiçado por um plano de engenharia de opinião pública para lavagem cerebral das massas – o Brexit foi apenas a ante-sala para mais tarde Trump, nos EUA e Bolsonaro, no Brasil, serem o perfeito aprimoramento dessa engenharia.

 

 

Fraquezas humanas

Mas o filme da dupla Kevorkian-Williams também se alinha a uma tendência atual em narrativas sobre aliens invadindo a Terra, já verificado na análise da série Colony (2016-2017) e do curta Final Offer (2018) – atualmente os curtas-metragens são verdadeiros termômetros que antecipam novas tendências em longas.

Nesses filmes os invasores não mais invadem o planeta em guerra de extermínio com máquinas monstruosas. Aparecem furtivamente ou de formas enigmáticas e ambíguas, explorando as principais fraquezas humanas por meio de ferramentas que a própria humanidade criou para subjugar outros seres humanos pelas suas próprias fraquezas. Jogando uns contra os outros e tirando lucro disso. E em Await Futher Instructionseste instrumento é a televisão.

 A premissa do filme é uma das mais antigas no cinema: um pequeno grupo de personagens confinado em uma peque área, um lutando contra o outro para assumir o controle da situação. E para piorar, em um dos momentos do ano mais temido por muitos: o encontro da família na ceia de Natal, uma experiência que muitas vezes pode ser desagradável pelos atritos familiares que tentam ser esquecidos. Mas que sempre voltam à tona nesses momentos. Principalmente quando o filho apresenta a nova namorada: uma paramédica de ascendência hindu, apresentada para uma conservadora família de classe média baixa suburbana.

Mas há algum tipo de presença alien que vai tirar proveito desse típico drama terrestre… através da TV.

 

 

O Filme

Os Milgrams são uma típica família conservadora de classe média. Após anos de afastamento, os filhos voltam a se encontrar com seu autoritário pai Tony (Grant Masters), a ansiosa mãe Beth (Abigail Cruttenden) e o rabugento e não menos autoritário avô (David Bradley), entre um pigarro e um escarro, sempre segurando o controle remoto diante da TV.

Enquanto a irmã grávida Kate (Holly Weston) chega com o seu namorado fortão e esquentado Scott (Kris Saddler), Nick (Sam Gittins) chega relutante, com sua namorada hindu Annji (Neerja Naik) – ele sabe que não será nada fácil, principalmente o pai e o avô, aceitarem uma não-caucasiana na família.

Há tensão desde o início (enquanto o avô acusa seu filho Tony de “mijão” por não ter autoridade necessária sobre os filhos, Kate destila sua xenofobia contra Annji), mas coisas pioram de vez quando na manhã seguinte acordam para encontrar a casa rodeada por uma misteriosa substância negra. Todas as janelas foram vedadas, as portas trancadas e casa totalmente isolada do mundo exterior – a linha de telefone fixa caiu e não há Internet nem sinal de celular.

O que está acontecendo? Foram vítimas de alguma brincadeira? Houve um incidente terrorista e isso é uma estratégia do Governo para proteger as famílias? Estão involuntariamente envolvidos em algum reality show? Naturalmente ligam a TV para saberem o que está acontecendo, mas tudo o que veem é a tela em ruído branco e uma mensagem: “Fique dentro de casa e aguardem novas instruções”.

Naturalmente o autoritário Tony acredita que é algum canal de emergência do governo e todos deverão seguir cegamente as instruções. A tensão começa a aumentar com o rabugento avô que o acusa o filho Tony de “mijão” sem pulso com os filhos; Kate acredita num ataque terrorista e acusa Annji de simpatizante de ataques muçulmanos. Ela exorta seu namorado fortão Scott a provar que é realmente homem e assumir o controle com os punhos; do nada, a mãe Beth começa a cantar canções de Natal tentando fazer todos retornarem ao espírito apropriado para aquele momento.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

1 Comentário

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  1. Bom filme mas…

    Tenho a impressão, caro Wilson, de que esse curioso filme incorre num diversionismo característico das culturas britânica e estadunidense. Desde Karn Evil 9, do Emerson, Lake & Palmer, passando pelo HAL do Stanley Kubric e chegando na imensa parábola que é esse filme, aquele pessoal está sempre culpando as máquinas que como se adquirisse vida própria voltasse-se contra seu criador, a humanidade. Ou seja, o filme esconde o fato de que por trás dos males que a tecnologia nos faz há sempre pessoas – identificáveis, que têm nomes e endereços conhecidos – as operando.

    Nem a TV e nem computadores (chamados, à época do EL&P de cérebros eletrônicos) se voltam contra as pessoas. Quem se volta contra as pessoas são outras pessoas operando essas máquinas. É como dizer que o carro atropelou uma pessoa ou que a faca cortou meu dedo: um tipo de se furtar à resposabilidade tanto pelo manejo do carro quanto da faca.

    Enfim acho que faltou, no filme, dizer quem é que está por trás das operações da TV, que buscam fragilidades comuns a todos nós para explorá-las em seus egóicos e pessoais objetivos. E acho que essa ocultação é a intenção final do filme.

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